|
Rogeane lendo "o Abel". Foto do arquivo pessoal |
Rogeane Bertussi (*)
Prof Vaz!
Como
já disse, passei uma manhã no salão de beleza (tentando minimizar
um problema causado por outro cabeleireiro) e aproveitei para ler.
Aliás, sempre tenho algo para ler nas minhas bolsas, no quarto, na
sala, no carro, na parada de ônibus … não perco tempo.
Eu
cresci ouvindo histórias, minha família gosta muito disso. E, ao
ler as suas, lembrei-me de algumas das minhas, que descrevo abaixo:
Pensei
em começar comentando a história do safado do Abel. Mudei de ideia.
Aquele fujão foi homenageado em nome de capa de livro … isso
basta.
É
raro alguém admitir que fez o primário e o ginásio. Eu fiz, e na
minha casa também tínhamos “Frigidaire”.
Como
você, eu apreciava “cumulonimbus”, mas deitada na grama,
repleta de micuim, eu rezava pedindo que quem fizesse aqueles
desenhos viesse me buscar, porque eu estava perdida entre três manos
homens que contavam que eu havia sido deixada na porta, que a cegonha
era muito magrinha (eu pesei 4,650 kg) … e me deixou cair … e
isso me dava certeza de que eu não era daquela família e, quem
sabe, nem do planeta Terra.
Meus
manos não me ensinaram a empinar pandorga. A minha nunca saiu do
chão, por mais que eu corresse. Tentei ensinar meu filho… mas
ensinar o que mesmo?
Não
me deixavam tocar no “estojo” deles; riam quando eu dizia que
nunca via o passarinho na hora da foto; …
Certa
vez ganhei um concurso de redação na cidade de Caxias do Sul. Não
era sobre o Dia da Árvore. Era sobre “Santos Dumont”.
Nooooosssssa!
Como eu fiquei feliz!
O
prêmio era um passeio de avião por cima da cidade. No dia marcado
tinha serração demais; noutro ventava muito; chovia a cântaros; o
piloto teve diarreia; perderam a chave do teco-teco… 16 tentativas
e 16 desistências … Fiquei frustradíííííssima e ainda apanhei
da minha mãe pela insistência. Ela cansou de me levar ao aeroporto.
Para
esquecer disso passei a voar nas leituras. Com isso, todos os meses,
daquele ano e dos próximos, eu ganhava um lápis da bibliotecária,
por ser a aluna que mais lia. (Todos iguais, pretos. E eu só tinha
uma caixinha de 6 cores …).
Eu
nunca comi Tupy e aposto que você nunca comeu “tatu assado no
casco”, sendo servido de colher pela sua mãe, fazendo você
engolir - mesmo não querendo - aquela coisa “fedorenta” que
impregnou, por dias, odores fétidos em toda a minúscula casa em que
morávamos.
Eu
tinha muita dificuldade com comidas. Não gostava de nada e
normalmente era forçada a comer.
Você
“quase viu” o Pelé jogar, “assistiu” o Roberto Carlos e eu
“conheci e passei alguns dias” com Anna Sharp, neta da Ana Emília
Ribeiro da Cunha, amante do Dilermando. Ela é amiga do meu mano
Cidnei, que mora no Rio de Janeiro, e tive a oportunidade de visitar
a casa dela em Santa Tereza, repleta de fotos antigas.
Também
usei caderno Avante mas estava doente no dia em que o fotógrafo foi
na escola, por isso não tenho foto sentadinha, na classe, com o
globo à minha esquerda. Outra frustração …
La
na Criúva ainda tem a mesma praça, o mesmo banco, o mesmo número
de habitantes, em torno de 2000. Nascem, crescem, vão embora,
voltam, morrem e sempre tem 2000. O que mudou é que a tradicional
festa anual do Divino Espírito Santo está cada vez maior, perdendo
apenas para a Festa da Uva.
No
tempo em que usava maria-chiquinha o que me cativou foi “Emília na
Casa das Chaves”. Foi assim que a professora Maristela intitulou
uma breve leitura como introdução ao livro de Monteiro Lobato.
