25 de outubro de 2019

Minha Ilha Misteriosa

A nova Edição Hetzel, impressa na Espanha


Minha Ilha Misteriosa

Luiz Carlos Vaz (*)

Os obstáculos existem para serem vencidos;
quanto aos perigos,
quem pode se orgulhar de fugir deles?
Tudo é perigo na vida.
Jules Gabriel Verne

Jules Gabriel Verne é o meu guru! Não adianta procurar na memória nomes de parentes, professores, políticos, cientistas... não adianta. Jules ganhou meu coração, minha mente e minha imaginação quando eu tinha só dez anos de idade. Aquele homem nascido em Nantes, 123 anos antes de mim, transformou minha vida do guri simples, lá da Hulha Negra e, certamente, de outros milhões de outros jovens pelo mundo e pelo tempo afora.

Ter lido A volta ao mundo em 80 dias, e depois assistido no Cine Avenida o filme com James David Graham Niven e Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes - o Cantinflas, vivendo os papéis de Mr. Phileas Fogg e Jean Passepartout, sacramentou minha condição de dependência literária ao escritor Júlio Verne, como traduzimos seu nome por aqui.

Ele, e mais dois ou três autores, são os que recomendei sempre aos meus filhos e a qualquer jovem que demonstre interesse pela leitura dos clássicos juvenis. Além de A volta ao mundo..., Vinte Mil Léguas Submarinas, A ilha misteriosa, Viagem ao centro da terra e outras tantas das suas 51 aventuras, deveriam ser, ainda hoje, 156 anos depois da publicação de sua primeiro livro - Cinco semanas em um balão, em 1863 -  leitura obrigatória para todas as crianças que desejam sonhar, imaginar e despertar a criatividade.

Júlio Verne antecipou a maioria dos “inventos modernos” e as possíveis e impossíveis conquistas científicas da humanidade um século antes. Para nossa sorte, viveu à frente de seu tempo e nos legou uma vasta obra que encanta ainda hoje a todos que o leem.

Foi ele, de certa forma, que despertou em mim o gosto por viajar, conhecer o mundo. Já andei por vários lugares... Menos do que devia, no entanto, mais do que podia...

Não posso descrever a alegria, a satisfação, a emoção... sei lá que soma de sentimentos foram, quando meu filho, ontem, me presenteou com uma nova edição de A volta ao mundo em 80 dias, desta vez, comprada por ele. Sei lá, mas foi um alento nesses dias tão tristes e violentos em que vivemos. Dias de agressões à Cultura e às Artes em geral. Numa mistura de Capitão Nemo e William W. Kolderup, me senti forte, rejuvenescido e em condições de defender “minha ilha misteriosa” dos ataques da ignorância, do atraso e do obscurantismo que tentam nos tirar a alegria de viver!

Longue vie à Monsieur Jules!

(*) Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog


23 de outubro de 2019

O choro do Coringa





Imagens: Divulgação


O choro do Coringa

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Angenor de Oliveira, o Cartola


Luiz Carlos Vaz (*)

Há um Coringa dentro de todos nós que ri. Ri para não chorar, como dizia o Angenor de Oliveira. A pessoa que se comporta assim com frequência é portadora da Síndrome Pseudobulbar, diz a ciência. Essa síndrome alterna as reações do rir e do chorar em situações ditas inapropriadas.

Mas Arthur Fleck não tem apenas a Síndrome Pseudobulbar. Ele é um compêndio ambulante de sintomas causados por afetos mal resolvidos, abandonos, traumas de infância, problemas sociais e familiares de toda ordem. Ele tem todos os motivos do mundo para odiar os membros da “certinha” família Wayne.

Morar com a mãe, tão ou mais traumatizada do que ele, reforça a cada dia e a cada momento todos os sintomas do homem que ganha a vida como um palhaço propagandista que caminha triste, por trás de uma máscara alegre, pelas ruas de Gothan City.

