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IANELLI, SISMO
(Mariana Ianelli
reflete sobre a casa em tempos de isolamento. - © GZH)
Paulo Rosa
Poeta não dada a
eufemismos, em ‘Dia de Amar a Casa’ (Ardotempo) Mariana Ianelli radicalizou:
não há um só. Nem para remédio. Melhor assim, de entrada o coração sangra e a
alma se contorce porque a pele poética, ao caminhar, se arrasta pelo chão, vai
se escalavrando, e daí não se afasta. Lindo e feio como a vida, como dizemos no
Uruguai.
Sendo poeta,
Ianelli gosta da crônica e há quase uma década ela faz anotações sobre tigres
que, informa Ignacio Loyola Brandão, quem a lê aprende a saber de si. Nada
pouco para tempos pandêmicos que te arrinconam: não há saída, ou se aprende de
si ou se apreende de si. Pois ‘Amar a Casa’ é fruto desse aperto.
‘devo a esses e
outros tigres da língua sentidos e sons que nunca antes havia experimentado’
Ianelli é,
portanto, dada a tigres. Seus livros estão cheios: Ianelli avô, Aquino pai,
Octavio Paz, Hilda Hilst, Neruda, Hooper, Rilke, Dostoiévski, Escher, João
Cabral, Vinicius, Murilo, Quintana, Drummond, Marise Castro, Caetano, Chico,
Frida, Modigliani, Artaud...incontáveis felinos com quem aprendeu a degustar,
diz, a ‘delícia da palavra’. Grato vê-la grata.
‘gosto dos
primeiros tempos de um artista, quando tudo nele é ainda nascente como no país
da infância...gosto dessa infância dos caminhos...’
Me afino com
Ianelli sobre a busca sensível, felina, tateante, de passos nunca antes. Aquele
instante em que por primeira vez se ajustam música e letra, explica Chico
Buarque: é coisa celestial. Os primeiros momentos do primeiro Freud, farejando
a escuras, sendo mais que todo-ouvidos, olhos para olhar, experimentar palavras
e afetos e descobrir-se a si na presença de Elisabeth de R, uma paciente
inaugural. Ali confessa: ‘ajudei-a ainda mais como amigo interessado’, palavras
estonteantes para ouvidos pós-freudianos, em especial se afeitos a eufemismos.
Mas, Ianelli é,
ainda, generosa:
‘Esta é para os
ariscos, tímidos, enrustidos, impopulares, lacônicos, ensombrecidos,
bichos-do-mato...Esta é para os lentos, atentos, estranhos, reservados, esses
tachados de esquisitos, que não se dão bem, não se abrem...para os ausentes,
reticentes, atônitos, estatuados, reformados de guerra, cumulados de mortes, os
que preferem não dizer, os que perderam a voz, os que só guardam...esses que
falam com os olhos, quando falam. Os que ainda não entraram na música, mas
esperam sua hora. Os que vão de leve para não revolver águas escuras...’
Ao olho clínico
de Ianelli nenhum vericoeto del alma se escapa, e ela se propõe a diálogos
multilaterais com essa penca de filhos da natureza. Fosse médica, seria uma
aula de clínica – essa mais bela palavra – que revela o debruçar-se ao peculiar
de cada um.
‘eu falaria de
coisas que não conheço só para aprofundar meu desconhecimento’
A poeta dá
ênfase ao degustar o não-saber próprio, algo decisivo para o conhecimento
possível de si, do mundo. Caso de mãe que exerce maternidade a partir do olhar
a filha e não do suposto-saber de mãe. A poeta destapou assim o comunicado de
Yolanda, filha-e-guia da poeta, mostrando que Yoyo agora tem nova fome, fome de
amigos, portanto a mãe deve aquietar-se para que a filha possa ter mais paz ao
partir. Como gestações e nascimentos infindos de mãe e filha, vida afora, mas
que transcorra de jeito poético
‘como sobe um
poema feito um cheiro de alecrim quando chove’ ou ‘um copo de água de chuva e a
alma do menino sente o gosto dos relâmpagos’ (apud Tonino Guerra).
‘será que toda
vez que a gente expede um minúsculo carinho telepático o outro é levado por
alguma sinapse amorosa a também pensar na gente?’ ‘todo dia tem sua hora
clandestina...estamos aqui e não estamos. Estamos aqui e em outra parte.’ ‘...à
própria sorte, a mente é esse gato sem raça definida...riscando o ar num louco
emaranhado invisível...’
Sim, poeta,
creio, as gentes assim como os astros têm elípticas atrações recíprocas, cujos
trajetos se sucedem em proximidades e distâncias, como em amorosas sinapses do
cosmo.
O livro vai para
o homem que vê céu entre folhas secas de parreira.
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Paulo Rosa é Escritor,
cronista, pediatra e psicanalista, autor de Andar Térreo, publicado por
Edições Ardotempo.
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