20 de novembro de 2024

Meus Livros Impossíveis – 1

 

 “Alma e Sentimento”

                

Fotos L.C. Vaz

 

Luiz Carlos Vaz (*)

 Para Fernando Falcão da Silva

                                                                                sobrinho do seu Orobaldo


    Não posso, é claro, me declarar publicamente como um “acumulador”. O Dr. Paulo Sousa, meu personal analista, meu “inimigo mortal declarado” (é ele quem diz isso...) e prefaciador do meu livro A História de Abel, já me liberou dessa classificação. Ufa! Mas o fato é que imagino mesmo que só eu tenho guardado alguns livros raros e outras coisas, que talvez só tenha acervo semelhante no Museu do Louvre! Mas lá isso é phynno, é cultura, é preservação da memória. Já eu... não passo de um juntador de coisas materiais, não acredito, por exemplo, em “armazenamento em nuvem”, pois sigo o Hermes Aquino que disse “nuvem passageira com o vento se vai...”

    Em épocas de Feira do Livro eu fico furungando as prateleiras, as caixas e os puxadinhos aqui da minha “acumulação” e acho cada coisa, como o raro (claro que o que se encontra nas livrarias não conta) livro do Heinrich Bunse, sobre o “modo de falar” de São José do Norte; há pouco conversava com a Lorena sobre uma declaração do Caetano sobre a palavra “coisa” e lembrei do livro do Bunse. Por incrível que pareça o IEL não colocou a data na edição... mas se sabe que é do tempo em que o Amaralzinho era governador do RS, e a Lorena ainda nem era nascida...


L.C.Vaz


    Mas eu quero falar hoje, para inaugurar essa série sobre Meus Livros Impossíveis, que pretendo escrever até o ultimo dia desta nossa 50ª Feira, sobre o “livro do Seu Orobaldo”.

    Só quem é - ou foi da UFPel, e das antigas, conheceu o seu Orobaldo Gonçalves da Silva que, entre outros parentescos, era tio do nosso colega Fernando Falcão.  Só a vida do seu Orobaldo daria uns dez volumes... Ele foi, inclusive, jóquei ali no Prado. Nos “programas impressos” distribuídos antes das corridas, com o número do páreo, nome do cavalo e a cor da blusa, o seu nome era grafado como “O.Silva”, o que lhe rendeu o apelido de Zero Silva...

L.C.Vaz

    Mas eu quero é falar de literatura. O livro que só eu ainda preservo é o “Alma e Sentimento”. Quem possuir outro exemplar guardado, que atire o primeiro livro. Digo, a primeira pedra”. Trata-se de um conjunto de 25 poemas, distribuídos em 91 páginas, todos no linguajar simples, no melhor estilo gauchesco, como o recolhido há mais de um século por Simões Lopes Neto. Ele foi prefaciado pelo querido e saudoso professor Enrique Salazar Cavero, e foi impresso de forma simples, no ano de 1983, e está autografado para mim.

    Anotei depois a lápis, como sendo no dia 25 de maio de 87. Poderia ser do mesmo ano do lançamento, 1983, mas, como se diz, “vale o que está escrito”, mesmo que tenha sido com um lápis. 

    Esse, como todos os outros livros meus, estão à disposição de vocês mas “só para consulta local”, pois como alguém já disse: “Tolo é quem empresta livros. Porém, mais tolo é quem os devolve”.

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo, Escritor e Editor deste Blog

10 de novembro de 2024

50ª FEIRA DO LIVRO DE PELOTAS

 

                                                                                                                            Photo Vaz


Discurso de abertura, por José Luiz Marasco, o Patrono

 

Vivi os dias que antecederam este ato, com imensa ansiedade.

Sentia, em falas de amigos e de conhecidos, uma verdadeira expectativa sobre como seria minha manifestação, no momento da inauguração da 50ª. FEIRA DO LIVRO DE PELOTAS. Poderia ser – e possivelmente fosse – apenas um gesto de simpatia. Desconfiando, porém, que pudesse ser mais do que isso – que fosse autêntico e inusitado apreço por minha palavra – passei a viver esses dias mais recentes com a preocupação de estar à altura – ou à maior proximidade possível – da fala de tantos ilustrados patronos de outras edições deste evento.

A primeira Feira do Livro contou com a palavra do Dr. Mozart Russomano

Simulei, então, em diversos momentos, várias e diferentes abordagens.

O mote escolhido para a 50ª.FEIRA DO LIVRO DE PELOTAS, que explica a homenagem que me foi feita, como Patrono ao lado do Eduardo – “Conectando gerações, construindo o futuro” – pareceu-me, ao final, o melhor tema para minha manifestação.

