Cartaz do filme Foto: L.C.Vaz |
Der
Trafikant, ou A Tabacaria de Sigmund
Luiz Carlos
Vaz (*)
Não sou
nada.
Nunca
serei nada.
Não posso
querer ser nada.
À parte
isso, tenho em mim todos os sonhos (e pesadelos) do mundo.
A
Tabacaria, Álvaro de Campos
Por recomendação da amiga Suzana fui ao
cinema assistir A Tabacaria. À primeira vista, é claro que lembramos de Fernando
Pessoa. Mas não há qualquer referência a ele ou a qualquer de seus heterônimos.
O filme, que foi lançado no Brasil este
mês (Der Trafikant teve estreia nacional dia 5 de setembro), é ambientado na
Viena de 1937 e conta a história da impossível ou improvável amizade que surge entre
Freud e um jovem de 17 anos.
Por recomendação de sua mãe, o jovem deixa
o interior da Áustria para a capital, a fim de trabalhar numa tabacaria frequentada
regularmente pelo já reconhecido psicanalista. Na “cidade grande” Franz conhece
e se apaixona por uma “experiente corista” da Boêmia, Anezka, descobre a
história de um dos charutos preferidos de Freud, e também meus, os Hoyo de
Monterrey, aprende como deve ler jornais e como enfrentar o desamor.
Acompanha a ascensão do Reich, se
enoja com o comportamento abjeto dos traidores da pátria ao mesmo tempo em que
anota freneticamente seus pesadelos e sonhos, por recomendação de Freud, assim
como também “sonha” em poder deitar um dia em seu famoso divã.
O filme aborda o pesadelo recorrente
do nazismo que sempre assombrou a Europa, afinal, ele nasceu, morreu e ressuscitou
lá. Faz pouco tempo que esse pesadelo, digno de ser anotado e levado até o Dr.
Sigmund para análise, começou também a nos perturbar.
Todos sabemos que a América passou a
ser o endereço de milhares de nazistas no pós-guerra. Mas... como estamos em
2019, também sabemos que nenhum deles sobreviveu. O que sobreviveu foi a ideia.
Porque ideias não morrem. Sobrevivem aos seus criadores como semente ruim em
meio à terra fértil pouco cultivada.
Ironias cinematográficas à parte, é interessante
ver o ator Bruno Ganz, recentemente falecido (16 fevereiro de 2019) que
celebrizou as cenas de Hitler no filme A queda, interpretar o Dr. Freud fugindo
justamente do nazismo.
Ultimamente o cinema tem me tirado o
fôlego. Mas, com ou sem fôlego, o que não quero é que me tirem o cinema, embora
esteja mais para Otto Trsnjek do que para Franz Huchel... Por via das dúvidas
estou anotando desde já todos os meus sonhos e pesadelos.
P/S Um dia desses encontrei o meu
amigo Armando com um boton novo na lapela. Elogiei e ele disse: É Fernando Pessoa,
um Regalo que a querida Manu me trouxe de Lisboa. Respondi, Armando, Pessoa
não usava barba, esse é Freud! E não é que essa história juntou uma Tabacaria,
como a de Pessoa, e o Freud da lapela do Armando?
Mas... eu insisto com o Armando. É Freud.
Pessoa usava só um bigodinho. Tirem suas conclusões olhando a foto.
(*) Jornalista, fotógrafo e editor
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