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Enquanto você dormia
ou
O valor do frete de uma boneca
inflável
Luiz Carlos Vaz (*)
Hoje, tão logo me
acordei, a Siri percebeu meu bocejo e me passou várias informações sobre o
vinho Tokaji e o preço do frete de uma boneca inflável.
Oh, meu Deus! (ou
seria... Oh, My Zuckerberg!)
Há tempos comprei
um celular Motorola e fui informado que ele possuía “bateria embutida”. Antes,
em caso de aquecimento, ou travamento de algum app, era só tirar a bateria do
meu Samsung e ele reiniciava e se comportava direitinho como no dia da compra.
Com esse já não era mais possível a infalível e insuperável técnica da
informática do “sai e entra de novo”. Pouco tempo depois percebi que os
celulares dos meus amigos passaram a ter a tal bateria embutida. Ou seja, não
seria mais possível tentar ficar invisível. Os aplicativos aos quais você abre
mão da sua privacidade a cada vez que instala uma ferramentinha nova,
necessitam saber onde você está, o que está comprando, onde está gastando com o
cartão crédito e, pior, o que está falando e com quem.
Esse é o preço
que se paga por desfrutar dessas maravilhas impensáveis há dez anos, quando uma
ligação DDI, ou mesmo DDD, era caríssima e de duvidosa qualidade. Hoje fizemos
“lives” de países distantes, com som, imagem, cor e perfume locais. Perfume
ainda não? Tá bem, aguardem...
Não se manda mais
carta, não se despacha uma cópia da fita VHS pelo correio com imagens da
festinha de aniversário da vovó ou do netinho. É tudo via app do seu “celular
com bateria embutida”. O preço disso? Zero. Nada. Grátis. Ou... terá um preço?
Tem. Esse preço são os seus gostos, suas preferências, suas opções literárias,
políticas, sexuais, sociais, gastronômicas... que você a toda hora explicita
nas redes sociais postando, comentando ou apenas curtindo com uma mãozinha que
faz o sinal de positivo, ou optando por outras quatro ou cinco possiblidades de
reação, como nos hieróglifos decifrados por Champollion.
Você é convidado
a usar um app que o deixa mais moço, mais velho... é perguntado sobre três
coisas que gosta e uma que não gosta... a saber qual seu posicionamento
político-social a partir de respostas a meia dúzia de questões. E esse
Algoritmo é muito rápido e inteligente mesmo, ele aprende logo que as hashtags
que antecedem as palavras coiso, bostonaro, bolsoburro e outros adjetivos,
todas se referem à mesma pessoa.
E esse nosso
amigo íntimo, esse tal de “Seu Algoritmo” vai acumulando, calculando,
armazenando e dirigindo - ou sendo dirigido, pelo desejo ou possibilidade de
consumo, pela cor, tamanho e sabor dos produtos da indústria transnacional que
é, em última análise, quem paga toda essa sua diversão de ligar de graça pelo
WhatsApp, fazer chamadas locais, nacionais, internacionais, individuais - ou em
grupos, que é o must dessa Pandemia.
Quantas vezes a
Siri já entrou sem ser convidada nas suas conversas? Ela entra, responde,
sugere, explica, assim, sem pedir licença para participar da conversa dos
adultos, como se fazia lá na Hulha Negra! Você acha que está livre dela? Não
percebeu que toda vez escreve – ou fala em voz alta - sozinho ou com outras
pessoas, sobre algum produto ou serviço, aparece em seguida na sua “taimelaine”
do Facebook, ou na barra lateral do seu e-mail, ofertas que tentam suprir esses
seus desejos secretos de destinos viagem, eletroeletrônicos ou uma simples peça
de roupa?
Quando acordei
(sim, enquanto o celular está paradinho no bidê, ela obsequiosamente permanece
calada) e a Siri me deu as informações sem que eu tivesse comentado ou escrito
sobre elas, conclui que ando falando alto enquanto durmo. E falando em coisas
caras; e falando também algumas bobagens...
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog
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