Getúlio Vargas "saiu da vida para entrar para a história" |
Trabalhadooores do Brasilll !
Hamilton Caio Vaz
Aquela 3ª feira,
24 de agosto de 1954, começou como um dia tranquilo de aula na Escola Santa
Izabel. Eu estava no 3º ano do curso primário, a professora era a Célia Camargo
Silveira. A minha irmã estava no 1º ano, e a professora era a Gesminda Iamim de
Melo. Hoje, sempre que passo na frente da URCAMP, lembro que ali ficava minha
escola, olho para onde se localizava minha sala de aula, e logo vêm as
lembranças daquela manhã de agosto, de 50 e tantos anos atrás.
Era o meu
segundo ano de volta à Bagé, vindo da Hulha Negra. Foi um ano escolar de grande
mudança, a minha mãe já tinha me prevenido que seria o ano das "lições de
cor". Ela já tinha experiência nessas lições, contava muito de seus tempos
no Colégio Fernandes Figueira, ali no começo do Povo Novo, onde hoje tem um
posto de saúde, o prédio continua o mesmo. O aluno tinha que decorar um
capítulo inteiro de história ou geografia e falar para a professora, palavra
por palavra, de pé, na frente de todos os colegas; simplesmente um terror para
a nossa pouca idade. Lembro bem dessa primeira lição de cor, aquela que nunca
esquecemos, era o primeiro capítulo de História, a Descoberta da América. Ela
começava exatamente assim: "Enquanto os portugueses procuravam um caminho
marítimo para as Índias, Cristóvão Colombo, natural de Gênova, ... ". Eram
umas três páginas de livro e, claro, a professora me chamou e falei toda a
"lição de cor", pelo menos essa primeira lição, as outras que se
seguiram, bem, aí já nem tanto. Nesse dia 24 de agosto, não lembro qual era o
assunto para saber de cor, mas estava tudo calmo na sala, até a metade da
manhã, quando a professora saiu um instante da aula e foi até a secretaria, mas
demorou um certo tempo. De repente, ela voltou e entrou na aula muito alarmada,
e foi logo falando: "O Getúlio se matou, vão todos para casa". O
alvoroço foi geral, arrumamos nosso material escolar e fomos embora. Quando
cheguei em casa, a minha mãe já sabia da notícia, que já tinha corrido a
cidade. Não demorou muito e chegou meu pai, e já se preparando para uma
possível corrida aos armazéns e a falta de alimentos, vinha com uma caixa
grande de madeira, com bolachas, muito comum na época. Chegou dizendo:
"Olha Loiracy, o pão já está garantido para as crianças". Meu pai
também falou que o comércio todo já estava fechando as portas com medo das
depredações. Estes detalhes eu não lembrava, a minha mãe me recordou há poucos
dias.
O restante desse
dia e os próximos foram inquietantes, e o que mais se falava era na
possibilidade de uma guerra civil. A população estava muito sentida com o
trágico acontecimento. Logo nos primeiro dias, lembro de uma reunião familiar
realizada, à noite, na casa do tio Nini, que morava perto, hoje quase centro,
na esquina das ruas Fernando Machado com a Otávio Hipólito, uma quadra antes da
20 de Setembro. Fomos todos para lá, mais a família de dois tios e a família do
tio-avô Izidoro. Todos os homens da família eram tidos como bastante entendidos
em política. Essa noite, jamais esqueci, parecia bem de acordo com o momento
dramático, estava uma escuridão tenebrosa e fria, era uma noite realmente
negra, fato que eu sempre tenho relembrado. Até hoje eu fico tentando imaginar
que elementos da meteorologia se combinam para dar esse resultado. Parece, que
o mês de agosto é propício a esse tipo de noite. Mas, enquanto as conversas
continuavam, se alternando, ora mais acaloradas e altas, ora mais calmas e
baixas, já alta hora da noite, de repente, ouve-se um enorme estrondo vindo do
pátio ou da casa ao lado, a casa do Seu Vasco, que tinha um galpão onde ficavam
as vacas de leite. De pronto, todos se levantaram com o susto, e nosso tio
Izidoro, que sempre foi muito assombrado, gritou bem alto: "Olha, começou
a guerra !" Nós, as crianças, ficamos aterrorizados com isso, aguardamos
um pouco, mas não se seguiram mais estrondos, e tudo se acalmou, os tios
chegaram a conclusão que era alguma coisa que tinha caído em cima do telhado de
zinco do galpão. Passado mais algum tempo, com tudo mais tranquilo, a reunião
terminou e fomos para casa.
Mas, os dias continuaram
cinzentos e as noites negras, uma boa parte das pessoas haviam colocado
bandeirolas pretas, pendentes sobre as portas das casas, em sinal de luto.
Porém, para nós, guris e gurias, em poucos dias tudo parece que foi tomando o
seu rumo normal, embora no mundo dos adultos, ainda permanecessem por muito
tempo as tramas e as negociações políticas. Os embates políticos continuariam
pelo resto do ano e o seguinte, até quando em 3 de outubro de 1955 seria eleito
o Juscelino e, em 1956, iniciariam os anos JK.
