22 de janeiro de 2023

Pinocchio, Mentira e Verdade Ou Eu minto muito, mas sempre mostro as provas.

Luiz Carlos Vaz (*)


Pinóquio por Enrico Mazzanti - Florença – 1883


Que nome lhe darei? - disse para si mesmo –

Quero chamar-lhe Pinóquio. O nome dar-lhe-á sorte.

Conheci uma família inteira de Pinóquios.

Pinóquio o pai, Pinóquia a mãe e Pinóquios os meninos e todos estavam bem.

O mais rico deles pedia esmola.


Geppetto



As chamadas - Verdade e Mentira, eu creio que nasceram juntas, são gêmeas bivitelinas; só não sabemos qual delas terá visto a luz do mundo real primeiro. Imaginem comigo a primeira a nascer dizendo à outra:

“Olha, aqui fora há uma luz muito forte!

Então a segunda teria respondido perguntando:

Mas...isso é verdade ou mentira?”


Já uma lenda do século XIX, conta que as duas, a Verdade e a Mentira, foram tomar banho juntas. A Mentira diz à Verdade: “Hoje está um dia maravilhoso!” A Verdade olha para os céus e suspira “Sim!”, pois o dia estava realmente lindo. Elas caminham juntas durante um tempo e chegam finalmente a um poço. A Mentira diz à Verdade: “A água esta muito boa, vamos tomar um banho juntas!” A verdade, mais uma vez desconfiada, testa a água e percebe realmente que ela está muito boa.

Elas se despem e começaram a tomar banho. De repente, a Mentira sai da água rapidamente, veste as roupas da Verdade e foge. A Verdade, furiosa, sai do poço e corre para encontrar a Mentira e pegar suas roupas de volta, mas não consegue alcançá-la. O mundo então, vendo a Verdade nua, desvia o olhar, com desprezo e raiva. A pobre Verdade volta ao poço e desaparece para sempre, escondendo-se nele, com sua vergonha.

Desde então, a Mentira viaja ao redor do mundo, vestida como a Verdade, satisfazendo as necessidades da sociedade, porque, em todo caso, o Mundo não nutre nenhum desejo de encontrar a Verdade nua...

Mas aí e uma é uma outra história...


“A Verdade saindo nua do poço”, Jean-Léon Gérôme, 1896.


 ...e eu quero falar é de Pinóquio, grafado assim em português. Pinóquio – em italiano Pinocchio, personagem que ganhou o mundo a partir da primeira edição, em 1883, do romance As aventuras de Pinocchio, escrito por Carlo Collodi; desde então a história recebeu inúmeras versões, em praticamente todos os idiomas, e em todos os países. (Creio que isso seja verdade...)

A educação familiar, religiosa e escolar, sempre prezou por cobrar das crianças em formação atitudes verdadeiras, gestos verdadeiros e... a falar sempre a verdade, duela a quien duela, como disse um ex-presidente, numa tentativa de responder, em espanhol, a uma pergunta de um repórter argentino.

Mas... o que as crianças sempre perceberam nos adultos? Muitas mentiras e poucas verdades, é claro. Tá bem, não me falem das exceções, plis! (agora sou eu me expressando em inglês, talkey?)

Somos criados no meio da Mentira e da Verdade. E não há um mais ou menos, tipo um Centrão dos Fatos, para abrigar uma terceira via entre elas. É verdade ou é mentira. “Não sei, só sei que foi assim!” foram as palavras que Ariano Suassuna colocou na boca de Chicó, no Auto da Compadecida. É tipo uma verdade, mas que não se sabe explicar como foi, onde foi, com quem foi, quando foi... como na máxima criada pela antiga imprensa norte-americana, a “lei” dos cinco Ws.

Aldyr Garcia Schlee, nosso maior escritor fronteiriço, gostava de dizer em palestras para estudantes, para espanto e chiliques da plateia adulta, “Todo escritor é um grande mentiroso! Só que ele, ao mentir, inventar, criar, imaginar, recebe o nome acadêmico e bonito de ficcionista!”

Pinóquio, a cada vez que mentia, lhe crescia o nariz. Aquilo era como uma maldição, um sinal de que o que estava dizendo era mentira. Ah!, e se a moda pegasse hoje? G-zus!

Nessa vaibe de mentira e verdade, comecei há algum tempo, uma coleção de “Pinóquios”. Comprei alguns na minha primeira viagem a Roma (e isso é verdade!). Depois fui ganhando outros e outros... Esta semana mesmo, recebi um do Gerson, meu primo do coração. E esse é um Pinóquio que tem história e afetos. Pertenceu aos filhos dele, quando eram pequenos... filhos que, certamente, ao contrário do brinquedo que ganharam, preferiam seguir o caminho da verdade, sem fazer relação alguma com o pequeno boneco de madeira.

Tenho com a verdade e a mentira uma convivência cordial, sem culpa. Quando escrevo, já disse disso isso num livro meu, publicado em 2021, por Edições Ardotempo, A História de Abel, que minto um pouco. Mas ressalto na minha frase lapidar: Eu minto muito, mas sempre mostro as provas.

Talvez a minha coleção de Pinocchios e Pinóquios, que fica sempre à minha vista, aqui onde escrevo, seja um sinal, um aviso, uma premonição, um tipo de alerta para mim.

Mas, daqui de onde escrevo, eu também vislumbro a minha frase preferida, desenhada numa caneca, que ganhei há tempos da amiga Eliana. Talvez seja o antídoto que preciso quando fico, como diz a Isolete, “enfeitando” muito as histórias que escrevo e conto aos amigos, seja aqui em casa, no café, no bar e pela vida afora:

"La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda, y cómo la recuerda para contarla."

Gabriel Garcia Márquez


Gracias, Gabo! Não estou sozinho nessa labuta de mentir bonito, escrevendo ficção, que é o nome de domingo da mentira.

O Pinóquio dos guris do Gerson agora está na minha coleção


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(*) Luiz Carlos Vaz é Fotógrafo, Jornalista, Professor e Escritor. Fez seus estudos de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural na UFPel, e pesquisa Arquivos Fotográficos Familiares. E, dizem, é um mentiroso de plantão.


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