Quarta-feira sem cinzas (*)
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Marcelo Soares
Esta quente. Ninguém na rua. Eu mesmo
deveria estar em casa. A noite foi curta e sem festa desperto com a esperança
da ressaca de antigos carnavais.
Já vesti macacão, máscara de pano e
calçados gastos. Até hoje associo dias nublados com o retorno das primeiras
alvoradas, reconforto-me na indefinição
dos horizontes onde o que não pode ser visto antecipa novidades.
Porém, nem sujos, nem fantasiados, só
eu caminhando na ilusão de ser acordado
por alguma referência - mas não
surgem imagens ou batuques que sacudam o pensamento além das nuvens, ou pior:
não há nuvens, então avalio se não
deveria ter ficado em casa.
Allah-la-ô, mas que calor. Atravesso
o deserto da cidade sem conseguir matar saudades.
Todos dormem, o dia é precocemente
claro, minha roupa é mais formal do que
de operário e, apesar de confortável, sinto falta de meus tênis esgaçados.
Retorno queimando pela ausência das
cinzas, pelo sol de um amanhecer que não surpreende, e pelo fim de uma memória
que não se encontra, nem mais sente.
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(*) Crônica publicada
originalmente no Diário de Canto na quarta-feira de cinzas.
Mas, como aqui o
carnaval será "fora de época"...
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2 comentários:
Fora de hora como o Carnaval de Pelotas :)
Sim, não podia ter sido melhor...
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