A
última vez!
Luiz Carlos Vaz (*)
A
última vez que estive no Mercado foi em 9 de março de 2020. Eram precisamente
17 horas e 15 minutos, segundo o registro do arquivo digital da última foto que
fiz ali, do Deus Mercúrio. No dia seguinte fui com o Chapon fotografar o Canil,
em outro fui pagar umas contas, jogar na loteria e passar na farmácia, como faz
qualquer pessoa na minha idade. Tá bem, podem rir, e dizer “qualquer velho da
tua idade”. Não me importo, isso significa que eu cheguei lá. Cheguei vivo e
aposentado. (Agora, quem ri sou eu!)
Desde
janeiro já circulavam notícias de uma epidemia de gripe na China, causada por
um novo vírus, um vírus conhecido, mas mutante. Alguns parentes e amigos
estavam viajando para lugares bem distantes, bem perto da cena original, como a
Tailândia, ou dos desdobramentos e das consequências imediatas, como a Itália e
a Alemanha... Alguns inclusive já tinham levado máscaras na bagagem, das mais
simples às mais sofisticadas, para serem usadas no “antes, no durante e no
depois” dos voos, dos aeroportos e dos metrôs lotados. E o assunto começou a
ser tratado na imprensa internacional como Pandemia! Eu, preocupado, torcia
para que fosse “apenas uma gripezinha”, pois nem todos que tinham viajado
possuíam “um passado com perfil de atleta”. Só que não era mesmo uma gripezinha.
Não foi. Não está sendo. Matou e está matando gente. Matou lá fora. E agora já
mata aqui, mais do que o total da China até agora.
Dia
16 de março, uma segunda-feira, dois dias antes das escolas pararem
oficialmente as aulas, iniciamos, consciente e responsavelmente, a nossa
Quarentena. Passamos no supermercado para umas compras rotineiras, suficientes
para uma ou duas semanas, como sempre se faz, fechamos a porta e demos início
ao nosso conclave. Um conclave à moda vaticana, com vinhos, queijos e massas,
para provocar o Alfonso. Não saí mais; parei de fotografar as ruas da cidade,
seus passantes, suas portas e janelas, suas praças... e o meu Mercado. Não
contei mais filmes ao Hillal, não comentei com a Suzana sobre as últimas fotos
do Canezinho e muito menos marcamos data para comemorar a jubilación da Neia.
Não compramos mais Tri Legal do seu Zé Colmeia. Não encontrei mais com a Mirian
e a Angela nos dias de Feira Ecológica, nem com a Inara à procura das
rapadurinhas da Dona Jurema e da Jani. A ida a Rio Branco com a Vera e a Julia,
“só para comprar Nevex”, está suspensa... e me preocupo com o regime da Nazaré,
pois não encontro mais com a Isolete comprando os petiscos para ela, ali pela
volta do Escritório, o Central Café, da Carla e do Joaquin.
Tenho
saudade das conversas com o Guilherme, com o Pellegrin, com o Fábio. Saudade de
fotografar o Armando, sempre passando apressado por ali, mas também sempre
parando para um papo rápido e fraterno. Do Torino não tenho notícias, nem sei
continua indo à tardinha comprar pão na Molon. Outra pessoa querida, que sempre
eu fotografava e que não vejo é a Baiana, sempre com um sorriso largo, dizendo
que o meu artesanato está quase pronto (a essa altura... já deve estar). Não
faço mais selfie com o Charles, para mandar para o Alex e o Bruno, como prova
de sua incansável labuta... mas ainda soa nos meus ouvidos a maravilhosa música
do Julio - Julinho do Cavaco, nos fins de tarde no Bem Brasil, onde o Rafles
sempre estava tomando um suco de laranja e se deliciando com alguma coisa “sem
carne”.
Não
tenho mais notícias do Rodrigo, do rapaz das Duas Tesouras Por Dez Reais e nem
do “meu afilhado”, que tem nome de desembargador - Júlio Fábio de Oliveira
Domingues Lafuente, que é o único pedinte honesto, pois só pede “dois real para
completar uma garrafa de cachaça”.
Nesses
dias todos da Quarentena tenho me dedicado apenas a fotografar um sofá; ele foi
jogado na calçada aqui da frente num domingo, dia 22 de março. E permanece lá,
há quase três meses, impávido que nem Muhammad Ali, apaixonadamente como
Peri...
Já
o Deus Mercúrio, que foi restaurado pela Isabel, não tenho mais visto nem
fotografado. Imagino que ele esteja lá, em seu pedestal próximo ao portão de
entrada do Mercado, pela rua Tiradentes, embora muitas vezes eu o tenha visto
sentado ali, no tal sofá vermelho... tranquilo e infalível como Bruce Lee.
Mas... eu acho que o que vejo pela janela é mesmo só um sofá vermelho, sem ninguém sentado nele; um velho e surrado sofá vermelho, que foi jogado na calçada num dia de domingo. E eu detesto quando os sábados (e todos os outros dias dessa Quarentena) se parecem com um Domingo. Mismo que sea una vez, solamente una vez!
(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog
_________________________________________________
Ilustra o post, a última foto que fiz do Mercúrio, o tal sofá - onde eu o vejo seguidamente sentado, e uma foto minha feita pelo Armando antes disso tudo começar. Arte JL Salvadoretti.
Nenhum comentário:
Postar um comentário