10 de março de 2014

Vendas e Bolichos na estrada de Bagé a Dom Pedrito


Bolicho do Donato Abreu, em foto de Cássio Lopes


Gerson Luis Barreto de Oliveira

O asfaltamento da estrada de Bagé a Dom Pedrito só foi feito no início da década de 70. Mas como era essa importante ligação entre as duas cidades antes da BR 293?

Bem antes disso, ao casar em 1930, minha avó tinha poucas opções para ir da sua cidade até a propriedade rural dos Barreto, a melhor era pegar uma "aranha", carrocinha ligeira com cobertura, e seguir de Bagé, via São Domingos, trotando até a Ramona. Naquele local, onde há um pequeno corredor, se esperava o ônibus vindo de Lavras. Carro era um luxo para poucos, o sogro dela, Aníbal Barreto (o bisavô Chavinho), tinha um "Ford Bigode", que só usava na cidade. Raríssimo era se pegar um carro para ir à campanha, e isso só os ricos proprietários podiam. Na época os automóveis eram tão poucos em Bagé que nem havia emplacamento. Uma opção era pegar o trem até a Parada Pons, onde meu avô a esperava com os cavalos, e de lá ia se por dentro dos campos até as casas.

Alguns anos depois surgiria o ônibus do Pillengue, que fazia a ligação entre as duas cidades. Este muita poeira soltou fazendo a rota e, se chovia, não havia viagem, pois no inverno as estradas ficavam intrafegáveis e se tornava muito difícil.

Mas, antes disso, alguns estabelecimentos comerciais foram criando clientela ao longo da "carreteira" e os proprietários, os arrendatários ou os posteiros se abasteciam nestes casas comerciais, tal qual se vai hoje ao supermercado. Além, é claro, do pessoal que transitava pela estrada parando nas vendas e bolichos para descansar ou comer alguma coisa.

 A viagem que hoje leva uma hora pela BR naquela época levava até um dia inteiro dependendo da distância total a ser percorrida.

E era na Ramona, onde o "seu" Amaral tinha sua venda, mas só mais adiante o irmão do meu avô, o "seu" Alexandre (Tulula) Simões Barreto tinha a primazia de na sua venda ter a parada oficial do ônibus do Pillengue. Além da forte venda que comercializava de tudo, o tio Tulula, como todos o conheciam em família, tinha lá a sua sede rural. A linda casa branca de janelas vermelhas era ladeada por uma grande quinta de árvores frutíferas.


Bolicho do Tulula, foto de Cássio Lopes

Mais adiante, e alguns anos depois, nos Três Cerros, era Donato Abreu, casado com Maria Amélia Barreto (também irmã do meu avô Idelmar), que era o proprietário da terra, comprada de alguns primos da esposa. No local o filho do casal tinha a venda do Guaracy. Esta venda eu cheguei a conhecer quando criança.

O Cerro Cunhatay e a mangueira de pedra, foto de Cássio Lopes

Mais adiante se localizava o Bolicho do Albano, mais dedicado a venda de bebidas, e por isso não frequentado por famílias. Situava-se exatamente em frente a um grande acampamento do DAER.

Chegando no Paço da Ferraria, que é exatamente o meio do caminho entre Bagé e Dom Pedrito, havia bastante atividade social característica da época. Existiam as canchas de corrida, bem em frente da casa do João Aguiar, que havia sido também uma venda, mas já falida. A ponte sobre o Arroio Santa Maria ainda de madeira, trincava na passagem dos carros. No colégio se instalavam as urnas usadas nas eleições, e era ali que minha avó se empenhava como cabo eleitoral getulista e grande incentivadora das carreiras. Eufórica quando os seus cavalos, ou de parentes chegados, ganhavam as pencas, a pequena mulher subia nos arames para torcer melhor e ver os animais na linha de chegada.

Mas era a venda do "seu" Machado o grande empório da localidade. Lá "tinha de tudo". Os tecidos eram arrematados e Dona Idê, esposa do proprietário, por ser habilidosa costureira, dava jeito em tudo e costurava as roupas para a clientela.

As compras eram feitas e apontadas em Cadernetas que só eram somadas e pagas no mês de maio, após a comercialização do gado que era engordado até a chegada do inverno.

Mais adiante era o Rincão dos Leon, grande família que vizinhava com os Barreto, o que resultou em alguns casamentos saídos desta proximidade.

E acabava a nossa intimidade com a carreteira, mais além era a distante Dom Pedrito.
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4 comentários:

Aluizio Antunes Junior disse...

Excelente (como sempre) o texto de Gerson Barreto, focalizando aspectos históricos e geográficos da ligação rodoviária Bagé -- Dom Pedrito, que tive o privilégio de percorrer há alguns anos atrás, em minhas andanças pelo Rio Grande do Sul.

Anônimo disse...

Gerson, muito bom o texto e adorei a foto da casa do vô Donato. Tenho lembranças muito vagas de tudo isso. Deu prá viajar no teu relato.
abs, Claudia

Anônimo disse...

Excelente texto, verdadeira aula de história da nossa região. Gostei mais ainda pelas referência ao meu saudoso avô, Alexandre Simões Barreto.
Alvaro Barreto

Anônimo disse...

Que bom que os comentários são de uma saudade boa, aquela que a gente guarda com carinho na memória,
Álvaro, dá uma olhada na postagem de 16\08\12, ali está a origem dos nossos Barreto.
Abraço a todos.
Gerson