Sepé Tiaraju e a Guerra Guaranítica
Livro do professor Dr Luís Rubira
No próximo
sábado, 10 de Novembro, às 18h, por ocasião da 40ª Feira do Livro de Pelotas,
ocorrerá o lançamento do livro Sepé
Tiaraju e a Guerra Guaranítica, de autoria do Dr Luís Rubira, professor do
Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas. Trata-se de um
ensaio literário que veio a público em agosto de 2012 na 22ª Bienal
Internacional do Livro de São Paulo e que teve lançamento oficial no Estado do
Rio Grande do Sul em outubro, na III Bienal Internacional do Livro de Santana
do Livramento.
Saiba
detalhes sobre a obra em entrevista concedida pelo professor Luís Rubira ao jornalista
Marcelo Pimenta, do jornal Folha do Sul, de Bagé, publicada dia 8 de setembro
de 2012:
Marcelo Pimenta:
Como surgiu a ideia de escrever Sepé Tiaraju e a Guerra Guaranítica?
Luís Rubira: A
ideia surgiu movida por duas razões: em primeiro lugar porque penso que, no Brasil,
é expressiva a reflexão produzida pela sociologia, a história, a antropologia,
a literatura e até mesmo a música, sobre os acontecimentos que compõem a
cultura brasileira, sendo que a reflexão que parte da filosofia sobre estes
mesmos eventos é praticamente inexistente. Dai que, há anos, eu já lia e
investigava temas relacionados à história de nosso Estado, movido pelo
interesse de pensar mais profundamente as raízes de formação do Rio Grande do
Sul. Foi quanto, então, deparei-me com Sepé Tiaraju. A segunda razão decorre
dai: vi em Sepé a prova do encontro das armas, da violência e da cobiça de
Espanha e Portugal. Afinal, ele é morto por uma lança e um tiro que partem de
portugueses e espanhóis. No que se refere ao solo do atual estado rio-grandense,
nós tivemos em Sepé e nos guaranis-missioneiros, o momento final da resistência
indígena ("ameríndia") que procurava garantir as terras em que eles
viviam, há milhares de anos, antes da chegada dos conquistadores. É
emblemático, portanto, que o sangue indígena tenha pago tão caro para o
nascimento do Estado do Rio Grande do Sul e que, até hoje, nós não prestemos o
devido respeito e cuidado aos guaranis (e outros povos indígenas) que
sobreviveram ao genocídio, e que vivem mendigando em nossas cidades ou vivendo
na beira das estradas.
MP: Esta é a
tua primeira incursão no gênero de ensaio literário?
LR: Sim. De
fato, e sua pergunta é precisa, eu me considero ensaísta, e não um escritor.
Antes de chegar ao ensaio literário, exercitei-me escrevendo peças para teatro
e poemas, que jamais publiquei. Meu primeiro livro publicado é resultado de
minha tese de doutorado, na qual procurei evitar o academicismo, escrevendo-a
na forma de um ensaio, cujo título é Nietzsche: do eterno retorno do mesmo à
transvaloração de todos os valores (São Paulo: Discurso Editorial/Editora
Barcarolla, 2010). Claro que este livro, fruto de 15 anos de investigação,
oferece uma dificuldade ao leitor que não está envolvido com o debate em torno
de certas idéias de Nietzsche, mas, ao mesmo tempo, pode ser lido, com algum
esforço e boa vontade, por um leitor paciente e interessado no tema. E isto
atribuo ao modo como ele foi escrito, ou seja, na tentativa de ser um ensaio.
Todavia, eu considero o livro Sepé Tiaraju e a Guerra Guaranítica como um verdadeiro
primeiro ensaio, sobretudo pelo fato de que, nele, tive que fazer o esforço
para escrever tanto para um público em geral, quanto para o público
especializado no debate sobre Sepé Tiaraju (historiadores, literatos, etc.).
Mas somente os leitores poderão dizer se isto foi atingido.
MP: Como
descrever a importância deste personagem mítico para a cultura do Rio Grande do
Sul?
LR: Antes de
responder sua questão eu gostaria de observar que, no livro, procurei desfazer
o mito e encontrar o homem que se chamava Sepé Tiaraju (também nomeado, na
época, como "Joseph", "Sepé", "Tiararu",
"Josepho Tiararù", pelos padres, ou "Sapé",
"Sepeê", "Joze Tharaju", "Sepé", pelos oficiais
que escreviam diários dos exércitos). No que se refere ao mito para o Rio
Grande do Sul, sabemos que ele começa, na literatura, desde 1769, quando
Basílio da Gama escreve "O Uraguai". Depois são muitos aqueles que se
debruçaram sobre Sepé, do escritor João Simões Lopes Neto ("O Lunar de
Sepé") até o historiador Tau Golin (que também escreveu um ensaio
literário sobre Sepé Tiaraju). Sua importância pode ser diagnosticada pelo
seguinte: na época em que comecei a escrever o livro (em 2005), coincidiu com o
momento em que o MST, no Rio Grande do Sul, identificava o seu discurso pela
reforma agrária com a luta de Sepé Tiaraju por manter as terras indígenas. Ou
seja: se do ponto de vista dos chamados "Heróis da Pátria", o povo
rio-grandense pouco evoca (salvo em certos círculos) ou se identifica com eles,
o fato é que o nome e o que há por trás do mito de Sepé Tiaraju continua vivo
no imaginário gaúcho.
MP: Como tua
observa essa construção romântica em torno do personagem feita através dos
tempos?