                               Por professor que fui durante quase toda minha vida, na área das Ciências Sociais e no Direito, estive sempre fazendo a traditio, a entrega do passado às novas gerações para tentar explicar-lhes o presente e iluminar o futuro.

Permitam-me lembrar, neste momento, com muita emoção, que, desde há algum tempo, PROFESSOR E PAI, fiz uma especial entrega à polis. Entreguei à vida pública um cidadão de caráter reto e de insuspeitadas virtudes cívicas, o meu filho Eduardo, cuja formação tenho o orgulho de haver compartilhado com a Lica.

Desde há algum tempo, porém, deixei de arriscar sobre o futuro e já não tenho muitas certezas sobre o passado.

Atribuiu-se ao ex-ministro Pedro Malan esta frase-pérola: “No Brasil, até o passado é incerto”.

Vivemos, sim, um tempo de incertezas nos dias de hoje, em que, inegavelmente, cresce o que me permito designar como um envolvente “culto à ignorância”, tão comum e tão característico de ideologias totalitárias, que costumam fazer do livro (este “perigoso instrumento civilizatório”!) a sua primeira vítima, como é revelado em tantos momentos de agressão ao pensamento, em tantos casos de “queimas de livros”, que a história registra.

E – sabemos – depois de queimarem-se livros, queimam-se pessoas, como advertiu o poeta alemão Heinrich Heine.

Não foi senão para impor o credo que mais se afeiçoava a seus interesses de dominação, que Constantino, após o Concílio de Niceia, mandou queimar os textos que defendiam a versão do Cristianismo, de Ário.

Foi em razão do obscurantismo religioso que, em Granada, durante a Inquisição Espanhola, foram queimados mais de cinco mil manuscritos árabes.

Na busca da realização de um sonho fácil de sonhar, dos anos de 1920 em diante, a experiência socialista da União Soviética procedeu à queima de livros que expressavam o “pensamento decadente do ocidente”.

Temos, ainda, a lembrança próxima de quando Joseph Goebbels – evocado (não sem surpresa) recentemente por um ex-secretário nacional da cultura –, em 10 de maio de 1933, deu início simbolicamente ao expurgo da inteligência que não servisse aos propósitos totalitários do regime nazista.

Ouviram-se, então – registraram testemunhas presentes ao ato –, frases como estas – "Contra a decadência e a deterioração moral! Pela disciplina e decência da família e do Estado, entrego à chama os escritos de Heinrich Mann, Ernst Glaeser e Erich Kästner, Stefan Zweig, Thomas Mann, Sigmund Freud, Erich Maria Remarque..."

                                                                                               Photo Vaz


A riqueza maior dos livros está em ser o abrigo da palavra, expressão maior da exclusiva jornada de racionalidade da espécie humana sobre a terra.

Lembro-me de que, em sala de aula, alguns alunos, reclamavam de que minhas lições traziam-lhes palavras novas, pouco usadas e, assim, não bem entendidas, de pronto.

Usava de responder-lhes, então, que a palavra, como menor unidade semântica de um idioma, é a expressão de ideias, de pensamentos e de sentimentos e, assim, quem conhece mais palavras, melhor traduz seus sentimentos, elabora com maior facilidade seu pensamento e pode produzir mais e novas ideias. Dizia-lhes, também, que o maior manancial de palavras era encontrado nos livros, na boa literatura.

Por isso, eventos dedicados ao LIVRO, como este que agora é inaugurado, além do aspecto festivo, vejo-os como consagrações à inteligência e à liberdade.

Fui assíduo frequentador das FEIRAS DO LIVRO, desde sua primeira edição. Era, então, um adolescente que, como os do meu tempo, “cometia”, já, sentidas, amarguradas e inconsoláveis poesias. Forrei-me, depois, para minha “Lira dos Vinte Anos”, dos livros da Editora do Autor, que alcançou às prateleiras dos jovens românticos como eu, a poesia de Cecília Meireles (Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno, a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: mais nada), Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manoel Bandeira, Paulo Mendes Campos (não vou mais sofrer sob as armações metálicas do mundo, como fiz outrora, quando ainda me perturbava a rosa).

Contava, a este tempo, no meu querido Colégio Pelotense, com as aulas do inesquecível professor Aldyr Garcia Schlee, que, entusiasta da literatura e da juventude, generosamente sonhava em fazer de seus alunos grandes escritores.

