10 de maio de 2024

Cavalo Caramelo

 



Athos Ronaldo Miralha da Cunha (*)

A palavra distopia estava somente nas orelhas dos livros de ficção. Mas em maio deste ano vemos a realidade de um mundo distópico aqui nas plagas do Sul. E custamos acreditar que esteja acontecendo. O caos se instalou no Rio Grande e sobrou uma única opção: resistência.

Resistiremos de todas as maneiras e formas porque precisamos sobreviver. Nós somos sobreviventes da pandemia, sobrevivemos a tentativa de golpe e a falta de humanidade no auge da Covid19. O povo brasileiro e agora, especificamente, o gaúcho, traz esta garra de resistência e sobrevivência.

Os gaúchos estão resistindo, bravamente, as consequências do aquecimento global. Estamos resistindo porque temos que reconstruir o estado. Reconstruir nossas vidas e seguir “tocando em frente” dentro do possível. Renascer com a força dos Farroupilhas, dos Chimangos, Maragatos e dos caudilhos nas cavalarias e nas peleias nas revoluções. Hoje, somos todos centauros nas coxilhas.

Os nossos pais e avós resistiram às águas de 41. E são tantas as lembranças em P&B nos antigos álbuns de fotografias. Naqueles tempos não se falava em negacionismo climático, mas as águas de 41 voltaram em 24 e com mais ganas de ocupação, amparadas neste negacionismo.

E o símbolo da resistência das águas revoltosas de 2024 é justamente um cavalo. Carinhosamente batizado Caramelo.

Ele permaneceu no telhado de uma casa em Canoas, lutando para sobreviver diante das implacáveis águas que subiam sem dar um “Ó de casa”. A coragem do Caramelo rodou o mundo. E foi uma torcida muito grande para o seu resgate.

O Caramelo permaneceu no alto daquela estranha coxilha de duas águas de Brasilit. Estranha aquela Pampa totalmente encharcada de águas turvas.

E o Caramelo lá em cima do telhado, quatro dias de resistência silenciosa. Imóvel... Impávido... resistiria até o último suspiro.

Então, os heróis desta tragédia climática entram em ação. O Corpo de Bombeiros de São Paulo assumiu a missão de salvar o cavalinho e a expedição Caramelo foi um tremendo sucesso.

O resgate de Caramelo é um lembrete da resiliência da vida em meio à adversidade. Enquanto as águas subiam, ele permaneceu firme, aguardando a ajuda que finalmente chegou. Um cavalo no telhado nos faz lembrar da importância de solidariedade e compaixão em situações adversas. Caramelo sobreviveu e tocou nossos corações com sua força e determinação.

Caramelo, o cavalo símbolo da luta pela vida em meio ao caos de um mundo distópico. Símbolo da resistência para seguir na jornada por este Rio Grande de São Pedro.

Vai Caramelo.

“Rasgando a coxilha ao meio, mordendo o vento na cara”. [*]

[*] Versos de Potro sem dono – de Paulo Portela Fagundes.

 

(*) Athos Ronaldo, que é um santamariense por adoção, é um filho de ferroviário que nasceu em Santiago e estudou engenharia na UFSM. Foi funcionário da "Caixa", participou de algumas antologias, publicou vários livros de contos e já recebeu vários prêmios literários com eles. Esta crônica, o Zapzap das flores, está no recente Em prosa e verso, volume XIII, da Academia Santamariense de Letras. Athos, um colorado convicto, também está presente no livro de crônicas O gol iluminado, publicado em 2009.

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