LR: Como a
construção romântica deve-se, sobretudo, à literatura, houve, por certo, a
influência da corrente literária justamente denominada de romantismo. A partir
dos anos 1950, muitos foram os escritores gaúchos que escreveram sobre Sepé.
Mas além da influência de correntes literárias, penso que havia ainda pouco
material historiográfico para que os escritores se debruçassem sobre a figura
de Sepé. Dai a invenção de um Sepé que teria tido mulher, de um Sepé caudilho,
etc.
MP: Quanto
tempo levaste para escrever esta obra?
LR: Eu já
investigava a história, a literatura, a música, a sociologia e a antropologia,
no que se refere a estes temas. Então dediquei um ano inteiro para reler
materiais ou ler obras que somente conhecia de nome, dentre elas, algumas
literárias sobre Sepé. Um ano lendo e outro escrevendo. O livro ficou pronto em
2006 (em 2005, Sepé foi declarado "Herói Guarani Missioneiro
Rio-Grandense", pela Lei 12366, de 4 de novembro). No período em que o
livro ficou aguardando a publicação na editora em São Paulo, eu fui realizando
ajustes até 2011.
MP: Como
surgiu essa proposta de trazer ilustrações para a obra e o que ela representa
para o teu interesse em desmitificar essa imagem romântica de Sepé Tiaraju?
LR: A
proposta das ilustrações partiu da Editora Callis, responsável pela publicação
do livro. É que este livro está dentro de uma coleção desenvolvida por esta
editora, intitulada "A luta de cada um" (que já conta com títulos
como Zumbi, Ajuricaba, Chico Mendes, Irmã Dulce, Luiz Gama, Vital Brazil e
Pagu). Esta coleção apresenta sempre ilustrações. Eu já fazia, durante a
elaboração do livro, muita pesquisa iconográfica, para tentar colocar o leitor
ao mais próximo possível do que realmente compunha a indumentária, os objetos,
e outros elementos utilizados pelos guaranis, na época, bem como pelos
conquistadores. Então, um dia, escutando a RadioCom em Pelotas, uma rádio
comunitária, ouvi uma entrevista com um Ilustrador, Sandro Andrade, e gostei de
suas ideias. Dai entrei em contato com ele e o convidei para ser o ilustrador.
Ao longo de quase um ano e meio trocamos impressões, documentos, informações,
refizemos muitos esboços, até chegarmos a um total de aproximadamente 25
imagens que entraram neste livro.
MP: Ele foi
lançado na 22ª Bienal Internacional de São Paulo? Como foi a repercussão?
LR: A Bienal
do Livro em São Paulo é algo imenso. O livro foi mostrado para vários
distribuidores do país e do exterior, bem como ao público que frequentava a
Bienal. Mas a divulgação, aqui no Estado, está começando somente agora.
MP: Ele será
lançado em Pelotas no final do mês? Há previsão de lançamento para a cidade de
Bagé?
LR: Na
verdade o lançamento será primeiramente na Bienal do Livro de Fronteira, em
Santana do Livramento, no dia 26 de outubro. Depois em Pelotas, no dia 10 de
Novembro. Em Bagé nós não fizemos contato ainda para a Feira do Livro, mas com
certeza faremos um lançamento na cidade, até mesmo em função do assentamento
Sepé Tiaraju.
MP: Dentro do
teu trabalho acadêmico como tu observas esse livro com esse propósito de
mostrar um Sepé mais "humano"?
LR: Preciso
confessar o seguinte: lendo detalhadamente os (parcos) documentos
historiográficos sobre Sepé, deparei-me com um índio inicialmente fiel aos
padres (e contra os índios rebelados, que lutavam contra a invasão
luso-espanhola), que, inicialmente, era responsável por eliminar os chamados
"vagabundos do campo" (os "gaudérios" ou "gaúchos").
Mas, a partir de um certo momento aparece como comandante, como aquele que é
respeitado pelos missioneiros, e que tenta estratégias de guerrilha contra os
invasores. A chave para a compreensão de Sepé, para esta mudança de atitude,
foi baseada em dois elementos: 1) num documento que ele escreve aos padres, e
que é o momento em que ele acredita numa revelação de São Miguel Arcanjo; e 2)
numa tese de doutorado, defendida em 1997, na Universidade de São Paulo, por
Julio Quevedo (intitulada Missões jesuítico-guaranis do Prata: terra, trabalho
e guerra), que sustentava, entre outros aspectos, a ideia de que os guaranis (e
Sepé) foram movidos por um "messianismo missioneiro", ou seja, pela
fé em Deus e São Miguel Arcanjo. Trabalhar uma questão como esta, como móvel de
um ensaio literário, pareceu-me algo novo e, em especial, filosófico-religioso.
Ela me permitia entrar no debate sobre a figura de Sepé, de modo a desfazer o
"mito" e para mostrar um Sepé humano, em conflito, ou seja, um índio
que, criado pelos padres com certos privilégios (por exemplo: aprender o
espanhol), e durante muitos anos subordinado a eles, acaba por encontrar uma
solução religiosa para manter-se fiel aos jesuítas, que ele amava, mas, ao
mesmo tempo, lutar por sua nação indígena. Penso que tudo isso o leitor mesmo
poderá compreender, caso o ensaio tenha, verdadeiramente, conseguido alcançar o
que eu pretendia, em respeito aos documentos sobre os quais me debrucei, bem
como à memória de Sepé Tiaraju e dos Guaranis.
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