7 de outubro de 2012

Histórias de família, Um voto Maragato


Izidoro foi "qualificado" pela primeira vez em abril de 1958

Izidoro Lopes dos Santos nasceu no distrito de Torrinhas - na “aberta do cerro”, no Município de Cacimbinhas, no ano de 1896. Era, portanto, um homem do século XIX. Maragato, nunca tirou do pescoço seu lenço vermelho. Foi sepultado com ele. Sempre acompanhado de um “índio”, que lhe servia como cavalariço, Izidoro foi um gaúcho na verdadeira acepção da palavra: não fincava raízes em lugar algum, e vivia como gaudério em carreiras, bailantas e confusões, envolvendo mulheres normalmente sempre bem mais jovens do que ele. Esquilador de profissão, mantinha seus apetrechos de trabalho – tesoura, descascarreador, avental... - sempre bem conservados, e na época de tosquia forrava a guaiaca com pelegas de mil reis, e lá vinha outra temporada andarenga, sem dia ou hora marcada para nada, virando a pampa do avesso atrás de farra, jogatina e canha. Firme nas suas convicções políticas, era assisista e não suportava que lhe falassem em Borges de Medeiros. Quando isso acontecia, começava a replicar, já gaguejando,  as veias do pescoço saltavam e ficava  vermelho como seu lenço, defendendo seus ideais republicanos.

Mas os tempos de farra passam, e vem a hora em que todo homem precisa apeiar dessa vida sem rumo. Há que achar uma boa china, erguer um rancho e se aquietar. E foi assim que Izidoro deixou para trás a fuzarca, achou moça decente e foi parar em Bagé. No começo estranhou a vida na cidade grande e custou a se acostumar com o “movimento” da Bagé de 1958. Tirou até documento de gente de cidade, trabalhou como ronda noturno, virou eleitor e votou, pela primeira vez, em 1958. Ele já contava 62 invernos... Naquele ano, em eleições gerais, o Brasil elegeu governadores para 11 estados (*), um terço do senado, deputados federais e estaduais. Num tempo em que estados como a Bahia, Amazonas e Rio Grande do Sul não possuíam a figura do vice, o PTB elegeu aqui Leonel Brizola governador e Guido Mondim senador.

Não sei em quem o meu padrinho Izidoro votou naquelas eleições que se realizaram numa sexta-feira, dia 3 de outubro de 1958, mas no domingo, quando fui visitá-lo, ele gaguejava mais do que o normal e as veias do pescoço pareciam mesmo que iam explodir...

(*) nessa época os mandatos dos governadores não eram coincidentes

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Publicado aqui no VG em 2 de outubro de 2.010

4 comentários:

Anônimo disse...

Baita texto! Vaz, e o personagem também.

Luiz Carlos Vaz disse...

Obrigado Ângelo, esse meu padrinho é um personagem e tanto, com mil história incríveis, só lamento que ele não tenha vivido nenhuma delas no "universo literário" do nosso escritor favorito, daria belos contos.

Gerson disse...

Tchê Vaz, como sabes, o seu Izidoro era meu vizinho e se não fosse um muro de 0,50 cm de altura nossos pátios confundiam-se, o meu irmão chamava ele de vô Izidoro.
Mas como falastes era um gaúcho autêntico, estórias para contar eram inúmeras, grande pessoa o Seu Izidoro.

Luiz Carlos Vaz disse...

Há muitas histórias dele e sobre ele, Gerson, dá para escrever um livro.