Constelação de Touro |
Rubem Braga
Eu vinha de não sei que tristes
sonhos, nefastos pesadelos. Despertei, ansiado, no meio da noite, e olhando a
escura parede senti que as imagens torvas que me povoavam os olhos ainda tontos
ali vagamente se moviam. Voltei-me, então, sobre o meu flanco direito; a janela
estava aberta para a noite. Era uma noite sem lua, que ciciava em árvores e
murmurava em águas humildes; e uma grande estrela brilhava.
Haveria outras, esparsas e pequenas,
mas aquela era tão grande e cintilava com uma estranha palpitação; era tão
distante, mas brilhava tão perto e tão para mim como se fosse uma lanterna que
mão amiga houvesse pendurado em minha janela para me dar alento no fundo da
treva. Eu vagara tanto pelo mundo que, ao despertar, não sabia em que leito,
casa, país e tempo; e mesmo tinha de recompor minha ideia para lembrar se era
feliz ou infeliz. Apenas senti que estava agora voltado para o norte, e do
fundo de meu coração saudei a estrela com a palavra que me veio aos lábios:
Aldebarã!
Lera essa palavra em velhos, cansados
livros que falam de astros e mistérios do céu; mas somente agora percebia que
era uma palavra mística, feita de muitas outras, querendo dizer, em antigas
secretas línguas: a Nova Esperança, a Alegria Amiga, o Esquecimento das Mágoas,
a Alegria da Noite.
Aldebarã, Aldebarã! – disse eu, com
estranho ardor; e foi como se a sua palpitação se fizesse mais fremente e pura.
Então uma voz suave me disse, e era como se a minha melancólica mãe ou, ainda
mais distante, a minha irmã e madrinha me passasse a mão pelos cabelos.
“Descansa, dorme em paz, Aldebarã é tua amiga; e como soubeste dizer seu nome
ela é para sempre tua amiga; dorme em paz, homem da noite solitária e cruel e
dos fatigados, tristes pesadelos; dorme. E se amanhã, na tua inquieta fantasia,
quiseres dar esse nome a lago que ames, podes dá-lo sem remorso à égua fidalga
que no galope deixa que o luar lhe beije as negras crinas, ou à mais bela flor
no pélago marinho; e até podes chamar Aldebarã a uma nuvem que se doira no
momento em que o céu, para o ocidente, já toma a cor da triste violeta; mas
promete que nunca darás esse nome, nunca, a nenhuma filha dos homens, por mais
ansioso te faça a sua beleza peregrina”.
Eu disse apenas, humilde: “Prometo”.
E então pela primeira vez em muitos e muitos anos de longas noites, eu pude
adormecer sorrindo, porque meu coração era puro como o de um menino.
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