Deogar Soares
(*)
Crônica para o programa Voo Livre, Rádio Alfa, 1984
Peguei o livro e fui pra casa, certo
de que estava levando comigo meu Jaguarão
e o Resto do Mundo. No meio do caminho, mais um obstáculo, uma inebriante
ira da memória. Era a lembrança de Irajá e seu livro até hoje inédito,
certamente prometido, mas inexplicavelmente não-sabido.
Da ausência de Mirim, ficou-me um
gosto amargo de ressaca naquele balcão de bar, onde perdi o exemplar do Schlee.
Não sei até hoje, quem me roubou “Jaguarão” nem o que fizeram com o “Resto do
Mundo.”
Uma quarta-feira é um dia qualquer.
Deixa de ser quando a rotina das
impressões dá lugar a sentimentos inesperados. Foi numa quarta-feira recente,
que ouvi, de um estudante de Comunicação Social, a reprodução de um comentário
de Aldyr Schlee, a meu respeito:
-Ele
te preza muito como pessoa.
Ao fazer essa revelação, Eduardo não
sabia estar ligando dois importantes filamentos vitais da minha vida. De um
lado, o duto por onde se transporta um desesperado esforço, para que me
percebam como ser humano cansado dos próprios erros e requerendo, através
destes e daqueles, se digne o mundo conceder- me uma relativa paz de
consciência.
Que outros se manifestassem assim, eu
teria razões para desconfiar da lisonja. De Schlee, não.
O antigo companheiro dos tempos de Opinião Pública e Diário Popular, é dotado de incomparável capacidade para descobrir
e interpretar a vida, tanto dentro como fora do seu universo existencial.
Concluo que tenha farejado a minha
luta e, talvez tenha se constituído num privilegiado observador das minhas
penitências públicas. Tudo sem concessões, como lhe ordenam os princípios.
De outra parte, o estudante Eduardo
religou a linha que me leva a um antigo questionamento. Que eu não tenha lido “Jaguarão e o Resto do Mundo” até que é
compreensível. Ninguém está livre de beber num bar a saudade de um cronista
morto, de obra inédita, e a ansiedade de sorver em cada página o talento do
amigo escritor.
O que é de bêbado não tem dono, e nem
livro escapa dessa máxima. Inexplicável, mesmo, foi a sucessão de vezes em que
fiquei diante da vitrina da Mundial, observando (ou observado?) por “Uma Terra Só”.
Se por vias indiretas Schlee me
manifesta tão fraterno sentimento, tanto melhor que, por igual caminho lhe
preste explicações. Mesmo residindo na mesma cidade, temos passado meses sem
nos vermos.
Sei, no entanto, que não mudou, que
continua mais teimoso que nunca na honrada fidelidade aos seus princípios. E já
não basta isso para justificar a vida?
Meus olhos são profanos, tanto que
possam perturbar as páginas de “Uma
Terra Só”. Até hoje eu não tinha imaginado isso.
Entrevista o Schlee! Procura o
Schlee!
Pergunta ao Schlee! E, assim,
frequentemente tenho me socorrido nele, a fim de atender a tantos que me
procuram em busca de soluções para questões nas quais ele é especialista.
Tenho certeza, no entanto, que se lhe
contasse que um simples vidro, na vitrina da livraria virou um muro dos meus
delírios e me separa de sua obra, o mínimo que ele faria era o presente de um
exemplar, com exemplar reprimenda, tão a seu gosto, grávida de neurastênicas
reprimendas e mordazes comentários.
Sei de um cronista, que muito deve à
caridade alheia e é tão velhaco que abusa da amizade de um escritor,
pedindo-lhes livros de graça.
Mas afinal, pra que servem os amigos?
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Deogar Soares, Jornalista, Radialista, escrevia e apresentava na Rádio Alfa a crônica diária Voo Livre. Faleceu em 2003.
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No dia do sepultamento do nosso
escritor Aldyr Garcia Schlee conversei com uma repórter do Diário Popular, a pedido do Andrey,
filho dele, e entre outras coisas contei essa história. O Deogar, lá nos anos 70... foi visitar o Schlee e levou emprestado os originais datilografados do livro do Schlee... entrou num bar e perdeu!!! Ela, e todos que
ouviram na volta, ficaram, tenho certeza, pensando que baita mentiroso eu
era... aproveitando de duas pessoas que já não estão aqui, e inventando uma
história fantasiosa. Lembrei na hora do filme The Man Who Shot Liberty Valance - O Homem que Matou o Facínora, fita que havíamos assistido no ciclo Os filmes de Aldyr Schlee, no IJSLN, e
que sempre mereceu por parte dele uma ótima avaliação. Mas, não era hora para
pensar no que iriam pensar dessa "lenda".
Pois na segunda-feira seguinte ao fato, o Zé
Mosquito - José Carlos Soares (irmão do Felix e do Deogar), levou para o
Clayton, no programa 13 horas, essa crônica que ele procurou e achou nas coisas
guardadas do "Velho" durante o fim de semana! Ele sabia que havia uma
crônica falando no Schlee... e era justo essa. O Deogar havia escrito para sua
radio-crônica diária - Voo Livre, na também já falecida Rádio Alfa...
Já eu continuo com a minha máxima: Eu minto muito, mas... sempre mostro as
provas!
Luiz Carlos Vaz, Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog
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O livro de crônicas do Deogar foi lançado depois,
em 2012, no Café:
http://ecult.com.br/eventos/voo-livre-de-deogar-soares-sera-lancado-hoje25-no-cafe-aquarios