Minha lista de sete livros
Luiz Carlos Vaz (*)
O Amílcar, dentro da brincadeira da atualidade
no Facebook, me pediu para listar sete livros que gosto, que tenham me
influenciado, e postar só as capas, sem comentários e etc...
Claro, não se trata de uma sessão do Senado
para sabatinar meu nome para o STF, ainda não cheguei a esse pondo de safadeza,
pelo menos eu penso, mas eu só penso mesmo, e acho que ficarei devendo a lista.
Mas... outro dia quando a amiga Eliana me
convocou para uma outra brincadeira dessas, a das fotografias em preto e
branco, havia “exigências” que tornavam mais fácil cumprir a meta; as fotos
precisavam ser do cotidiano, em preto e branco, sem pessoas, sem comentários e
batidas durante a Quarentena. Foi fácil. Nada de mexer em arquivos, procurar
pastas, temas, nada! Era só fotografar em casa mesmo, publicar e convidar
outro amigo para seguir a brincadeira.
Mas essa dos livros é mais complicada, pois
não se refere aos dias de hoje, e sim a toda minha vida! E são somente sete!
Caramba!! O Amílcar, que é meu “codesorientado” no seu Mestrado em História, e
que a toda hora troca o meu título, quando passo de coorientador para fonte (e
dessa fonte nem sempre jorra só água, por vezes jorra água com café, com cevada
e lúpulo, e até com malte escocês...) já esteve aqui em casa mais de um vez e
conhece o lugar onde amontoo os meus sete livros; e ele volta seguido, não
pelos livros, ou pelas gravações, ou depoimentos sobre a Gazeta - o seu tema, volta,
isso sim, por causa das panquecas da Dona Terezinha; e isso até poderia se
transformar em uma outra brincadeira do Face: “Enumere sete motivos para visitar
o Vaz perto do meio-dia!”
Mas sete livros... Olha, eu já passei dos
quarenta anos. Aliás, já passei dos quarenta, dos cinquenta, dos sessenta... e
ele me pede para listar sete livros! Lembro que sempre dizia aos meus alunos na
faculdade que só existem três “textos” originais: a Tragédia Grega, a Bíblia e
Shakespeare. Tudo que foi escrito depois é cópia.
Quem sabe coloco isso na resposta? Pô,
sacanagem, dirá ele. Então, baseado no acontecimento verídico que intitulei A
Trilogia do Cavalo Sem Nome (*), que publiquei no meu blog e no Facebook,
pensei em relacionar esses tais sete livro/autores, com as pessoas que me
indicaram e que foram fundamentais na minha vida de guri, na minha formação
política e social de moço e na reafirmação das minhas ideias e ideais de
adulto.
O primeiro livro que li, ainda no tempo da
Pandemia da Gripe Asiática (já passei dos sessenta, lembra?), foi o Almanaque
Biotônico; portanto, Monteiro Lobato foi o primeiro autor a chegar às minhas
mãos através do meu Pai, que fazia todos lá em casa ler a Seleta em Prova e
Verso, a edição antiguíssima, de capa dura, de 1884, e recitava de cor os
versos de Martín Fierro: “Aqui me pongo a cantar/ al compás de la vigüela,/ que
el hombre que lo desvela/ uma pena estrordinaria/ como la ave solitária,/ con
el cantar se consuela...”
Depois, meu irmão mais velho (sim, foi um
privilégio ter um irmão mais velho), me apresentou Júlio Verne. Ah! que que
horizontes se abriram ao dar a Volta ao Mundo, conhecer a Ilha Misteriosa ou
fazer parte da tripulação do Náutilus! Alguns anos se passaram até que os
colegas mais safados da escola, que já fumavam Marrocos 10, me apresentaram
Carlos Zéfiro; as mãos suavam manuseando os “catecismos” criados pelo pacato
funcionário público que morava no Rio, e que nas horas vagas criava as histórias,
desenhava e publicava clandestinamente nos seus famosos, e hoje cults,
livrinhos de sacanagem.
Já no Ginásio do Colégio Estadual de Bagé, a
professora Maria Veleda me apresentou o principezinho de Exupéry e os meninos que
fugiam com o circo, também de um autor francês, o Henri de la Vaux. Com os
primeiros pelos escuros crescendo no rosto já lia, incentivado por ela,
Alencar, Machado e Jorge. Que Professora! E não tive, confesso, uma boa relação
com o Érico; sei lá, coisas daquele tempo e daqueles ventos que sopravam fortes
nos anos finais da década de 60.
Ao chegar por aqui, o Schlee achou que eu
tinha jeito para alguma coisa e me emprestou o livro que mudou meu modo de ver o
mundo: Week End na Guatemala, do Astúrias; e foi na casa da família Rosenthal
Schlee, onde a Marlene me acolheu como filho, que o Mário Magalhães me falou de
um tal de Cortázar, o João Manuel, de uma senhora chamada Clarice, e o Walter, de
Lorca; a Vera Guido um dia me comentou sobre um livro com um nome muito
comprido: A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada.
Acabei caindo em Macondo, e nem sei se já sai de lá.
