Chafariz da Praça Cel Pedro Osório - Pelotas. Foto Luiz Carlos Vaz
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Crônicas pelotenses (1990)
Praça Coronel Pedro Osório
Vitor
Biasoli (*)
Atravesso
a Praça Coronel Pedro Osório e não encontro o menino que eu fui correndo pelos
canteiros. A voz de minha mãe recomendava que eu não pisasse no barro, mas não
lembro os caminhos que eu percorria. Recordo minhas calças curtas, minhas
pernas magras, e o sorriso dela me envolvendo e me acariciando suavemente.
Constato os patos nadando no laguinho, mas não escuto as risadas de meus irmãos
nem vejo as pipocas que jogávamos.
Onde
aquele espanto e perplexidade que tomou conta de nós, quando o pai nos trouxe
aqui na praça para assistir a um show de equilibrismo? Onde o fio de metal no
qual andava o artista e sua bicicleta? Estaria o fio estendido muito cima das
árvores, confundindo-se com o céu, como a minha memória insiste em afirmar?
Meu
pescoço doeu ao acompanhar o percurso do equilibrista. Eu não enxergava o fio,
temia que o homem caísse e perguntei ao pai:
–
Ele vai cair? Vai cair?
–
Cala a boca, guri, presta atenção.
A
voz do pai às vezes descia severa até meus ouvidos e dizia:
–
Agora vai brincar, vai, deixa o teu pai e tua mãe conversarem.
E
eles ficavam sentados num banco da praça, enquanto eu caminhava entre os
canteiros e os observava de longe.
Certa
vez, tive a ideia de enterrar um tesouro na praça: dois botões de braguilha, um
soldadinho de chumbo, três tampinhas de Fanta. Tinha esperança de que, depois
do ano 2000, quando a Terra não existisse mais, um ser de outro planeta o
desenterraria. Então ele descobriria – imagino hoje – os segredos daquele
menino de calças curtas. Decifraria seus sonhos e a névoa cinzenta que volta e
meia embaçava seus dias.
Que
dentes usava aquele guri para morder os pêssegos que a cidade produzia? O guri
sabia descascar camarão e comer peixe sem se engasgar com as espinhas? Que
sonhos ele tinha, quando carregava a sua pasta e caminha em direção ao grupo
escolar?
O
vô falava que um dia os cavalos de bronze do chafariz sairiam aos pinotes pela
praça e ninguém conseguiria detê-los. Me sento num banco, fecho os olhos e
escuto seus cascos martelando o chão.
Para
vencer a peste na Antiga Grécia, foi necessário buscar do Velocino de Ouro.
Irei buscá-lo?, me pergunto. Assisti a esse filme no Cine Guarany, depois desci
com o pai a Rua Álvaro Chaves em direção ao porto. Passamos pela Faculdade de
Odontologia e falei que não seria mais dentista quando crescesse. Seria
argonauta e escreveria livros que se transformariam em filmes. No porto, nos
aguardava um navio de guerra e eu apostava que ganharíamos o mar.
–
Vens comigo, pai?
E
como não escuto a sua resposta, abro os olhos para a praça e sinto que não
poderei sair enquanto não ver um menino desenterrar seu tesouro.
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(*) Professor
de História aposentado. Nasceu em Pelotas, em 1955. Lecionou no Magistério
Estadual (RS) e na Universidade Federal de Santa Maria. Grande interesse em
literatura e alguns livros publicados, entre eles: CALIBRE 22: poemas (Ed. do
Autor, 1999); UÍSQUE SEM GELO: contos (Ed. Movimento, 2007); SANTA MARIA ONTEM
& HOJE: crônicas (Ed. Movimento, 2010) e MILONGUEIRO: contos coletivos (Ed.
Movimento, 2011). Crônica publicada em http://vbiasoli.blogspot.com.br/