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Discurso de abertura, por José Luiz Marasco, o Patrono
Vivi os dias que antecederam este
ato, com imensa ansiedade.
Sentia, em falas de amigos e de conhecidos, uma verdadeira expectativa
sobre como seria minha manifestação, no momento da inauguração da 50ª. FEIRA DO
LIVRO DE PELOTAS. Poderia ser – e possivelmente fosse – apenas um gesto de
simpatia. Desconfiando, porém, que pudesse ser mais do que isso – que fosse
autêntico e inusitado apreço por minha palavra – passei a viver esses dias mais
recentes com a preocupação de estar à altura – ou à maior proximidade possível
– da fala de tantos ilustrados patronos de outras edições deste evento.
A primeira Feira
do Livro contou com a palavra do Dr. Mozart Russomano
Simulei, então, em diversos momentos, várias e diferentes abordagens.
O mote escolhido para a 50ª.FEIRA DO LIVRO DE PELOTAS, que explica a
homenagem que me foi feita, como Patrono ao lado do Eduardo – “Conectando
gerações, construindo o futuro” – pareceu-me, ao final, o melhor tema para
minha manifestação.
Por professor que
fui durante quase toda minha vida, na área das Ciências Sociais e no Direito,
estive sempre fazendo a traditio, a entrega do passado às novas gerações para
tentar explicar-lhes o presente e iluminar o futuro.
Permitam-me lembrar, neste momento, com muita emoção, que, desde há algum
tempo, PROFESSOR E PAI, fiz uma especial entrega à polis. Entreguei à vida
pública um cidadão de caráter reto e de insuspeitadas virtudes cívicas, o meu
filho Eduardo, cuja formação tenho o orgulho de haver compartilhado com a Lica.
Desde há algum tempo, porém, deixei de arriscar sobre o futuro e já não
tenho muitas certezas sobre o passado.
Atribuiu-se ao ex-ministro Pedro Malan esta frase-pérola: “No Brasil, até
o passado é incerto”.
Vivemos, sim, um tempo de incertezas nos dias de hoje, em que,
inegavelmente, cresce o que me permito designar como um envolvente “culto à
ignorância”, tão comum e tão característico de ideologias totalitárias, que
costumam fazer do livro (este “perigoso instrumento civilizatório”!) a sua
primeira vítima, como é revelado em tantos momentos de agressão ao pensamento,
em tantos casos de “queimas de livros”, que a história registra.
E – sabemos – depois de queimarem-se livros, queimam-se pessoas, como
advertiu o poeta alemão Heinrich Heine.
Não foi senão para impor o credo que mais se afeiçoava a seus interesses
de dominação, que Constantino, após o Concílio de Niceia, mandou queimar os
textos que defendiam a versão do Cristianismo, de Ário.
Foi em razão do obscurantismo religioso que, em Granada, durante a
Inquisição Espanhola, foram queimados mais de cinco mil manuscritos árabes.
Na busca da realização de um sonho fácil de sonhar, dos anos de 1920 em
diante, a experiência socialista da União Soviética procedeu à queima de livros
que expressavam o “pensamento decadente do ocidente”.
Temos, ainda, a lembrança próxima de quando Joseph Goebbels – evocado
(não sem surpresa) recentemente por um ex-secretário nacional da cultura –, em
10 de maio de 1933, deu início simbolicamente ao expurgo da inteligência que
não servisse aos propósitos totalitários do regime nazista.
Ouviram-se, então – registraram testemunhas presentes ao ato –, frases
como estas – "Contra a decadência e a deterioração moral! Pela disciplina
e decência da família e do Estado, entrego à chama os escritos de Heinrich
Mann, Ernst Glaeser e Erich Kästner, Stefan Zweig, Thomas Mann, Sigmund Freud,
Erich Maria Remarque..."
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A riqueza maior dos livros está em ser o abrigo da palavra, expressão
maior da exclusiva jornada de racionalidade da espécie humana sobre a terra.
Lembro-me de que, em sala de aula, alguns alunos, reclamavam de que
minhas lições traziam-lhes palavras novas, pouco usadas e, assim, não bem
entendidas, de pronto.
Usava de responder-lhes, então, que a palavra, como menor unidade
semântica de um idioma, é a expressão de ideias, de pensamentos e de
sentimentos e, assim, quem conhece mais palavras, melhor traduz seus
sentimentos, elabora com maior facilidade seu pensamento e pode produzir mais e
novas ideias. Dizia-lhes, também, que o maior manancial de palavras era
encontrado nos livros, na boa literatura.
Por isso, eventos dedicados ao LIVRO, como este que agora é inaugurado,
além do aspecto festivo, vejo-os como consagrações à inteligência e à
liberdade.
Fui assíduo frequentador das FEIRAS DO LIVRO, desde sua primeira edição.
Era, então, um adolescente que, como os do meu tempo, “cometia”, já, sentidas,
amarguradas e inconsoláveis poesias. Forrei-me, depois, para minha “Lira dos
Vinte Anos”, dos livros da Editora do Autor, que alcançou às prateleiras dos
jovens românticos como eu, a poesia de Cecília Meireles (Sei que canto. E a
canção é tudo. Tem sangue eterno, a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo:
mais nada), Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manoel Bandeira,
Paulo Mendes Campos (não vou mais sofrer sob as armações metálicas do mundo, como
fiz outrora, quando ainda me perturbava a rosa).
Contava, a este tempo, no meu querido Colégio Pelotense, com as aulas do
inesquecível professor Aldyr Garcia Schlee, que, entusiasta da literatura e da
juventude, generosamente sonhava em fazer de seus alunos grandes escritores.
Tenho certeza de haver ele logrado êxito com um, ao menos: o MÁRIO OSÓRIO
MAGALHÃES. (“jogava a tal felicidade de enxurrada à nossa porta e a gente nem
sabia o que fazer com ela. Provavelmente ela por muitas noites pernoitou lá
fora e nem sequer abrimos a janela”) [*ver nota do Editor ao final do texto]
O livro, o personagem principal deste evento, penetrou profundamente em
minha vida.
Através de suas páginas, apaixonei-me por personagens, aprofundei-me em
dramas existenciais, naveguei por mares bravios, trilhei caminhos inóspitos,
desfrutei paisagens, descobri encantos, conheci misérias, devassei conflitos
íntimos, amei perdidamente...
Vivi a vida de tantos... em tantos lugares... em tantos tempos!
Os livros preencheram-me com muitas e variadas preciosidades. Alimentaram
em mim, também, uma incessante e sempre insatisfeita curiosidade.
Incapaz de fazer melhor, que fale sobre isso, por mim, o poeta:
“trago dentro do meu coração,
Como um cofre que se não pode fechar, de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei.
Todas as paisagens que vi através de janelas ou de
vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando.
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que quero”
(Fernando Pessoa)
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