A minha janela indiscreta (*)
Luiz Carlos Vaz (**)
Quem mora afastado apenas a algumas
quadras do centro, o centro que eu digo é esse centro movimentado, onde agora
só tem edifícios, casas comercias e Farmácias São João, ainda pode exercitar o
velho costume de sentar em frente de casa, à tardinha, tomar um mate com a
família, conversar com os vizinhos e et cetera...
Isso tem nome, chama-se convivência
social. Segundo a Sociologia, ciência que inventaram muito tempo depois disso,
“Convivência Social é ação de conviver (viver em companhia de outro ou outros);
no seu sentido lato, trata-se de um conceito relacionado com a coexistência
pacífica e harmoniosa de grupos humanos num mesmo espaço.”
Bem, existe um dito popular de que os
Vizinhos (bons ou ruins, como nós, rsrsrs) são a nossa família mais próxima,
aqueles a quem recorremos numa emergência, ou a quem atendemos numa situação de
perigo, levamos com urgência ao pronto socorro, chamamos a Samu, Bombeiros, ou
cuidamos do cachorro quando saem a viajar...
Também, claro, dizemos que eles são
as Câmeras de Segurança da quadra, os nossos cuidadores, aqueles que sabem que
hora saímos ou chegamos; com quem nossas filhas saíram, até que hora foi a
festa que elas fizeram quando estávamos viajando, quais e quantos carros
estiveram estacionados em frente às nossas casas, com placa, marca, e até se
estavam com o IPVA pago... tudo, mas tudinho mesmo. Esses queridos vizinhos nos
auxiliam, mesmo sem pedirmos, nos cuidados de nossa vida pessoal e da residência
e, dependendo do ângulo de visão, distância e olfato apurado, serão capazes de
informar se deixamos uma panela queimando no fogo ou se estamos fazendo um doce
de goiaba. “Cuidado, vai passar do ponto!”
Na maioria dos casos, esses vizinhos
são pessoas que ficam a maior parte do tempo em casa, são “de mais idade”, e
com poucos afazeres. Coisa normal para quem é do tempo da carta, do telefone
preto da CTMR, do Programa do Tufy... o celular não é coisa muito usada pelos idosos
ou pessoas com pouca instrução, precisa ter boa visão, destreza nos dedos calejados
e paciência para conectar na rede, principalmente se o neto está na escola ou a
bateria está só com um tracinho e não sei onde esse guri de merda socou o
carregador, garanto que levou para a escola...
Daí, como diz a letra da antiga marca que tocava nos bailes, “televisão de pobre é janela de frente”, o espaço
arquitetônico social e urbano fornece, a quem está por casa, eventualmente à
janela, um verdadeiro reality show, não disponível a quem mora nos forte
apaches, nos condomínios fechados ou nos “edifício arto”, como resumiu muito
bem o mestre Adoniran.
Pois nessa quarentena estou cuidando
(d)os meus vizinhos. Sei quem está obedecendo o distanciamento social, quem
sai, quem não sai, que hora sai e quero, também, muitas vezes saber “A que
horas ela volta?”
Estou como o fotógrafo L.B. Jeffries,
o Jeff, de Janela Indiscreta, confinado em meu apartamento de segundo piso; sem
a perna quebrada como ele. Mas confinado.
Meu apartamento pega sol o dia
inteiro. Tem janelas para as quatro faces... e vizinhos para observar também,
hehehe. Sem querer querendo, como diz o Chaves, já sei que o casal da frente
não aguenta mais os filhos, que se continuar assim vai ter lei marcial em casa,
castigo e etc... que faltou gás na outra casa, bem na hora de temperar o
feijão; e que o entregador tinha um cheiro horrível, não usava máscara e nem alquigel. Sei que a farmácia popular “está entregando os remédios para três meses”, e
que “o homem não é tão ruim assim, pior são os três filhos” e etc.. (mas que filho da
puta esse vizinho!!) e outros segredos urbanos, barulhos, sussurros e gemidos
no meio da... TARDE.
Tenho, como Jeff, usado e abusado da
minha lente 300 mm... Mas são fotos que como as de Vivian Maier, nunca serão
publicadas, eu sei. Ficarão como recordação da Quarentena a que estamos
submetidos por causa dessa gripezinha que já matou milhares de pessoas mundo
afora.
Só espero que não haja nenhum crime.
Não quero saber quem matou, a que horas matou e por que matou. Só quero
continuar a bater as minhas fotos. Só isso; pois a melhor coisa do momento é
#ficaremcasa
(**) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog
(*) Janela Indiscreta é um filme de
1954, dirigido por Alfred Hitchcock, com James Stewart, no papel do fotógrafo L.B.
Jeffries, e Grace Kelly como Lisa Carol Fremont. Recomendo para essa
Quarentena.
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