A casa vista do alto da serra - o Barro
Vermelho.
Esta foi a primeira visão que vovó Orphelina
teve em 1930 de sua futura morada
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Quem casa quer casa
Gerson Luiz Barreto de Oliveira
“Minha avó casou
numa fria terça feira de junho, em 1930. Casamento simples como ela exigiu, e
contrariando a mãe, se casava na Igreja Anglicana. No mesmo dia outra irmã
casava no rito católico com o cunhado das duas, viúvo de uma outra irmã, tudo
em família.
As duas saíram juntas para as cerimônias, e
juntou gente em frente à casa do bisavô para ver duas irmãs que saiam vestidas
de noiva, na General Netto, perto da antiga estação ferroviária, hoje Centro
Administrativo.
Após a cerimônia não aceitaram fotos, não eram
dadas à fotografias, num misto de austeridade e timidez.
Era uma época de efervescência na política
nacional, em outubro, com uma cartada de mestre, Getúlio Vargas assumia o
poder, após inúmeras arapucas que o gaúcho de São Borja armou para o Washington
Luiz e o seu aliado Júlio Prestes.
No interior de D. Pedrito iniciava uma batalha
sem tréguas de nora e sogra, na localidade do Cunhatay. A casa está de pé até
hoje, impassível com suas paredes de 60 cm de pedra bruta, erigidas no início
do século XIX pelos primeiros Barretos.
Quando minha avó Orphelina lá chegou,
carregava um rico enxoval de louças e cobertas de mesa e banho, as 11 irmãs a
ajudaram a bordar, costurar e tecer, mas o impacto foi grande. Não existia uma
cozinha, e muito menos banheiro. No que era para ser a cozinha tinha fumaça do
fogo de chão que saia por um buraco no teto de telhas artesanais feitas no
local há muitas décadas, ainda na época que no Brasil quem mandava era o velho
imperador.
O estreito local onde as refeições eram
cozidas tinha um panelão de ferro, tipo caldeirão de bruxa, para a sopa, chão
batido, uma trempe de ferro servia como chapa para o assado diário, o
cozinheiro era um preto velho, remanescente dos antigos ex-escravos, chamado
simplesmente Tio Bento. E era ele que trazia lenha picada e água, carregada em
lombo de burro, armazenada em uma pipa, do arroio distante 500 metros, o
chamado Paço da Pipa por todos na família.
Primeira providência foi trazer de Bagé o
fogão à lenha com caldeira para a água quente, que o pai dela há anos comprara
de um velho hotel, a água aquecida também seria usada no “chuveiro de balde” recém-instalado
do lado da nova cozinha.
Tantas inovações trouxeram conflitos entre as
duas mulheres, que viraram parte do folclore familiar, quanto mais uma
resmungava, a outra corria por fazer mais e melhor, administrando e coordenando
a casa e muitas vezes as lidas campeiras, na ausência do marido.
Não dava tempo para ficar inerte, as
distâncias a serem percorridas até Bagé ou Dom Pedrito, com estradas sofríveis,
e sem automóveis eram impraticáveis. O bisavô Barreto tinha um “Ford bigode”,
mas era na cidade que ele usava, não se aventurando com ele para ir até o
campo, os meios de transporte eram ou a cavalo, ou de aranha, as ligeiras
carrocinhas puxadas por um pangaré.
Então a casa tinha que ser autossustentada, se
plantava de tudo, das hortaliças, e frutas ao feijão, milho, da cidade era
somente o açúcar, café, arroz e farinha, armazenadas na imensa tulha azul da
nova despensa, que também tinha sido construída, e para seguir o padrão da
casa, toda em pedra.
Dia de carnear boi era uma festa, e dia de
matar porco juntava a vizinhança, porque sempre se dividia um pouco das
linguiças, queijos de porco, patês e butifarras eram guardados somente para os
de casa que, segundo minha avó, “sabiam apreciar”.
Um contingente de empregados e agregados
ajudavam e tinham que ser alimentados, na nova cozinha as panelas fumegavam,
muitas vezes os ânimos também, mas o que era novo em 1930 hoje parece ser outro
tempo muito longínquo, os costumes se modificaram, as distâncias diminuíram,
continua a vontade de ver uma comida ser bem feita, o calor da família".
Gerson Luiz Barreto de Oliveira
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8 comentários:
Parabéns, Gerson, pela narrativa que nos levou a vivenciar a situação da época! Você tem mesmo vocação para escrever histórias! Continue e nos brindar com seus relatos.
Abraço
Feliciano
Mas abah tchê xará, tu sabes mesmo contar uma estória e acredito que um dia estaremos nós do blog a volta de uma costela exposta às brazas, enquanto numa charla regada a chimarrão, vais nos conta-las. Um baita abraço índio velho.
Vaz, Gerson e Feliciano
Como no Cunhatay, cordeirinho mamão, assado na brasa com cuidado. Barril de chopp estupidamente gelado.
Abraço
Gerson
Gerson, volto 60 anos no tempo e me vejo na estancia do meu avõ Lidio guasque, La coronilla,perto de vichadero no uruguay.Gosto muito dos teus "causos",e agradeço á ti e ao Vaz pela oportunidade de me deleitar com as estórias dos nossos Guasque.ass; mirta guasque prates
Gerson, volto 60 anos no tempo e me vejo na estancia do meu avõ Lidio guasque, La coronilla,perto de vichadero no uruguay.Gosto muito dos teus "causos",e agradeço á ti e ao Vaz pela oportunidade de me deleitar com as estórias dos nossos Guasque.ass; mirta guasque prates
E qualquer dia já vai ser crime ambiental comer um cordeirinho assim, Gerson. Vamos aproveitar. Um abç
Posso garantir que deves ter algumas fotos e narrativas dessa época para nós, Mirta. Quem sabe tu te "animas a escrever", (como se dizia lá na Hulha...)
Vaz
Mirta foi autora da palestra mais bem humorada da Guasqueada do Pampa, em 20/09/2010, em Bagé. Com certeza ela tem muito a nos contar.
Abraço
Gerson
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