20 de dezembro de 2013

É momento de voltar a fazer e ver arte, simplesmente.


É momento de voltar a fazer e ver arte, simplesmente.

Alfredo Aquino

A Arte deixou de ser feita há algum tempo, assediada pela frivolização e superficialidade da decoração, da redundância e da resignação de seus artífices. Deixou igualmente de existir pelo naufrágio da arte conceitual, pelo suicídio da não-arte, pelo autoritarismo da falsa arte da academia, da palavra de erudição estéril e do diploma, que, passando ao largo do talento e da sensibilidade artística embrenhou-se no labirinto hermético da verborragia para o nada, para a volatilidade das ideias destituídas de valores artísticos.

Em nome da representação de um tempo de caos e de violência, optou-se pela ausência do saber fazer, pelo repúdio à beleza ou a qualquer reflexão mais aprofundada sobre o objeto artístico. Em nome da espetacularização imediata e fugaz, em apoio ao uso de imagens reconhecíveis de recorrentes apropriações (que é essencialmente o outro sinônimo do simples plágio), decidiu-se pela opção pelo entretenimento, pelo divertimento, pelo anedótico, pelo bizarro e pela formação de redes coletivas do aplauso sem reflexão e sem senso crítico.

Isso está presente nas propostas das bienais, dos museus de arte contemporânea, dos vídeos sobre ou de arte contemporânea que propõem uma arte invisível com bula explicativa. Um monte de carvão jogado no chão, ou um terreiro de barro espalhado ou várias caixas de papelão empilhadas transformam-se, no olhar predador, impositivo e arrogante da academia em pintura e escultura. São as instalações da perplexidade e do estupor. E apesar dos textos mirabolantes (e anedóticos) ninguém entende nem se sensibiliza com essas propostas bizarras e sem nexo.

Há ainda a falácia da obra coletiva, uma estupidez que alia a ausência da arte com a improbabilidade da autoria (apesar de que, nestes tempos de fama e imodéstia, sempre aparecerá o retrato de alguém ou a assinatura de um curador, em letras monumentais). A arte dos impressionistas no final do século XIX foi um confronto com as regras rígidas e o autoritarismo dos Salões da Academia (num lado estavam Manet e Monet e no outro, Ingres); as trajetórias de Picasso e de Tarsila do Amaral foram de enfrentamento ao aceito estabelecido e orientado como recomendável; Karel Appel e grupo COBRA vieram contestar padrões estilísticos que por sua vez já tinham superado as provocações dadaístas de Marcel Duchamp, datadas do início do século XX. O mundo e os comportamentos das sociedades modificaram-se pela incorporação das tecnologias da imagem e da comunicação, com maior dinâmica a partir última terceira parte do século XX. Ainda ali tínhamos o frescor criativo de Alberto Giacometti, de Louise Bourgeois, de Siron Franco, de Luiz Gonzaga de Mello Gomes, de Alfredo Volpi e de Arcangelo Ianelli.

Todas essas obras de artistas, sérios, talentosos, produtivos, que sabiam bem (e sabem) o que faziam, em pontos e contrapontos, e deixaram (e deixam) seus legados sólidos, que podem ser vistos, admirados e discutidos por todos, nos grandes museus de Arte do mundo. Hoje, no entanto, existem dúvidas e perplexidade generalizada frente ao que se vê proposto como “obras de arte”. Serão Arte verdadeira ou não-arte, um tubarão fatiado, apodrecido e mergulhado em formol, num aquário selado e sarcofágico?

Ou excrementos ensacados em sacos plásticos transparentes, numerados e assinados pelo auto-denominado artista? Ou uma instalação de centenas de fraldas descartáveis dispostas como uma horta de alfaces brancas sobre o piso do museu? O já citado monte de carvão ou a fragilíssima “escultura” de caixas de papelão, empilhadas na sala expositiva de um respeitável Museu de Arte? Isso não é Arte e é apenas um embuste que engana e confunde as pessoas de boa fé que buscam compreender a comunicação proposta pelos “artistas” e acabam afastando-se decepcionadas pelo quem vêem, sem compreender nada e sem os desejados enriquecimentos culturais. É uma falsa “arte”, sem legado possível, uma ausência e uma nulidade.

Tampouco existe arte possível no cenário medíocre, redundante, mal-feito e enfadonho da chamada “street-art”. É algo repetitivo e copiado de maneira colonizada, em todo o mundo, produzindo uma paisagem aborrecida e previsível, que enfeia e polui visualmente a aparência já complexa das cidades. A feiúra (e este é um dos valores artísticos, na verdade) que se torna efêmera pelos garranchos negros ininteligíveis que logo as cobrem e pelo esmaecimento instantâneo das cores de química precária dos sprays ali utilizados. As imagens (sempre as mesmas ) apenas se mantém glamourosas e brilhantes por breves instantes e permanecem falsamente vivas nas fotografias e vídeos, tão logo sejam realizadas. No dia seguinte já serão outra coisa. Portanto não há legado, não há troca de saberes, não haverá comunicação e sedimentação cultural. (Existe em São Paulo, uma espantosa rua de contornos angulosos, quase um beco, coberta de grafitis, na Vila Madalena – é bonita, decorativa, interessante e resulta numa curiosa exceção à regra, pois o local está bastante adequado e os trabalhos foram realizados com critérios e estão bem acabados, funcionando como uma contribuição à cidade e não como uma agressão pela feiúra e sujeira gratuita.

É uma espécie de Sistina dos grafitis, o paraíso artificial dos fotógrafos. Porém, infelizmente, a sua adequação e justificativa não se espalha necessariamente pelo restante da cidade, significando menos um argumento de defesa à atividade artesanal e sim uma curiosidade turística e pontual de um simpático bairro da cidade. Nos outros locais da metrópole as imagens carregam a carga habitual e tediosa de redundância e previsibilidade que mais poluem e confundem a paisagem urbana, incrementando o sofrimento de quem habita a capital paulistana.) O surrado discurso da inclusão social ao atribuir valores artísticos aos grafitis de maneira generalizada transita mais pelos labirintos imbricados da demagogia e da antropologia do que pelos caminhos mais sutis da Arte.

Gerações procuraram transmitir legado e comunicação, portanto linguagem, desde os touros pintados nas parede e teto da gruta de Lascaux e outros ricos sítios arqueológicos que tornaram a Arte transcendental, contínua e perene. E respeitada e adorada por muitas gerações que puderam compreender um pouco mais de si mesmas. É hora de voltar a fazer e ver Arte verdadeira, de comunicação, de originalidade e de legado cultural. Talvez a resposta para o caos, para o niilismo e para os equívocos, seja que, na realidade, existem poucos, muito poucos e raros artistas que sabem fazer e desenvolver com mestria o seu ofício. Artistas capazes de produzir Arte profunda, bem pensada, bem feita e bem acabada, que despertarão prazer genuíno, interesse e legado frutífero entre as pessoas e as comunidades.

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4 comentários:

Anônimo disse...

Vazamigo

Compreendo bem o recado aqui deixado pelo Alfredo Aquino.

A Arte com caixa alta está cada vez mais estandardizada, mais económica, mais gastadora; será o preço que pagamos por andarmos distraídos por outros temas, outros anseios ou outras ganâncias?

Se assim for, é um peso pesado no ringue da vida, patrocinada por uma Cola qualquer, por um Banco qualquer, por uma casa de meninas qualquer. Oxalá não.

Entretanto:

História dum “crime”, ficção?
Não senhor, é a pura verdade
São muitas coisas do coração
Vividas na mais terna idade

Na nossa Travessa saberás o porquê desta quadra quadrada e maluca

Qjs & abçs para o comboio de Vazes, em especial para a Maribel e para tu

Luiz Carlos Vaz disse...

Ferreiramigo! Quase nas Bodas!!!
Um abraço doladecá!
Vaz, o alfacinha mais brasileiro de Lisboa.

Anônimo disse...

Òtimo texto!

Grande abraço,

Alan

Luiz Carlos Vaz disse...

Gracias, Alan.