16 de agosto de 2022

Esperança

 

                                                                Fotografia Luiz Carlos Vaz


Maria Clara Michels (*)

A esperança rompeu o invólucro

onde a mantinha prisioneira aquecida, alimentada,

aconchegada ao peito e se foi.

Com uma trouxa às costas como criança pequena em fuga,

levou sonhos e noites estreladas

e se evadiu por um corredor polonês

de guardas constrangidos

que só lhe deram tapinhas na cabeça

e mandaram abraços para a família.

 

Sufocada pelo silêncio,

atormentada pelas palavras não ditas,

pelas frases dúbias,

pelas injunções e subterfúgios, se foi.

Ainda passou a mão no pássaro azul de Bukowski,

que eu mantinha de reserva numa gaiola dourada

e deu um aceno para a menininha de olhos verdes

do décimo quarto andar do Quintana.

 

E então se espalhou pelo mundo,

distribuindo de suas trouxas e mochilas

o brilho no olho

emprego e salário teto e comida na mesa

e amor retribuído.

E eu, eu ainda tenho esperança,

de que, em suas andanças pelo mundo,

me encontre um dia.

E pelas minhas costas 

toque com sua mão suave meu ombro esquerdo

e me envolva num apertado abraço,

num longo e demorado abraço

de amigo que voltou do exílio.

 



Maria Clara Michels,
em noite insone de 16 de agosto de 2022

________________


(*) Maria Clara mora na praia do Laranjal, em Pelotas; é jornalista, cronista e poeta.

Nenhum comentário: