O meu bilhete premiado
Athos Ronaldo Miralha da Cunha (*)
Encontrei um
vendedor de bilhetes da loteria federal, bem ali na esquina da rua do
Acampamento com a avenida Medianeira. Era sábado de aleluia.
Aleluia! A sorte
me encontrou.
Era o último
pedacinho que tinha. O preço de face estava em quatro reais. Ele pedia seis e
paguei com uma nota de cinco e uma de dois. Ficou por sete, pois ele não tinha
troco. Claro, fiz a conta mentalmente e deu um ágio de 75%. Um bom negócio...
para o vendedor. Mas estava concorrendo a 50 mil. Para me consolar, calculei
que tinha feito um ótimo negócio. Coloquei o “coelhinho de páscoa” no bolso e
segui minha caminhada.
Só na
segunda-feira eu lembrei de conferir o tal bilhete de páscoa. Acertei a centena
530. O prêmio seria de R$ 42,00. Estou rico!
Acometido por um
sentimento fraterno resolvi doar o meu bilhete premiado. Iria repassar para
alguém que precisasse mais do que eu dos 42 pilas. Rumei para o centro da
cidade.
Chegando na
praça Saldanha Marinho abordei três pessoas que pediam “uma ajuda por favor” e
que poderiam fazer um bom uso convertendo os reais do bilhete. Quem sabe um
lanche na confeitaria Copacabana. Um cacetinho com mortadela na Kipão. Sei lá!
Dizia que estava
doando um bilhete premiado. Bastava ir na lotérica e trocar por reais ou
comprar outro bilhete se quisesse apostar na sorte.
Para meu espanto
ninguém quis o meu bilhete premiado. Eu achei muito estranho.
“Esse povo está
pedindo uns trocadinhos e recusam um bilhete premiado” pensei. Eram quarenta e
dois reais, afinal de contas.
Antes de tentar
pela quarta vez, fui abordado por dois policiais. Justamente o Pedro e o Paulo.
E eles não estavam sorridentes e foram bem objetivos:
– Então, é o
senhor que está oferecendo um bilhete premiado aqui na praça? E para as pessoas
humildes? O senhor não tem vergonha na cara?
Me caiu os butiá
do bolso!
Levou um
tempinho até que eu explicasse que estava doando um bilhete com prêmio de 42
pilas. Entrei no saite da Caixa e mostrei para as autoridades que o bilhete
era, realmente, premiado. Eu não estava vendendo. Era, apenas, um ato de
caridade.
Naquela
segunda-feira, cinco de abril, eu era o golpista do bilhete premiado na praça
Saldanha Marinho. Desde aquele dia não cruzei mais pelo centro da cidade. Só
irei ao centro para ostentar uma tornozeleira eletrônica, ora.
E o bilhete?
[Essa parte da
crônica é para lembrar do “E a china?” do Jaime Caetano Braun, pois quase
entrei num bochincho].
O
bilhete eu joguei na primeira lixeira que encontrei no Calçadão. Talvez algum
sortudo ache e resolva conferir.
(*) Athos
Ronaldo, que é um santamariense por adoção, é um filho de ferroviário que
nasceu em Santiago e estudou engenharia na UFSM. Foi funcionário da
"Caixa", participou de algumas antologias, publicou vários livros de
contos e já recebeu vários prêmios literários com eles. Uma de suas crônicas, o Zapzap
das flores, publicada dia 20 de abril, está no recente Em prosa e verso, volume XIII, da Academia
Santamariense de Letras. Athos, um colorado convicto, também está presente no
livro de crônicas O gol iluminado, publicado em 2009.
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