Tenho certeza de haver ele logrado êxito com um, ao menos: o MÁRIO OSÓRIO MAGALHÃES. (“jogava a tal felicidade de enxurrada à nossa porta e a gente nem sabia o que fazer com ela. Provavelmente ela por muitas noites pernoitou lá fora e nem sequer abrimos a janela”) [*ver nota do Editor ao final do texto]

O livro, o personagem principal deste evento, penetrou profundamente em minha vida.

Através de suas páginas, apaixonei-me por personagens, aprofundei-me em dramas existenciais, naveguei por mares bravios, trilhei caminhos inóspitos, desfrutei paisagens, descobri encantos, conheci misérias, devassei conflitos íntimos, amei perdidamente...

Vivi a vida de tantos... em tantos lugares... em tantos tempos!

Os livros preencheram-me com muitas e variadas preciosidades. Alimentaram em mim, também, uma incessante e sempre insatisfeita curiosidade.

Incapaz de fazer melhor, que fale sobre isso, por mim, o poeta:

“trago dentro do meu coração,

Como um cofre que se não pode fechar, de cheio,

Todos os lugares onde estive,

Todos os portos a que cheguei.

Todas as paisagens que vi através de janelas ou de vigias,

Ou de tombadilhos, sonhando.

E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que quero” 

(Fernando Pessoa)

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[*] trecho do poema Um Rastro, de Mario Magalhães, publicado neste Blog, em 19 de setembro de 2012, por ocasião de seu falecimento
https://velhaguardacarloskluwe.blogspot.com/2012/09/morreu-o-poeta-mario-osorio-magalhaes.html


11 de outubro de 2024

Algumas muitas ideias sobre a Alfabetização Literária



Cristina Maria Rosa (*)

    Para cumprir o desejo de registrar rastros de minhas ideias desenvolvidas em trinta e dois anos de docência no ensino superior – tempo em que desenvolvi um conceito, a alfabetização literária – reuni um grupo de pessoas. Não só alunas e alunos. Em comum, este grupo tem um apreço profundo pela leitura literária, por livros e autores, por raridades e memórias. De algum modo, contribuem para formar novos apaixonados pela literatura e partilham respeito e admiração pela preservação da cultura escrtita. Estes "pontos em comum" merecem um livro.

    Bravas pessoas!

    Ouviram meu convite, aceitaram, se debruçaram sobre seus apontamentos, abriram seus notebooks e aqui estão.

    As autoras e autores reunidos em Algumas muitas ideias sobre a  Alfabetização Literária são: Anna Claudia Ramos, Alexandre Bauken, Bel Coimbra, Carina S. T. Peraça, Cátia Simone Becker Vighi, Cristina Maria Rosa, Daniela Castro, Dulcimarta Lemos Lino, Ellem Rudijane Moraes de Borba, Elisane Ortiz de Tunes, Ieda Kurtz, Isabela Dutra, João Eduardo de Magalhães Salvador, Joice Lima, Júlia Victoria Casalinho Pereira, Klécio Santos, Leonardo Capra, Luísa Hernandes Grassi, Luiz Carlos Vaz, Malu Krause, Márcia Duarte, Maria Cristina Noguerol Catalan, Maria Heloisa Canal, Mariana Motta Klein, Marina Antunes Rodrigues, Maria Marismene Gonzaga, Marlise Flóreo Real, Paloma Wiegand, Pâmela dos Santos Borba, Patricia Lessa, Ramile Leandro, Raquel Casanova dos Santos Wrege, Roselaine Lima, Simone Santos de Albuquerque e Telma Borges.

    Lembre:

    No dia 02 de novembro, estaremos todos na 50ª Feira do Livbro de Pelotas, para dar a conhecer nossas ideias...

    Mais sobre o livro tu acessas aqui:

https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2024/10/algumas-muitas-ideias-sobre.htm

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(*) Quem é Cristina Rosa?
https://crisalfabetoaparte.blogspot.com/2024/10/palavras-sobre-origem.html

Um "Alfabeto à parte" foi criado em setembro de 2008 e tem como objetivo discutir a leitura e a literatura na escola. Nele disponibilizo o que penso, estudos sobre documentos raros e meus contos, além de uma lista do que gosto de ler.

12 de setembro de 2024

O mistério da cerveja ou... A volta do Bem Brasil

Foto Luiz Carlos Vaz

O mistério da cerveja

ou...

A volta do Bem Brasil

Luiz Caros Vaz (*) 


Por uns instantes achei que estava num looping de tempo, num capítulo de Lost... pois eu nem tinha bebido nada.