O saudoso poeta e amigo Joaquim Duval me
apresentou Gullar dentro de sua noite veloz; o professor Cristovam Buarque,
visitando Pelotas, numa conversa com o reitor Amílcar Gigante, no pátio do
antigo Malg, ali na Deodoro, nos falou de um tal Pedro Páramo... eu já era
grande e nunca tinha ouvido falar em Juan Rulfo, que coisa, hein? No mês
seguinte, visitando a Feira Internacional do Livro de Guadalajara, eu quis
comprar “todos os livros dele”! Incrédulo com a minha ignorância, o moço que
atendia a banca me disse: mas ele publicou só um, o Pedro Páramo... e, para autenticá-la
em cartório, há pouco tempo precisou o Alexandre me dizer: Vaz, Rulfo também foi
fotógrafo! Vivendo e aprendendo é um ditado que se aplica muito bem num momento
desses.
A Maribel diz que Camus não pode ser um
estrangeiro nessa lista, o Dámian exige Benedetti, José Maria del Rey, Onetti e
Benavides, claro, Juana de Ibarbourou. Pessoa será uma dica do alfacinha
Ferreira, e valter hugo mãe, assim com minúscula, sem remorsos, como serapião, nos
causará um efeito borboleta, como em José Mario Silva; seremos condenados a uma
cegueira temporária com Saramago e Borges, abrindo as nossas veias com Galeano
e Neruda. Mas aí já estarei perdido nas cinco esquinas de Llossa.
Ao traduzir Facundo e Güiraldes, e versar para
o espanhol Simões Lopes Neto, Aldyr nos abre uma janela incomensurável para o Prata,
seu Dicionário nos revela um Pampa a ser ainda descoberto por nós, e descobri, há
poucos anos, ouvindo justamente ele, durante uma palestra na Sociedade Sigmund
Freud, que Cervantes colocou a voz humana nos cachorros no fabuloso El colóquio
de los perros, e que precisa, Amílcar, estar nessa lista de sete. Até porque quando
alguns amigos estão reunidos falando sobre literatura, eu arremedo uma cara de
culto perguntando se já leram esse livro, afinal estamos vivos e prontos para
seguir aprendendo. Já comprei todos os exemplares dele, editados pela Edelsa e disponíveis
no Brasil, para dar de presente a esses parceiros; dessa forma já receberam essa
raridade o Pedro Moacyr, o Paulo Sousa, a Juliana e o Fabio Amaro.
Quem primeiro me falou no africano Mia Couto
foi o Marcus Cunha; na pós graduação, a professora Letícia através de Hobsbawm,
nos mostrou que as tradições eram todas inventadas, todas elas, e o professor
Fábio Cerqueira indicou Buenos Aires Negra, do Daniel Schávelzon, que nos dias
atuais é leitura fundamental para entender as lutas que envolvem os
preconceitos sociais e étnicos na américa e no mundo; o Wladmir Ungarety - que
é amizade nova da rede social, me apresentou A história do Olho, do Bataille; o
Aquino me aconselhou a comprar somente as edições da Editora Ulisseia d’O
quarteto de Alexandria, do Durrel, que são Justine, Balthazar, Mountolive e
Clea. Meu filho Marcelo, que sabe que amo os cachorros, me presentou o ano
passado com o Padura...
Com esse terraplanismo todo assolando nosso
planeta redondo, nem sei se devo colocar nessa lista A Origem das espécies, ou
o raro Codex Romanoff, do Da Vinci. A tragédia da Piedade, do Dilermando
Cândido, faz parte dos meus assuntos de pesquisa, pronto, falei!
O que mais posso dizer? Que levei a sério
demais a brincadeira na impossibilidade de listar somente sete? Ou que penso,
sim, no efeito futuro que pode causar o livro que dei aos “filhos da Elis
Regina”, os vendedores de legumes, Pedro e João Marcelo, e que conta a história
do dono do Rocinante?
É, mas penso também no Fahrenheit 451, e no
destino que pode ter o meu Grundrisse, ou o outro livro do velho Karl, da
Boitempo, que foi maravilhosamente traduzido e em três grossos volumes por um guri
aqui de Pelotas, que hoje mora na Alemanha, o Rubens Enderle. Penso em tudo
isso durante essa Quarentena, quando olho pela janela vejo os efeitos do outono
no chão e lembro do Valder, e aí me sinto sofrendo em Paris, com o Athos.
Eu escrevo essas linhas imaginando o nome dos
sete livros para tua lista, que são quase Memórias de o que já não será, num
frio que lembra um pouco o inverno que Don Frutos enfrentou em 1853 em Jaguarão;
pelo menos eu penso, mas eu só penso mesmo, e acho que ficarei te devendo a
lista.
Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor do Blog
Ilustra esta postagem uma composição de imagens do filme O Nome da Rosa, que trata do amor pelos livros, fanatismos, perseguições, fogueiras e outras coisas.
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Ilustra esta postagem uma composição de imagens do filme O Nome da Rosa, que trata do amor pelos livros, fanatismos, perseguições, fogueiras e outras coisas.
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(*) Para ler a Trilogia do Cavalo Sem Nome,
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