2 de agosto de 2025

Honrando a Pátria

 

Ilustração de Samuel Walters, pintor inglês (1811-1882)


Henrique Pires (*)

 

Era agosto. Mais precisamente, dia 24 do ano de 1848. O Brasil havia encomendado da Inglaterra um barco de guerra – uma fragata – e como a encomenda estava pronta, foi enviado o então Capitão de Mar e Guerra Joaquim Marques Lisboa para fazer os testes de praxe e depois conduzir a nave ao Brasil.

Lisboa tinha 41 anos e havia sentado praça na Marinha aos 14, como voluntário, e já era, naqueles tempos, um dos mais destacados oficiais navais brasileiros. Dom Afonso foi o nome dado ao moderníssimo barco que seria entregue aos brasileiros, movido a vapor. Num autêntico “test-drive” zarpou do Porto de Liverpool para o passeio e entrou oceano adentro naquela brumosa manhã britânica.

Mas era agosto, sempre é bom lembrar.

O Capitão Lisboa, gaúcho da cidade de Rio Grande, ia conduzindo a nova fragata, que zingrava repleta de convidados ilustres do governo brasileiro, como Dona Francisca, irmã do Imperador; seu esposo, o Príncipe de Joinville; a Princesa das duas Sicílias e seu esposo Duque de Aumalle; dentre outros tantos que desfrutavam da excursão experimental. Eis que um marinheiro avisou que – ao longe – dava para ver um enorme barco incendiando. Lisboa ordenou que corrigissem o rumo e foi até o local da fatalidade, onde ardia em chamas o Ocean Monarch, um moderníssimo navio de carga construído em Boston e navegando há apenas um ano com a bandeira norte-americana, levando 396 pessoas – àquela altura, em pânico – a maioria imigrantes que deixavam o Velho Continente com destino aos Estados Unidos da América.

Com o navio incendiando, 60 pessoas já haviam se jogado ao mar, outras tantas permaneciam em meio ao fogo e às espessas colunas de fumaça negra que em pouco tempo tomaram conta de toda a enorme embarcação que zarpara naquela mesma manhã. A ação do futuro Almirante Tamandaré, o capitão Lisboa, resultou no salvamento de 160 pessoas embarcadas, mais os que estavam no mar.

Outras embarcações deslocaram-se para ajudar, sendo os brasileiros responsáveis por conseguir salvar em torno de 200 pessoas. A fatalidade vitimou mais de 100, que sucumbiram em meio ao desastre.

Dom Pedro II, quando soube de tudo, ficou tão impressionado com a bravura dos marinheiros brasileiros que imediatamente determinou que um prêmio de 100 libras (uma pequena fortuna na época) fosse rateado entre os tripulantes do Dom Afonso.

Aí o mundo teve a oportunidade de conhecer mais um ato que honrou o Brasil: os tripulantes, por conta deles, decidiram que o dinheiro seria repassado para aquelas pobres famílias sobreviventes, que perderam seus bens materiais todos no naufrágio do Ocean Monarch. Assim foi feito.

Eram outros tempos. Naquela época, honrarias não eram vendidas por militares em lojas de penhores e os nossos líderes em viagem orgulhavam nosso país. Outros tempos, mesmo.

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(*) Henrique Pires é jornalista e historiador.


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