Fotografia Luiz Carlos Vaz |
Maria Clara Michels (*)
A esperança rompeu o invólucro
onde a mantinha prisioneira aquecida, alimentada,
aconchegada ao peito e se foi.
Com uma trouxa às costas como criança pequena em fuga,
levou sonhos e noites estreladas
e se evadiu por um corredor polonês
de guardas constrangidos
que só lhe deram tapinhas na cabeça
e mandaram abraços para a família.
Sufocada pelo silêncio,
atormentada pelas palavras não ditas,
pelas frases dúbias,
pelas injunções e subterfúgios, se foi.
Ainda passou a mão no pássaro azul de Bukowski,
que eu mantinha de reserva numa gaiola dourada
e deu um aceno para a menininha de olhos verdes
do décimo quarto andar do Quintana.
E então se espalhou pelo mundo,
distribuindo de suas trouxas e mochilas
o brilho no olho
emprego e salário teto e comida na mesa
e amor retribuído.
E eu, eu ainda tenho
esperança,
de que, em suas andanças pelo mundo,
me encontre um dia.
E pelas minhas costas
toque com sua mão suave meu ombro esquerdo
e me envolva num apertado abraço,
num longo e demorado abraço
de amigo que voltou do exílio.
Maria Clara Michels,
em noite insone de 16 de agosto de 2022
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(*) Maria Clara mora na praia do Laranjal, em Pelotas; é jornalista, cronista e poeta.
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