8 de fevereiro de 2013

Os cem anos da dona Olívia...

Foto LC Vaz


Os cem anos da dona Olívia... 

Valacir Marques Gonçalves

Desde menino sofri com o excesso de peso. Depois de muitos regimes, emagreci. Mas tudo na vida tem dois lados: a direita e a esquerda, o amor e o ódio, e até ser gordo ou magro. Estou convencido de que isso é uma verdade, tive que escolher: emagrecer abdicando de coisas que gosto ou não abrir mão de nada e continuar acima do peso - escolhi a primeira, apesar dos sacrifícios. Lutei para conseguir meu objetivo. Consegui, mas estou sentindo falta do chopp, da batatinha, e do frango frito... Abandonar o cigarro foi difícil, quase uma traição ao companheiro das horas difíceis; aquela fumaça me confortava, era minha cúmplice. Sem falar nas feijoadas de sábado e no mocotó regado a vinho... Churrasco rodízio e café colonial nem vou falar, tenho receio de um reencontro...

Já estava conformado com essas perdas quando tomei conhecimento dos cem anos da dona Olívia. Todo mundo sabe que chegar nessa idade não é para qualquer um, poucos conseguem. Ela foi mais além: está lúcida, com saúde, e contando vantagem... Mas isso não foi o que mais me impressionou. Ela deu uma entrevista com um cigarro numa mão e um copo de cerveja na outra. Disse que pretende festejar seu centenário sem abrir mão do que lhe deixa feliz. Complementou explicando que no jantar não faltarão suas comidas prediletas: toucinho, torresmo, e morcilha... Com todos esses hábitos, não tem doença aparente, sequer alteração do colesterol... Diz que “a gente vai fazer o que, se não aproveitar a vida?”. Estou quase me convencendo de que ela tem razão...

Depois da entrevista da dona Olívia, recebo mensagens de amigos lembrando meu regime. Dizem que preciso reconsiderar, que o meu lugar não foi preenchido na “Caverna do Ratão”, que a “turma” está apostando na minha volta. Informam que no primeiro dia vai ser tudo de graça - até jazz vão ouvir para me agradar... Estou em dúvida, mas eles mexem com minhas convicções. Imagino um chopp gelado, acompanhado de pastel e bolinho de bacalhau... Lembro da dona Olívia: se ela conseguiu, eu posso tentar também. Mas lembrei aqueles caras com barrigas enormes e com a pressão lá em cima. Vou conversar com meu médico, ele vai ter que explicar se o regime era mesmo necessário. Será que os magrelos que vejo fazendo farras lá no “Ratão” têm a fórmula da dona Olívia?

Mas preciso contar um segredo. Fiz uma experiência, abandonei o regime por algum tempo. Obviamente longe da “Caverna”. Procurei lugares desconhecidos, longe dos “fiscais”. Tomei cerveja com todos os acompanhamentos, não abri mão nem mesmo da farofa e dos ovos cozidos que ficam guardados naqueles vidros enormes. O bolinho de bacalhau acompanhado do azeite de oliva parecia que vinha do céu. Era sexta feira. No domingo almocei numa churrascaria, daquelas que colocam bandeira vermelha para travar o garçon - tudo regado a cerveja. Para encerrar, encarei a sobremesa: atirei-me na cocada e no pudim de leite acompanhados da coca-cola vermelha... Finalizei com um glorioso cafezinho, sem o maldito adoçante... 

Na segunda feira procurei uma balança. Estava preocupado, parecia que tinha assaltado um banco no fim de semana. No caminho desviava dos espelhos e dos reflexos das vitrines. Estava com a consciência pesada, tinha a sensação de que todos que passavam por mim me olhavam com vontade de gritar: olha o gordo, olha o gordo... Parecia que a roupa não era minha, o cinto pedia um buraco a mais, mas não cedi, continuei com ele apertado, quase sem poder respirar... Quando desci da balança caí na real. Eu sabia, só estava tentando me enganar, pensando naqueles malditos magrelos que comem e bebem de tudo à vontade. A balança foi cruel, mostrou que não posso voltar para a vida maravilhosa dos que convivem com a gula e o álcool impunemente.

Voltei para o meu regime. Recuperei o peso de magro. Mas olho ressentido para a provocante picanha gordurosa, para a cocada e o maldito torresmo... Eles quase acabaram comigo... Concluindo: rendo-me à sabedoria da Dona Olívia. Ela diz que vai continuar fumando, bebendo e comendo morcilha, mas não recomenda ninguém a seguir o seu exemplo. Sabiamente, ensina a todos: “Tem que pedir a ajuda de Deus, que ele é quem sabe”. Tava na cara, só podia ter a ajuda de gente muito poderosa...
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Valacir, leitor e amigo do Blog, publica o Blog do Vala
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