Fotografia: Luiz Carlos Vaz |
Pedro Moacyr Pérez da Silveira
Sabes o que é olhar paredes nuas
muitas horas do dia? Elas ficam ali, moço, como se desde sempre formassem a
estrutura da casa. Há também esses móveis, objetos parados, que nunca se movem,
pousados em seus lugares como OVNIs ali deixados por mãos já esquecidas. Há a
cama que sempre se arruma para depois recolocar o corpo e amarfanhar seus
lençóis, e arrumá-los de novo e de novo, numa repetição assustadora e
interminável.
Moço, tu sabes o café na frente, a
xícara na mesa, o pão sem gosto, a vida sem gosto também? E vê tu esses
entrares e esses saíres através de uma porta sem falar a ninguém, porque
ninguém há para um cumprimento ou um relato breve sobre donde se vem. E essa
liberdade que não fixa pressas, demoras, atrasos e nem a sensação de que se
está ainda no mundo, sabes bem o que é essa liberdade, moço? E esse televisor
ligado que vira gente, pra gente achar que tem visita porque uma voz fica
dizendo coisas e coisas, quaisquer coisas, mas que são melhores do que as
coisas desaparecidas dos olhos, dos ouvidos e da boca? E os assobios dos
momentos de asseio, sob a água do chuveiro, entoando músicas imaginárias quase,
deixando-as encarceradas num desses boxes sem alma, o inox e o acrílico,
substâncias tão modernas e frias?
Procura pensar tu, moço, num esquentar
o almoço e num requentá-lo para a janta, acompanhado por cadeiras sem
proprietários, dispostas ao redor da tua távola desabitada. Pensa, e pensa bem,
como se a isso puderes ver. Estás assim, moço, nessa desolação e nessa
indigência de companhia, confiando num súbito fantasma a aparecer, que te
assusta também, mas que ao menos ao teu lado se posta?
Estás? Ora, não te compunjas tanto de
teu destino e do momento em que tua vida flutua, como se do nada viesses ao
nada fosses. Vem sentar-te nessas cadeiras, almoça comigo e vamos dar cabo
desse teu isolamento. Por que te convido? Ora, moço, não me apetece falar um
pouco sobre o que não sinto, ainda que possa muito falar sobre o que não
conheço. E agora vou parar de chorar, confio que venhas. Traz algum amigo se
puderes, que amigos dão luz à vida. Um abraço, vou preparar as coisas todas
para recebê-lo em minha casa. Vem um tanto alegre, por favor. Procurarei assim
estar também. E traz alguma bebida para espantar o que não me lembro, mas há
mais coisas que não fazem bem a espíritos como o meu, quando estão em plena
vigília...
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O bageense Pedro Moacyr Pérez da
Silveira é escritor, poeta e ensaísta; professor da Faculdade de Direito da
UFPel e Doutor em Educação.
Um comentário:
Muito bom!...
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