De certo modo,
nos sentíamos e continuávamos felizes na nossa vida de criança, apesar de toda
a confusão que os grandes conseguiam produzir, só tínhamos apenas que estudar e
decorar as lições para apresentar para a professora e apressar para sobrar tempo
para os brinquedos e jogos. Tudo isso era bem mais fácil de viver do que toda
aquela encrenca dos adultos. O futuro para nós não era pensar naquela tal de
guerra civil de que eles tanto falavam, nós queríamos era chegar logo no fim do
curso primário e poder entrar no mágico e esplendoroso ginásio. Nós só
falávamos no Ginásio Auxiliadora, mas o nosso querido Estadual já estava sendo
criado e iria esperar por nós logo ali adiante. Seriam longos 7 ou 8 anos,
inesquecíveis, entraríamos uns guris de uns 12 anos e sairíamos de lá, já na
casa dos 20 anos, com jeito de homens, nos preparando para mais uma grande
mudança na vida.
Já estaríamos,
então, prontos para enfrentar, como adultos, um acontecimento grave como aquele
de 24 de agosto de 1954?
Hamilton Caio
Publicado em 24 de agosto de 2010 aqui no Blog
Mais sobre o tema GV no Blog clicando no "marcador" Getúlio Vargas.
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4 comentários:
Lembro-me claramente, desse dia. Ainda não frequentava a escola. Vi meus irmãos voltarem mais cedo, sem a exata noção da gravidade do episódio que assombrava o país.
Mais adiante, outros fatos políticos, como a renúncia do então presidente Jânio Quadros e o consequente desenrolar de acontecimentos políticos de indiscutíveis importâncias históricas para a Nação, não na sua totalidade, no entanto já melhor compreensão trariam a adolescente aluna do Estadual.
Excelente texto, Hamilton!
Parabéns, Luiz Carlos!
Obrigada aos dois pela oportunidade de refletir sobre tempos tão infantilmente felizes, porém de significado tão áspero para todo um povo!
Obrigado pela leitura e pelo comentário, Vera Luiza.
Assim, de sobressalto em sobressalto, escrevemos nossa história.
Depois daquela grande tragédia brasileira, que foi seguida de sobressaltos políticos, tramóias e tentativas de golpes, se aproximavam as eleições de 03 de outubro de 1955. Juscelino, percorrendo o Brasil, também esteve em Bagé fazendo campanha política. O comício foi no largo da Praça da Bandeira. Era um dia de semana, meu pai estava trabalhando, então, minha mãe foi conferir. Como já havia acontecido em 1953, na segunda e última vinda do Getúlio à Bagé, eu também fiquei em casa fazendo "coisas mais importantes" (já contei aqui no Blog). Resultado: minha irmã Gleide conheceu Getúlio e, em 1955, minhas duas irmãs, acompanhando minha Mãe no comício, conheceram Juscelino. Segundo D. Loracy, no dia do comício, fazia Sol quente e alguém da equipe segurava um guarda-chuva para proteger o candidato. E, de tempos em tempos, Juscelino, preservando a boa aparência, penteava o cabelo. O conteúdo dos comícios, claro, era assunto para comentários em casa, incluindo os "apartes" e as "piadas" que sempre ocorriam, proporcionados pela população presente. Muito dessa parte humorística dos comícios virou folclore em casa.
Bons tempos aqueles, de destacadas lideranças políticas e de grandiosos comícios que também eram, muitas vezes, grandes espetáculos de oratória.
Pois, naquele 03 de outubro de 1955, fiz com minha família a última viagem de Trem Maria Fumaça até a Hulha Negra, ida e volta no mesmo dia, para meus pais votarem naquela eleição que elegeria Juscelino. A urna que eles votaram se localizava no Colégio Joaquim Pedro Soares, onde estudei. Ficava na mesma rua em que morávamos e meu pai teve Venda (armazém). Lembro que, nesse dia, enquanto meus pais estavam ocupados com a votação, fiquei na frente observando o movimento da rua, na direção da parte mais central da vila, e essa imagem ficou gravada: muitas pessoas transitando pela rua, alguns veículos e, de repente, vejo cruzando a rua uma flamante caminhonete branca, uma Ford F-5, o "caminhonetão" daquela época, de um casal de grandes amigos da família, o Romeu Amarante Waltrick e a Cecy Madeira. O Romeu era agrimensor, profissão hoje extinta. Depois, almoçamos na casa de uma família amiga, o Nicanor e a Fany, que eram pais da Vera, do Cláudio e do Mário. Com o Mário, coincidentemente, tenho encontrado ultimamente em Bagé.
Foi uma eleição e uma viagem para rever aquela pacata Hulha Negra do trânsito diário de Trens de passageiros e de cargas, na frente da minha casa. A Hulha que já tinha sido "o Rio Negro", de que o meu avô Caio Vaz tanto reclamava pela mudança do nome. A Hulha Negra que, desde a virada para os anos 50, vinha encolhendo pelo término da "corrida do ouro" da exploração do carvão de pedra. A Hulha que ainda vou contar como era na minha visão de guri.
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