23 de outubro de 2019

O choro do Coringa





Imagens: Divulgação


O choro do Coringa

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Angenor de Oliveira, o Cartola


Luiz Carlos Vaz (*)

Há um Coringa dentro de todos nós que ri. Ri para não chorar, como dizia o Angenor de Oliveira. A pessoa que se comporta assim com frequência é portadora da Síndrome Pseudobulbar, diz a ciência. Essa síndrome alterna as reações do rir e do chorar em situações ditas inapropriadas.

Mas Arthur Fleck não tem apenas a Síndrome Pseudobulbar. Ele é um compêndio ambulante de sintomas causados por afetos mal resolvidos, abandonos, traumas de infância, problemas sociais e familiares de toda ordem. Ele tem todos os motivos do mundo para odiar os membros da “certinha” família Wayne.

Morar com a mãe, tão ou mais traumatizada do que ele, reforça a cada dia e a cada momento todos os sintomas do homem que ganha a vida como um palhaço propagandista que caminha triste, por trás de uma máscara alegre, pelas ruas de Gothan City.

As possíveis revelações, as verdades ou as mentiras, que poderiam conter nas respostas às cartas que sua mãe envia, e que nunca chegam na sua caixa de correspondência, acabam fazendo com que o palhaço portador da Síndrome Pseudobulbar vá ao encontro dessas respostas, ao encontro do seu passado, e nelas encontre o seu futuro, o seu destino. Mas a memória criada pela Senhora Penny Fleck, que mais busca uma ajuda financeira do que respostas às suas cartas, é fruto mais de sua imaginação do que da realidade.

É impressionante como alguns filmes polêmicos, ditos violentos por boa parte da crítica, têm chegado até nós, os “mansos”, os que “herdarão a terra”... Eles carregam um pouco dessa nova violência, dessa violência dos tempos atuais. Violência do abandono, da banalização da morte, da mentira e da imaginação; das fake news, da manipulação de massas proveniente dos laboratórios de formação de opinião pública, que produzem uma enorme quantidade de informações que não geram conhecimento algum!  Não percebemos o quanto temos nos transformado em jokers dia após dia.

O filme Coringa não é violento. Não é triste. O momento em que vivemos é que é. Triste e violento. Há um Coringa dentro de todos nós. E um senhor Wayne dentro de alguns de nós. Há muitas Pennys e muitos Jokers. Muitos com pouco. Poucos com muito. Muitos com quase nada. Poucos com quase tudo.

E você, que me lê agora? O que quer? Rir ou chorar? E eu? Ora eu... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar. Eu quero nascer, quero viver... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar depois que me encontrar.

(*) Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog

Nenhum comentário: