Capelinha que pertenceu a Funerária Nossa Senhora
Auxiliadora
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Pompa Funerária: práticas cotidianas
alteradas
Elaine Maria Tonini Bastianello (*)
Morrer é, no presente, uma situação amorfa,
uma área vazia no mapa social.
Os rituais seculares foram esvaziados de
sentimento e significados. Os tabus proíbem a excessiva demonstração de
sentimentos fortes, embora eles possamacontecer¹.
Examinar o comportamento do homem perante a
morte nos possibilita dialogar com essa temática tão excluída e pouco comentada
em nosso cotidiano.
Fazia parte do cotidiano dessa Cidade o
“anunciar o velório”, procedimento realizado através da colocação de uma
capelinha estampada em frente à sede da empresa funerária com o nome do morto
(Figura 1), assim como na fachada da casa do defunto, sinalizando a presença da
morte. Os velórios viravam a noite, pois era hábito velar o defunto por 24
horas.
Esse ato geralmente acontecia dentro da casa
do falecido, na qual a família perdia toda a sua privacidade perante o
amontoado de visitas que compareciam para se despedir do morto e se solidarizar
com a família enlutada.
Também ficava a cargo das empresas funerárias
a confecção de santinhos fúnebres, que eram lembrancinhas do estimado defunto
distribuídas aos familiares e amigos que se faziam presentes na missa de sétimo
dia, de um mês ou de um ano de passamento. Estas empresas possuíam álbuns com
um diversificado repertório de santinhos, para que as famílias enlutadas
pudessem escolher de acordo com as suas preferências.
Na imagem desta página está o álbum da
Funerária Nossa Senhora de Fátima, de Túlio Lopes. Nos modelos mais antigos, a
fotografia do morto era colada no santinho, que era confeccionado em preto e
branco. Mais adiante, percebe mos que as fotografias já vinham impressas nas
lembrancinhas, ainda em preto e branco. A partir dos anos de 1970, as
lembrancinhas ganharam cor, mas a foto do morto continuou em preto e branco.
Santinho
fúnebre que pertencia a Funerária Nª Senhora de Fátima.
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Esses artefatos, elaborados para manter viva
a memória da pessoa falecida, apresentavam, além da fotografia, também
mensagens religiosas como:
“Bem aventurados os puros de coração, porque
verão a Deus”; “Santa é a morte daqueles que souberam viver em paz”;
“Viveu querendo a todos, morreu querida por
todos”; etc.
Compreendo que esse modelo de registro de
morte foi escamoteado. Essas práticas de compartilhar a memória do falecido
através de lembrancinhas mortuárias se ausentaram com o passar das décadas.
Para acompanhar esses velórios as famílias se
enlutavam através do uso de roupas pretas e esse período de luto se estendia
conforme o grau de parentesco com o morto. Esse luto fechado, não se limitava à
mulher ou ao homem.
Segundo Mário Nogueira Lopes, aqui em Bagé,
nem mesmo as crianças eram poupadas de vestirem o luto. Mesmo no verão, quando
os trajes infantis podiam ser de cor branca, estes traziam algum adereço na
vestimenta sinalizando que haviam perdido alguém muito próximo.
Com o passar das décadas o luto infantil se
exauriu e o mesmo aconteceu com o pretinho que antes era mórbido e que se
desassociou do seu significado anterior que o remetia à morte. Além do luto,
era uma prática da família enlutada enviar cartões aos conhecidos para
convidá-los a comparecer no velório. Da mesma forma, também se enviava à
família do morto cartões de pêsames.
Entendo que, na atualidade, a morte é tratada
às escondidas, sendo um assunto de preferência nem comentado, exigindo da
família enlutada um autocontrole de seus sentimentos. Todas essas exéquias que
faziam da morte e do luto um verdadeiro espetáculo foram subtraídas num ritual
simplificado e prático.
Na atualidade, o defunto é conduzido para as
capelas funerárias num carro comum, praticamente anônimo, pois a condução que o
transporta não possui nenhum adereço que remeta à morte. No velório as famílias
vestem roupas de uso cotidiano, sem preocupação com a cor da roupa específica
para esse fim. O preto perdeu sua relação com a morte.
Por fim, sei que o passado não volta e que
estamos vivendo numa sociedade que se esvaziou de certos ritos. Assim, tais
procedimentos causariam estranhamento, pois fazem parte de outro contexto. No
entanto, conhecer esse passado significa conhecer as formas dessa sociedade se
portar perante a morte. Nessa perspectiva, percebo que os aparatos com relação
aos rituais de velamento se esvaziaram e até se laicizaram.
(*) Ms. em Memória e Patrimônio e Membro do
Núcleo de Pesquisas Históricas Tarcísio Taborda
Publicado no jornal Minuano do dia 31/10/14
¹A Solidão dos Moribundos, de Norbert Elias,
Editora Saraiva
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