O cenário na volta, vamos combinar, era de uma comédia misturada com tragédia anunciada, o que ajudava muito o clima de loucura. Pisquei os olhos três vezes, bati na mesa mas complicou mais, pois o líquido sumiu do copo!

Foto Luiz Carlos Vaz


Pior, apareceu o outro lado do porta cerveja, e pude vislumbrar o Vitor Ramil e o Roberto Carlos me olhando... Expliquem, Alex, Renata, Bruno e Charles.

Isso foi agora, às 15 horas e 26 minutos! Será o efeito da fumaça?

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo, Escritor e Editor deste Blog

11 de setembro de 2024

Noite americana

 

Foto Luiz Carlos Vaz  (*), às 10 h da manhã

Day for nigth /Noite americana

    "Noite americana" é -era?- um truque cinematográfico que permitia gravar à luz do dia como se fosse noite escura. Fiz essa foto agora, às 10h, sem usar truque, pois escureceu de verdade! 

    Truffaut fez um filme - sobre cinema, com esse título. Recomendo...

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo, Escritor e Editor deste Blog

16 de julho de 2024

Desapega que faz bem

 

O autor, fotografado por Cláudia Rodrigues

Geraldo Hasse (*)

Durante mais de vinte anos, conservei no guarda-roupa um lote de blusões de lã raramente usados em algum inverno em cidades em que morei – casos de Ribeirão Preto, Vitória e São José do Rio Preto, situadas em torno do Paralelo 20, onde é raro a temperatura cair a 15ºC. Daí que estavam em estado de seminovos os tais pulôveres quando se deram as terríveis enchentes no RS, e aqueceu-me o coração colocá-los no pacote de doações entregue ao Correio em maio de 2024. 

Desde então, diante da aparente iminência do fim do mundo, cresceu o sentimento de desapego no meu pobre mundinho particular. Roupas, que muita gente aceita, já não sobram, mas aqui no meu tugúrio há uma mercadoria que nem todo brasileira valoriza: livros. Há mais de meio século carrego pilhas desses objetos de papel e tinta (e nunca me esqueço da minha primeira compra literária: com 14 anos apliquei todo meu dinheiro -- 5 cruzeiros novos – pra levar pra casa o volumoso “Contos e Novelas” de Voltaire, edição da velha Livraria do Globo).

Depois de tanto comprar e ganhar livros, a mim bastaria hoje manter umas 50 obras literárias, entre contos, ensaios e romances, mas até agora persisti em guardar um milhar de títulos (alguns em duplicata) que raramente são abertos – aliás, o Voltaire acima não mora mais comigo.

Seria prático, portanto, doar o que estiver sobrando. Foi assim que passei a ensacolar alguns volumes entregues em centros comunitários. É um descarte prazeroso, mas não isento de algum remorso (diante dos autores, talvez). Antes de cada doação, porém, me obrigo a um exercício de comiseração: pego cada volume, dou uma folheada, checo os créditos, confiro alguma frase sublinhada e tento recordar quando, onde, como e por que esse livro chegou e se tornou um amigo silencioso e servil, mas nunca inerte.

Dizer adeus a um livro é tão difícil que, não raro, após um manuseio de minutos, acabo por devolvê-lo à estante, para que permaneça mais um tempo à mercê de uma releitura ou de um simples afago na lombada. Há livros cujo descarte seria mesmo uma espécie de traição. Fazem parte dessa lista aqueles com dedicatória. Parece absurdo, mas no século passado ganhei um livro em que o autor, renomado repórter policial, escreveu, eufórico: “A você, xerife das quatro estações, o abraço do Pena Branca”. Mal o conhecia, mas compreendi o significado de um livro na vida de uma pessoa: são muitos anos de trabalho, mil perguntas em noites insones etc. 

Não pretendia alongar-me nesse assunto de livros e roupas, mas não posso deixar de falar do transtorno que me acompanha desde que me tornei um escriba profissional: a mania de guardar caixas contendo agendas, cadernos de anotações e documentos (muitos em formato de livro) acumulados ao longo do tempo. São papéis que registram entrevistas, viagens e frases sem valor para quem olha de fora (há até uma caixa de fitas K7, embora já não exista o respectivo gravador). No entanto, basta abrir qualquer um desses fragmentos da prática da reportagem ou de momentos de estudos para concluir que muitos episódios ou personagens ali anotados têm uma remota ligação com a realidade de hoje. Mal comparando, são como espoletas ainda aptas a fazer crepitar o fogo na lareira. Por exemplo, achei um caderno onde anotei aulas de sociologia do bravo professor Florestan Fernandes recém-chegado do exílio em 1976 – numa das folhas, consta até um desenho tipo caricatura da cara dele. Claro que esse caótico doc.edu do auge da ditadura não vai para o fogo nem para o lixo.

