O Inferno de
Dante, óleo de Sandro Botticelli
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“Não há mais proletários, ou infelizes ou
explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se
educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro
Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não
ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua.
Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova
cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas
modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação
da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.”
(Marcola - líder do PCC - entrevista
concedida ao jornal O Globo, em março de 2.014)
Inferno
Helena Ortiz
Pois aí está. O pessoal da Lagoa, que há
alguns anos pendurava faixas com "Basta", não se organizou
suficientemente. Não acreditou suficientemente que estava alimentando o
monstro. E agora está preocupado com a fome insaciável e cruel dos ladrões de
bicicletas que os esfaqueiam e matam.
É horrível? É.
Mas é horrível que aconteça em qualquer
lugar.
O Rio de Janeiro não é mais a cidade
partida. É uma cidade estilhaçada. Agora não importa se são ricos ou pobres, a
violência apoderou-se de todos os espaços.
Isso, já sabemos, é fruto da desigualdade
social. Essa desigualdade social passa por falta de moradia, educação,
oportunidade e respeito. Também por conta da indiferença com que os ricos olham
os pobres em tragédias que parecem ficcionais e que aparecem, de relance, em
suas grandes telas de tv. Agora (que susto!) esses bandidos mirins invadiram o
território dos ricos. Daí a perplexidade. Os bandidos mirins já não são só
figurantes na tv. Eles são protagonistas da vida alheia. Da morte alheia.
O que eu digo é tão antigo, tão repetido que
às vezes também me parece banal.
Há poucas chances de diminuir essa
discriminação que nos acompanha desde a escravidão e que não terminou com a
abolição. Somos um país misturado governado por brancos cujo braço armado, a
polícia, tem especial preferência por negros (para bater, prender e matar) sem
que sequer reconheçam a própria cor e a
sua condição de discriminados: por serem pobres, por serem negros e por serem
polícia.
Sim, a culpa não é toda da polícia. Não há
uma política de Estado que se dedique a esse grande problema social. Não há
ninguém que queira resolver nada. Todos estão confortáveis em seus lugares
reservados.
E repetindo Marcola: Como escreveu o divino
Dante:
"Lasciate ogne speranza voi che
entrate."
Percam todas as esperanças. Estamos todos no
inferno.
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Helena Ortiz é escritora, poeta e edita os
blogs:
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