Ilustração Alfredo Aquino |
AUSENTES DA FESTA
Mariana Ianelli
O talento inimitável que tinha o avô
para reunir quatro gerações da família ao redor de uma travessa de spaguetti ao
pesto. A casa era a coxia do mundo, uma zoeira de vozes, de copos se
entrechocando, um vagalumear de crianças numa patuscada italiana. Agora é como
se voltassem todos. A bisavó aninhada no sofá, tão bonita no seu casaquinho
roxo, o tio-avô sentado à mesa com aquele jeito de Capitão Tornado, teatral,
delirante, sempre gesticulando, a tia-avó chegando aos poucos, preparando o seu
radar para os assuntos de alcova, preferencialmente os mais embaraçosos, os
mais picantes, e o avô, nosso Don Corleone, com sua batuta de olhos verdes regendo
à distância a órbita dos filhos e dos netos sem dizer uma palavra.
É como se
voltassem todos, alguém abrisse o velho piano e a música recompusesse nosso
caminho entre as estátuas, e o arco da folhagem até o portão de entrada fizesse
sombra ao nosso passo, como se tudo se erguesse de novo dentro daquela sala, o
relógio de pêndulo do destempo da infância, a fileira embaçada dos retratos, o
bandolim na parede, o cocar azul e branco, como se o chão crepitasse, e a
injustiça fosse nossa, de pensar que agora é tarde, que estão todos mortos, que
a casa está vazia, pronta para ser demolida, e ali pode crescer um prédio de
vinte, trinta andares, com balaústres enfeitando os terraços, e que será apenas
mais um prédio monstruoso na cidade, não a erupção do nosso columbário.
A
verdade é que um ciclo se fecha, outro se abre, e assim a casa vai ficando cada
vez mais animada, agora já vêm os parentes distantes, os amigos que há muito
não davam notícias, vão chegando também as mulheres e até mesmo uma criança,
todos ali esperando, esperando ansiosamente, como se os ausentes da festa, por
enquanto, fôssemos nós.
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