15 de novembro de 2013

O repouso do Guerreiro

Fotografia: acervo particular de Félix Azambuja Contreiras Rodrigues


O repouso do Guerreiro

Luiz Carlos Vaz

Talvez o mais lembrado professor do Estadual seja o Professor Contreiras. Eduardo Contreiras Rodrigues, nascido na França em 25 de janeiro de 1917, quando o pai, Félix, estudava e lecionava na Sorbone, viveu, ensinou e contribuiu para a formação de milhares de jovens bageenses durante décadas, mesmo antes da fundação do nosso Colégio Estadual, atuando em outros educandários, como o Ginásio Auxiliadora e o Colégio Espírito Santo.

Quando entrava em sala de aula era como se, junto com ele, viesse toda a sabedoria do mundo.  O doce aroma que exalava da fumaça de seu cachimbo Peterson inebriava a todos nós. Seu grande bigode que emoldurava seu sorriso emprestava-lhe um ar de nobreza. Sábio como poucos no trato com os alunos mais salientes retrucava uma piadinha mais esperta, dita em meio a um assunto sério, a ponto de deixar o colega piadista em apuros.

Quando não trazia o Mapa Mundo para dependurar sobre o quadro-negro, traçava-o a giz, com maestria absoluta, não esquecendo nem de pequenas ilhotas nas Antilhas, no Pacífico ou no Caribe. Dominava seu tema de aula - e outras tantas ciências - num tempo em que os sábios sabiam quase tudo.

Caminhava lentamente, como que em constante concentração e meditação sobre coisas deste e de outros mundos. Usava ternos alinhados, gravatas discretas e pesados óculos de aro de tartaruga. Foi, sem dúvida, uma das figuras mais marcantes da nossa juventude.

Um dia se retirou, deu por finalizada sua tarefa de professor em sala de aula. Admirador da natureza pôde dedicar-se totalmente à Maragata, sua propriedade no Uruguai, onde plantou e cultivou vários bosques que iam recebendo nomes conforme homenageava lugares, fatos ou pessoas. Assim surgiram, entre outros, o Bosque Francês, o Dos Netos, o Pedras Altas, este último em homenagem a seu amigo maragato, do Partido Libertador, Assis Brasil. Cultivava nesses bosques da Maragata espécies exóticas de toda a parte do mundo, mundo esse que tão bem situava para nós em suas aulas de Geografia.

Num desses momentos de descanso foi fotografado pelo filho Félix, em seu escritório, lendo o jornal do dia e escutando notícias no velho rádio que havia adquirido para acompanhar a Copa de 70. O pacote de fumo, sobre a tulha da lenha, mostra que o velho hábito que encantava os seus alunos ainda era mantido.

Em 24 de maio de 2005 faleceu em Bagé este francês/brasileiro/gaúcho, que foi casado com Dolores Azambuja Contreiras Rodrigues, a Dona Lola, com quem teve oito filhos: Félix, Paulo, Corina, Hugo, Maria, Lúcia, Luís e José.


Esta cena no escritório, em meio aos livros, objetos de arte e muitas recordações, não pode ter outro nome que não seja O repouso do Guerreiro.
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NOTA: Fotografia feita pelo filho Félix e enviada ao Blog por Zé Contreiras; dados biográficos conferidos com Maria Azambuja Contreiras Rodrigues.
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2 comentários:

Gerson disse...

Tchêeê Vaz, realmente um grande professor, um verdadeiro guerreiro na arte de ensinar. Primeiro fui aluno de uma das filhas dele lá no Esp´ritio Santo, e depois em 71 098 72 aluno dele próprio, bons tempos. Um baita abraço.

Unknown disse...

Vaz, talvez eu já tenha contato esse causo, mas não resisto. Fui aluno dele, também. Certa vez ele estava dando aula e falou: "Macau, cidade portuguesa, coisa e tal". Um gaiato falou: "Pra mim, Macau é porco sem focinho"... Ele, surpreso pela ousadia, retrucou: "Mas porco sem focinho tem uma vantagem, não fala quando não é chamado". O gaiato respondeu: "Nem sempre!". Só restou pra ele dizer: "Ruuua!".