O Zapzap das flores
Athos Ronaldo Miralha da Cunha (*)
Não sei porque cargas d'água alguém
me adicionou em um grupo do Zapzap para falar de flores. Fiquei imaginando o que
eu falaria de flores... veio em minha mente o premiado curta “Ilha das flores”,
o sabonete “Alma de flores” e o Flores da Cunha. E parei por aí.
Não saí imediatamente para não ser
mal-educado. E eu poderia aprender algo sobre flores. Algum manejo para deixar
meu jardim mais florido. Sei lá, eu poderia aprender a cultivar rosas.
Na manhã do dia seguinte acordei com
uma avalanche de mensagens no celular.
Bom-dia! Bom-dia! Bom-dia!
Durante todo o dia ninguém falou de
flores. Uma guria postou a foto de girassóis com abelhas. Linda! Outra com
borboletas e flores desfocadas ao fundo. Bela foto. Dona Margarida postou a
foto de uma samambaia que, aliás, não tem flores. Mas relativizei, afinal era a
Dona Margarida... uma flor.
Lá pelas 10 horas da noite começou
outra saraivada de mensagens.
Boa noite! Boa noite! Boa noite!
Então eu fui no YouTube e copiei o
linque da música “Pra não dizer que não falei das flores” e colei no grupo.
Pensei que não poderia ser uma boa ideia e, realmente, não foi. Ato contínuo, seguiram
os comentários exacerbados. Estávamos em período eleitoral e os ânimos
acirrados.
#Bolsonaro17!
Vai pra Cuba!
Pão com mortadela!
13 de cabo a rabo – e carinhas
sorridentes.
Cirão da massa 12.
Fiquei na moita e não comentei nada.
Seriam estas as flores do mal? Nestas horas o silêncio é a melhor solução. Na
manhã seguinte a mesma avalanche do dia anterior. Alguns incrementavam as
postagens com emojis floridos.
Bom-dia! Bom-dia! Bom-dia!
E durante todo o dia ninguém falou
das flores. Apenas o comentário e foto sobre Ora-pro-nobis dizendo que tinha
muita proteína e era excelente alimento. Confesso que não sabia. Tinha certeza
que aprenderia alguma coisa.
À noite a Dona Margarida postou a
foto de uma erva-daninha. E um ramo de Macela colhida na páscoa passada. E a
mesma ladainha.
Boa noite! Boa noite! Boa noite!
Então postei a foto de uma bandeja
com laranjas, goiabas, bananas, bergamotas e maçãs. E a foto da
ex-primeira-dama, Marcela, sorridente.
De vereda alguém retrucou.
Este grupo é para falar das flores!
Juntando ao texto emojis raivosos.
Fui até a cozinha peguei um copo e
enchi de leite desnatado, bati a foto e postei.
– Um copo de leite, pessoal! –
comentei e em enchi a postagem com kkkkkk.
– Tu tá de brincadeira, né – alguém
comentou.
Postei uma carinha risonha e fui
dormir. Na manhã seguinte a mesma avalanche.
Bom-dia! Bom-dia! Bom-dia!
E ninguém falou de flores. Só que
aconteceu o seguinte. Por volta das 13h30, logo após o horário político,
Dona Margarida teve a brilhante ideia de dar “boa tarde” ao grupo, toda
faceira. E foi outra avalanche.
Boa tarde! Boa tarde! Boa tarde!
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{Athos saiu do grupo}
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(*) Athos Ronaldo, que é um santamariense por adoção, é um filho de ferroviário que nasceu em Santiago e estudou engenharia na UFSM. Foi funcionário da "Caixa", participou de algumas antologias, publicou vários livros de contos e já recebeu vários prêmios literários com eles. Esta crônica, o Zapzap das flores, está no recente Em prosa e verso, volume XIII, da Academia Santamariense de Letras. Athos, um colorado convicto, também está presente no livro de crônicas O gol iluminado, publicado em 2009.
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