24 de setembro de 2013

Caminho suave


Caminho suave

Sergio Vaz

Fazer os saraus nas escolas tem me trazido boas lembranças sobre um tempo que não volta mais. Mas também tem ressuscitado velhos fantasmas adormecidos na memória.

Lembro de um tempo em que estudava na 2ª série primária, e quando o professor entrava na sala de aula todos os alunos levantavam em sinal de respeito. Aliás, éramos obrigados a fazer este tipo de reverência a todos que entrassem na nossa classe. Nos anos setenta, em plena ditadura brava,todo mundo era autoridade, menos as crianças.

Na segunda e sexta-feira, antes da aula, todos íamos para o pátio hastear a bandeira e cantar o hino nacional. Não entendíamos muito o porque de cantar aquela música tão difícil e indecifrável, mas seguíamos entoando a canção sob a batuta dos nossos mestres: “... fulguras ó Brasil florão da América...”. Caminhávamos, mas sem seguir a canção.

A Sala dos professores, era uma espécie de quartel-general inimigo. Quase ninguém a conhecia por dentro. Só uma coisa era certa, é ali que decidiam se íamos passar ou não de ano. Repetir o ano não era bem visto pelos nossos pais. Ai!

Aquela sala povoava nossas pequenas mentes com assombrosas imaginações... Mas nada se comparava ao medo que tínhamos da sala do diretor. Para nós, pequenos subversivos, a sala impunha o mesmo pavor que a sala do DOPS aplicava aos que lutavam pela democracia. Dali ninguém saía impune, todos eram fichados, no mínimo uma advertência.

Por vezes achei a escola parecida com um campo de concentração, e por conta do medo, muitas vezes vi alunos sendo atingidos pelas costas por pularem o muro para matarem a aula. Os Inspetores me pareciam autênticos soldados da Gestappo.

Por incrível que pareça aprendi a ler e escrever numa cartilha chamada “Caminho Suave”.

Uma vez fiquei de castigo, atrás da porta, porque estava desenhando um relógio, à caneta, no meu pulso. Na opinião da professora eu estava fazendo hora no tempo dela. Que horas eram? Não lembro, mas em represália também não lembro o nome dela, e não uso relógio até hoje.

Um coleguinha descobriu que sua mão tinha 12 cm por conta das reguadas que levava toda vez que olhava para o lado. Um puxão de cabelo ali, um chacoalhão acolá, e o que é pior, tudo com a autorização dos nossos pais.

Lógico que hoje não é mais assim, e o professor é o grande farol na busca de um país melhor, mas como eu disse no começo, são apenas fantasmas que espreitam a memória, como tenho medo de escuro queria dividir com vocês, esse tempo, em que a escola doía em mim, como um dia sem merenda.
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Sergio Vaz é poeta e fundador da Cooperifa
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