Enquanto dou uma última espiada nessa papelada descartável antes de entregá-la às chamas, concluo que não há forma mais original de desapego do que incinerar manuscritos guardados como salvaguarda da própria memória. Eis então que recebo (de graça) a visita de uma frase gravada nos anos 1970 na parede de uma espelunca em Paragominas: “Tudo enfada, só a variedade recreia”.

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Geraldo Hasse é jornalista e escritor; trabalhou como repórter e editor pelo Brasil afora em diversos veículos do jornalismo, publicou vários livros, e atualmente mora em Santa Catarina. Ah, e me regalou com o Venâncio Xavier, leia aqui:

https://velhaguardacarloskluwe.blogspot.com/2021/01/venancio-xavier-ou-o-poncho-voador.html

7 de julho de 2024

Pingos de Amor

 

Odibar Moreira da Silva, foto publicada no blog www.brazilakolekto.com



José Henrique Medeiros Pires (*)

Era inevitável mudar de ares.

Quando fez inscrição para aquele concurso federal – no qual foi aprovado – as vagas disponíveis eram pra Salvador, onde havia nascido, e Pelotas, da qual pouco ouvira falar.

Preferia o calor da Bahia, mas sua pontuação o dirigiu para Pelotas.

Nomeado, instalou-se no lugar onde não conhecia ninguém e, já nos primeiros dias, resolveu estudar a cidade, tão longe do seu Rio de Ja­neiro, do bairro Botafogo, do seu amado clube Flamengo.

Soube, então, que em Pelotas também havia um clube rubro-negro e, como gostava de ver futebol, comprou ingresso para um jogo qualquer, numa noite qualquer.

Para espantar a solidão, só isso. Assim me disse.

Ex-morador do Solar da Fossa, no Rio (onde moraram Caetano Veloso, Gal Costa, Paulinho da Viola, Paulo Coelho), autor de várias músicas de sucesso nos anos 70, longe dos amigos, dos amores, estava em terra desconhecida, onde faz frio e onde sopra um vento gelado pra caramba.

Chega a noite do jogo. Ele desce calmamente a Rua Princesa Isabel e entra distraidamente pelo portão do Bento Freitas. Ali mesmo tem um impacto inesperado, que o faz parar, respirar fundo e chorar. Exata­mente nessa ordem.

A torcida fazia uma imensa festa, pulando e cantando uma música feita por ele!

A Charanga da Garra Xavante marcando primorosamente a execução daquela melodia que não tocava mais em nenhum outro lugar do Brasil e a torcida cantando a letra como se dela fosse, como um hino, que pertence a todos.

“Vamos ser, outra vez nós dois. Vai chover, pingos de amor”

A torcida maravilhosa o fez lembrar seu parceiro Paulo Diniz, que gravou esse e tantos outros sucessos feitos por ambos.

Naquela noite, Odibar Moreira da Silva cantou junto, pulou junto, apaixonou-se pelo Xavante e por Pelotas, onde fez muitos amigos, casou-se, trabalhou e voltou a compor.

Lembrei dele ao ouvir o Guri de Uruguaiana reciclar sua música, salien­tando que “vai chover pingos de amor” em meio a paródia, bem-feita, que embala a campanha pela reconstrução do Rio Grande do Sul.

Odibar ainda merece que lhe escrevam uma biografia.

Quando Caetano Veloso e Gilberto Gil tiveram que se exilar em Londres, ele e Paulo Diniz compuseram um dos maiores sucessos do início dos anos 70: “Eu quero voltar pra Bahia”. Em seguida veio “Um chope pra distrair” e outros tantos sucessos.

Paulo Diniz, como também gravava, é mais lembrado.

Odibar bem que tentou. Levou com ele, aos estúdios da gravadora CBS, o violonista Sérgio Ricardo (que já havia destruído um violão no Festival da Record), gravou uma música, que não agradou o jovem produtor da gravadora. As coisas ficaram por isso mesmo.

O nome do jovem produtor? Raul Seixas.

Odibar, realmente, merece que lhe escrevam uma biografia, repito.

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(*) José Henrique Medeiros Pires é Licenciado em Estudos Sociais pelo ICH UFPel, Especialista em Políticas Públicas pela Universidade de Salamanca, Espanha; é jornalista e radialista.