As possíveis revelações, as verdades ou as mentiras, que poderiam conter nas respostas às cartas que sua mãe envia, e que nunca chegam na sua caixa de correspondência, acabam fazendo com que o palhaço portador da Síndrome Pseudobulbar vá ao encontro dessas respostas, ao encontro do seu passado, e nelas encontre o seu futuro, o seu destino. Mas a memória criada pela Senhora Penny Fleck, que mais busca uma ajuda financeira do que respostas às suas cartas, é fruto mais de sua imaginação do que da realidade.

É impressionante como alguns filmes polêmicos, ditos violentos por boa parte da crítica, têm chegado até nós, os “mansos”, os que “herdarão a terra”... Eles carregam um pouco dessa nova violência, dessa violência dos tempos atuais. Violência do abandono, da banalização da morte, da mentira e da imaginação; das fake news, da manipulação de massas proveniente dos laboratórios de formação de opinião pública, que produzem uma enorme quantidade de informações que não geram conhecimento algum!  Não percebemos o quanto temos nos transformado em jokers dia após dia.

O filme Coringa não é violento. Não é triste. O momento em que vivemos é que é. Triste e violento. Há um Coringa dentro de todos nós. E um senhor Wayne dentro de alguns de nós. Há muitas Pennys e muitos Jokers. Muitos com pouco. Poucos com muito. Muitos com quase nada. Poucos com quase tudo.

E você, que me lê agora? O que quer? Rir ou chorar? E eu? Ora eu... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar. Eu quero nascer, quero viver... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar depois que me encontrar.

(*) Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog

14 de outubro de 2019

Por que hoje é Domingo!

Divulgação


Por que hoje é Domingo!

Parafraseando Vinícius,
na epígrafe de O Dia da Criação,

“Macho e fêmea os criou.
Bíblia: Gênese, 1, 27”

Luiz Carlos Vaz

Fui assistir Domingo. E era um sábado. Um filme rodado na cidade onde moro, que mostra lugares e pessoas que conheço, já é um bom álibi para comer dois ou três pacotinhos de Bibs, ou um saco, tamanho G, daquela pipoca fedorenta e gostosa sem sentir remorso algum.

Fiz como em Bacurau por conselho de um amigo cinéfilo que me disse “vai assistir e não lê nada antes a respeito de Bacurau”. Fui sem ler nada sobre Domingo.

Domingo se passa num fim de semana, na virada de 2002 para 2003. Em um churrasco é apresentada a realidade de uma família conservadora de classe média, dessas que se sentem muito mais próximas das pessoas que faturam 50 ou 70 mil por mês, do que daqueles que ganham apenas mil; ou seja, apenas cinco ou sete vezes menos do que eles. C'est la vie!

Domingo mostra que as questões como sexualidade e gênero assustam mais a família média brasileira do que o adultério ou mesmo as relações quase incestuosas, desde que estas sejam entre “macho e fêmea”, como sentenciou Deus no livro da Gênese. Entre homem e mulher vale o que quiser, só não vale dançar homem com homem e mulher com mulher, já cantava o Tim, antes de dizer, claro, que agora vale tudo! Amores impossíveis entre patrão e empregado, professor e aluna, filho da casa com filha da empregada... tudo pode acontecer, afinal, será entre macho e fêmea.

Empregado pobre com medo do comunismo (mas não acabou em 89?), e os patrões classe média (que se portam como ricos) com medo das futuras obrigações trabalhistas com relação a esse empregado idoso, tão ou mais conservador do que eles... e tudo num domingo, com churrasco de ovelha carneada no dia, na virada do ano, à beira do Arroio Pelotas, num casarão velho e precisando de reformas... na data histórica em que um operário analfabeto assume a presidência do Brasil.

Acredito que você, meu querido leitor, tenha ficado curioso pois o filme só está sendo comentado nessas tais redes sociais. Há um silêncio obsequioso por parta da chamada “grande média” e por parte dos críticos bondosos da sétima arte roliudiana. Mas... se você acha - ou vive dizendo - que não existe mais esquerda e direita, pois o muro caiu em 1989, e insiste em repetir que a luta de classes é coisa da esquerda, vá assistir Domingo. Mismo que sea una vez, solamente una vez!

Preferiblemente nun Sábado.
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Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog