23 de dezembro de 2013

O César tomou água de cu lavado


O César tomou água de cu lavado (*)

Luiz Carlos Vaz

Quando eu era guri, lá na Hulha Negra, lembro que nas tardes de domingo se faziam - ou se recebiam visitas. Visitas de família completa. Pai, mãe, filhos e agregados. Estes, representados  por uma tia, um idoso, um primo, ou uma pessoa que se unira à família há muito tempo. Eram visitas que chegavam sem avisar lá pelas três da tarde, eram recebidas “na sala”, e a elas se ofereceria, às quatro horas,  um bom e tradicional café da tarde. Café passado na hora, com pão novo, feito em casa, manteiga e doces também caseiros, já que ninguém cometeria a grosseria de oferecer acompanhamentos feitos por outras mãos ou industrializados.

As conversas seguiam sempre um roteiro de etiqueta informal: a saúde de todos, as mortes recentes, os nascimentos, os noivados ou casamentos. Depois negócios – acompanhados de assuntos de  seca, chuva ou enchentes. Naquela época havia data certa para as enchentes. A de Santa Rosa, infalível, era uma das mais temidas.

Se falava muito pouco em futebol, de religião (pois todos eram da mesma religião) e quase nada de política atual, já que as realizações do “falecido doutor Getúlio” ocupavam todo o tempo dessa pauta. No entanto, depois da cerimônia do café, quando as crianças eram finalmente dispensadas para brincar na rua, as mulheres iam retirar a mesa, e os homens conversar no pátio, geralmente admirando a “criação”, os assuntos eram outros e mais específicos aos gêneros. Lembro muitas vezes que as mulheres, comentando deslizes deste ou daquele homem da vizinhança, dizerem que fulano só pode ter tomado água de cu lavado.

Levei um tempo para entender o significado dessa expressão forte e, até hoje, não sei a sua origem. Mas, se não fosse a atual novela das nove (que já foi chamada de “novela das oito”), Amor à vida, eu não teria como explicar, para quem não conhece, essa expressão que eu ouvi muitas vezes nas conversas das mulheres, aos cochichos, nas antigas visitas de domingo.

O fato é que, quando um homem se deixa ludibriar por uma mulher, normalmente bem mais jovem e, para espanto de todos, passa a crer somente no que ela diz e faz, como um cego, como na história dessa novela, lá na Hulha certamente se dirá: O César tomou água de cu lavado... 

Só pode.
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(*) ou do cu lavado...

5 comentários:

Anônimo disse...

Vaz, nunca tinha ouvido falar dessa água, o "Velha" é cultura.
Sensacional! a "água de cu lavado", explicita bem a ideia de fraude.
Saúde e sorte em 2014.
Abraço

Anônimo disse...

Vazamigo

Um Bom Natal tropical, com o Pai Natal em fio dental e barba branca (só) e o Menino no Colégio de Bagé...

Muitas felicidades para os Vazes e em especial para o papá Luiz um Abração, sem esquecer a Maribel

Luiz Carlos Vaz disse...

Em Portugal, Âmgelo, se fala também em "Água das malvas", a sobra do cozimento da nossa velha conhecida planta antibiótica, que teria sido usada para curar alguma infecção nas partes mais íntimas de alguma moçoila: Tomou? caiu no feitiço dela.
Um abraço,
Vaz.

Luiz Carlos Vaz disse...

Ô, alfacinha Ferreiramigo!
De Água de malvas deves entender, é coisa que veio dai da terrinha!!
Bom Natal Gelado, aos teus e, em especial, a "noiva" goense Raquel...
Vaz & Maribel

Luiz Carlos Vaz disse...

Uma das explicações da expressão de origem lusitana pode ser encontrada no livro
"A vida misteriosa das palavras – origem e explicação de modismos, dizeres comuns e frases feitas", de autoria de Gomes Monteiro e Costa Leão
http://urdiduradepalavras.blogspot.com.br/2012/12/agua-de-cu-lavado.html