Era um dezembro, já quase
Natal, quando uma programação de reinauguração de obras de restauração na
Biblioteca Pública, num projeto da Ato Produção Cultural, juntou um enorme
público – que não caberia no auditório da Casa, na rua, junto à Praça, para
assistir a uma apresentação artística através das enormes janelas no segundo
andar do prédio centenário... muitos levaram, inclusive, as práticas cadeiras
de praia, e outros sentaram-se comodamente ali mesmo na rua, ou no meio fio da
calçada, para ver os músicos, os cantores e outros artistas que iriam realizar
suas apresentações.
O Arthur era pequeno,
tinha pouco mais de dois anos, e certamente ainda recordava dos acordes do
Bolero de Ravel que sua mãe ouvia para relaxar quando o carregava ainda no
ventre... A noite prometia muita emoção e alegria por ver a casa, fundada em
1875 por Antônio Joaquim Dias, reformada – sem ter sido necessário ser
temporariamente fechada ao público, totalmente à disposição de todos os estudantes,
pesquisadores e leitores.
Mas... Pelotas sempre tem
suas surpresas. Sem que se percebesse, pois era início do Verão, o céu noturno foi
sendo encoberto e iniciou uma leve chuvinha. A princípio reconfortante, para
espantar o calor. Mas aos poucos ela foi aumentando. Os músicos e demais
artistas, resguardados dentro da Casa, continuaram o espetáculo. E o público,
em princípio, não arredava pé.
Recordo ainda da soprano
Renata Gomes, como Violette, cantando o Duo Brindise, da Traviata, junto com o tenor Giovani
Tristati:
Com vocês eu saberei dividir
Esse tempo de alegria
Tudo é loucura no mundo
Quando não há prazer
Aproveitemos, pois fugaz e rápida
É a alegria do amor
É uma flor que nasce e morre
Sem que se possa controlar
Aproveitemos pois uma sedutora voz
Se revela a nos alegrar
E a chuvinha de verão
foi apertando...
Era o braço da Lica. Era o guarda-chuva da previdente Lica.
Era o braço de uma Mãe, acudindo outra Mãe, que fazia de tudo para proteger o seu
filho.
A partir dali, sob a proteção do guarda-chuva da Lica, foi
mais confortável se encantar, outra vez, com a voz da Renata que, para o
deleite dos meus ouvidos, cantava agora a ária O Mio Babbino Caro, de Puccini, da
ópera Gianni Schichi:
Ó meu querido paizinho
Amo-te, és tão belo
Quero ir até Porta Vermelha
Para comprar um anel!
Sim, sim, quero ir!
E, se meu amor for em vão,
Irei até Ponte Velha
E me jogarei no rio Arno!
Caio em prantos e sofro tormentas!
Oh, Deus, preferiria morrer!
Paizinho, tende piedade, tende piedade!
A água que correu no meio fio não chegou nem perto da força e
profundidade do rio Arno; mas o guarda-chuva da Lica nos deu, sim, aquela noite,
o abrigo necessário para a água que, caindo do céu, num dia lá
muito distante, quem sabe, também já tivesse corrido pelo rio Arno...
Certamente a Lica não se lembra disso, é claro. Mas para nós,
aquele gesto será recordado sempre como o gesto de uma Mãe que faz tudo para
proteger um filho; mesmo que não seja o seu próprio filho! Eu nem sei exatamente
como é o “nome da Lica”, sou apenas amigo do pai dos filhos dela, e sempre o ouço
tratá-la assim, delicadamente, pelo apelido familiar.
Mas sei que ela é Mãe, e já deu provas do que é capaz para
proteger um filho. Mesmo que não seja um dos seus!
__________________________________________________
(*) Luiz
Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog
3 comentários:
Muito lindo !
Emociona !
Parabéns pelo texto, que pretendeu ser simples, e foi profundo !
A gratidão sempre nos marca profundo. A autora, certamente por ser muito elevada, e o fez por obrigação natural, até deve ter esquecido, deve ser parte do seu espírito de auxiliar, sempre, que está ao seu lado.
Continue na sua trajetória, Lica !
Que falta está fazendo a música clássica, e o canto lírico, na praça !
Vade retro, pandemia !
Muito lindo !
Emociona !
Parabéns pelo texto, que pretendeu ser simples, e foi profundo !
A gratidão sempre nos marca indelével. A autora do gesto, certamente por ser muito elevada, e o fez por obrigação natural, até deve ter esquecido, por fazer parte do seu espírito de auxiliar, sempre, quem está ao seu lado. Continue na sua trajetória, Lica !
Postar um comentário