Foto LC Vaz |
Os cem anos da dona Olívia...
Valacir
Marques Gonçalves
Desde menino sofri com o excesso de
peso. Depois de muitos regimes, emagreci. Mas tudo na vida tem dois lados: a
direita e a esquerda, o amor e o ódio, e até ser gordo ou magro. Estou
convencido de que isso é uma verdade, tive que escolher: emagrecer
abdicando de coisas que gosto ou não abrir mão de nada e continuar acima do
peso - escolhi a primeira, apesar dos sacrifícios. Lutei para conseguir meu
objetivo. Consegui, mas estou sentindo falta do chopp, da batatinha, e do
frango frito... Abandonar o cigarro foi difícil, quase uma traição ao
companheiro das horas difíceis; aquela fumaça me confortava, era minha
cúmplice. Sem falar nas feijoadas de sábado e no mocotó regado a vinho...
Churrasco rodízio e café colonial nem vou falar, tenho receio de um
reencontro...
Já estava conformado com essas
perdas quando tomei conhecimento dos cem anos da dona Olívia. Todo mundo sabe
que chegar nessa idade não é para qualquer um, poucos conseguem. Ela foi mais
além: está lúcida, com saúde, e contando vantagem... Mas isso não foi o que
mais me impressionou. Ela deu uma entrevista com um cigarro numa mão e um copo
de cerveja na outra. Disse que pretende festejar seu centenário sem abrir mão
do que lhe deixa feliz. Complementou explicando que no jantar não faltarão suas
comidas prediletas: toucinho, torresmo, e morcilha... Com todos esses hábitos,
não tem doença aparente, sequer alteração do colesterol... Diz que “a gente vai
fazer o que, se não aproveitar a vida?”. Estou quase me convencendo de que ela
tem razão...
Depois da entrevista da dona
Olívia, recebo mensagens de amigos lembrando meu regime. Dizem que preciso
reconsiderar, que o meu lugar não foi preenchido na “Caverna do Ratão”, que a
“turma” está apostando na minha volta. Informam que no primeiro dia vai ser
tudo de graça - até jazz vão ouvir para me agradar... Estou em dúvida, mas eles
mexem com minhas convicções. Imagino um chopp gelado, acompanhado de pastel e
bolinho de bacalhau... Lembro da dona Olívia: se ela conseguiu, eu posso tentar
também. Mas lembrei aqueles caras com barrigas enormes e com a pressão lá em
cima. Vou conversar com meu médico, ele vai ter que explicar se o regime era
mesmo necessário. Será que os magrelos que vejo fazendo farras lá no “Ratão”
têm a fórmula da dona Olívia?
Mas preciso contar um segredo. Fiz
uma experiência, abandonei o regime por algum tempo. Obviamente longe da
“Caverna”. Procurei lugares desconhecidos, longe dos “fiscais”. Tomei cerveja
com todos os acompanhamentos, não abri mão nem mesmo da farofa e dos ovos
cozidos que ficam guardados naqueles vidros enormes. O bolinho de bacalhau
acompanhado do azeite de oliva parecia que vinha do céu. Era sexta feira. No
domingo almocei numa churrascaria, daquelas que colocam bandeira vermelha para
travar o garçon - tudo regado a cerveja. Para encerrar, encarei a sobremesa:
atirei-me na cocada e no pudim de leite acompanhados da coca-cola vermelha...
Finalizei com um glorioso cafezinho, sem o maldito adoçante...
Na segunda feira procurei uma
balança. Estava preocupado, parecia que tinha assaltado um banco no fim de
semana. No caminho desviava dos espelhos e dos reflexos das vitrines. Estava
com a consciência pesada, tinha a sensação de que todos que passavam por mim me
olhavam com vontade de gritar: olha o gordo, olha o gordo... Parecia que a
roupa não era minha, o cinto pedia um buraco a mais, mas não cedi, continuei
com ele apertado, quase sem poder respirar... Quando desci da balança caí na
real. Eu sabia, só estava tentando me enganar, pensando naqueles malditos
magrelos que comem e bebem de tudo à vontade. A balança foi cruel, mostrou que
não posso voltar para a vida maravilhosa dos que convivem com a gula e o álcool
impunemente.
Voltei para o meu regime. Recuperei
o peso de magro. Mas olho ressentido para a provocante picanha gordurosa, para
a cocada e o maldito torresmo... Eles quase acabaram comigo... Concluindo:
rendo-me à sabedoria da Dona Olívia. Ela diz que vai continuar fumando, bebendo
e comendo morcilha, mas não recomenda ninguém a seguir o seu exemplo.
Sabiamente, ensina a todos: “Tem que pedir a ajuda de Deus, que ele é quem
sabe”. Tava na cara, só podia ter a ajuda de gente muito poderosa...
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Valacir, leitor e amigo do Blog, publica o Blog do Vala
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