Fiquei fascinada com aquilo de abrir uma porta, entrar em algum lugar
e mudar de tamanho. Na biblioteca da escola não encontrei o referido
livro. Passei anos procurando por ele e somente quando eu já tinha
mais de 50 anos uma professora me disse: esse não é o nome correto
do livro. O certo é “A chave do Tamanho”. Procurei na internet,
comprei, chegou meio detonado … mas adorei a história.
Na
Criúva, nunca ouvir falar em arsênico e por lá as mortes
frequentes foram por enforcamentos.
Já
na cidade, meu pai comprou nossa primeira TV para assistirmos a copa
de 70. E era só isso que podíamos assistir. Então meus manos
continuaram frequentando a janela de uma vizinha, para assistir o Ted
Boy Marino e os “soqueadores”. Eu, não largava o Almanaque do
Biotônico. E no ano anterior, na janela da vizinha, fiquei muito
empolgada com a possibilidade de fugir de casa e ir para a lua. Se o
“Nil” pisou lá eu também poderia. O que me amedrontou um pouco
foi pensar como eu usaria o remédio da asma com aquele capacete …
mas seria bem legal só engolir comprimidos e nunca mais ter que
comer feijão, carnes, repolho, tatu …
Não
vou relatar aqui “as frases que ficaram” para não competir com
as do relato obsceno no (quase) tudo sobre minha mãe. Acontece que
sou descendente de mãe italiana e embora com muitos tios, primos e
irmãos, não aprendemos a usar as primas pobres das palavras
(palavrões) e, quando isso era necessário, os mais velhos falavam
em italiano, num dialeto que não nos foi permitido aprender porque
com a guerra havia sido proibida a língua italiana na região. Mas
pelas caras … sabíamos que não eram boas coisas.
Meu
pai também tinha um medicamento similar ao Conmel. Fora receitado
pelo farmacêutico que por lá aparecia de tempos em tempos. O
medicamento milagroso podia ser feito em casa: bastava um vidro limpo
que devia ser ocupado com “mastruz”, também limpo, e preenchido
com cachaça pura, sem qualquer adição de açúcar. Para qualquer
mal, um gole daquele coquetel horrível era ministrado, inclusive
para crianças. Pior do que aquilo… só a Emulsão de Scott, que
muito tomei.
Nunca
ouvi falar em cal virgem por lá. O doce de batata doce era o gran
finale dos almoços de domingo.
Meu
pai trabalhava no moinho e viajava de caminhão entregando trigo.
Ficava dias fora de casa então pensou que um cão poderia nos dar
uma certa segurança. O nosso “Ali” chegou no final da tarde e na
manhã do dia seguinte foi levado embora. Ele latiu a noite toda e
ninguém dormiu. Meu pai não gostou nada daquilo. Então, nada de
gatos, cachorros, periquitos … somente bois e galinhas.
Adorei
a história da Cabrita e seus ensinamentos.
La
em casa volta e meia uma das nossas galinhas ia para a panela e
nenhum de nós queria almoçar. Elas tinham nomes e costumávamos
olhar no fundo dos olhos delas. Então era sempre uma tristeza quando
uma desaparecia misteriosamente para aparecer na panela mais tarde.
Foram
tantas as lembranças que o seu livro me trouxe... Dava até para
escrever um livro, mas para quem tirou apenas "um 7" no trabalho sobre
o Repórter Esso… é sonho demais.
Querido
prof. Vaz, muito obrigada por ter socializado algumas das suas
memórias no A História de Abel.
Adorei,
só lamento não ter percebido, nos tempos em que fui sua aluna, o
que aquele sargento observou.
Abraços
carinhosos com desejos de que muitas outras memórias possam ser
eternizadas.
_________________________________________
Rogeane
de Fátima Bertussi nasceu em Criúva, distrito de Caxias do Sul
(RS); é Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Relações
Públicas (UCPEL); pós graduada em Administração Bancária
(FEBRABAN); atua em instituição financeira estatal há 36 anos e
como cerimonialista há mais de 30; e, voluntariamente, no Movimento
Espirita há 25 anos.
Tem
como hobby ler, viajar, conhecer outros povos, outras culturas,
museus, igrejas, assistir filmes …
_________________________________________________________________