28 de abril de 2015

Jorginho



Mulher Grávida, Portinari, 1958
Jorginho

Sergio Vaz

Jorginho
Ainda não nasceu,
Tá escondido, com medo,
No ventre da mãe.
Quando chegar
Não vai encontrar pai,
Que saiu para trabalhar
E nunca mais voltou
Pra jantar.
No barraco em que vai morar
Cabem dois,
Mas é com dez
Que vai ficar.
Sem ter o que mastigar
Nem leite para beber
Vai ter a barriga inchada,
Mas sem nada pra cagar.
Não vai para escola,
Não vai ler nem escrever
Vai cheirar cola
Pedir esmola
Pra sobreviver.
Não vai ter sossego,
Não vai brincar.
Não vai ter emprego,
Vai camelar.
Menor carente,
Vai ser infrator
Com voto de louvor,
Delinquente.
Não vai ter páscoa
Não vai ter natal
Se for esperto, se mata,
Com o cordão umbilical.
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Do livro Colecionador de pedras, Global Editora, 2007
O poeta Sérgio Vaz é fundador da Cooperifa

7 de abril de 2015

A "moça do Eclipse"




Quem é a moça da foto?


Recebi da colega Claudete Macedo


Luiz Carlos Vaz, olha que legal: o prof. Ducati enviou e-mail com esta foto em que aparecem os renomados cientistas drs. Abrahão de Moraes e Luiz Muniz Barreto, por ocasião do famoso eclipse em 12 de novembro de 1966, em Bagé. Ele autorizou a publicação para que a gente tente identificar a moça da foto.

Quem  ajuda a identificar a simpática "moça do Eclipse" ?



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1 de abril de 2015

1º de abril. Apenas três lições nos "anos de chumbo"


O deputado Justino e a pequena Angelina. Arquivo da família.


1º de abril. Apenas três lições nos "Anos de Chumbo"

Angelina Quintana (*)

Minha casa, da infância em Bagé, era diferente. Morávamos com os meus avós, pais da minha mãe, as duas irmãs dela, três sobrinhas, meus dois irmãos e meu padrinho. No total, éramos 13. Mas, nem sempre foi assim. Esse formato de lar começou quando o meu pai, o deputado estadual pelo antigo PTB e ex-secretário de educação do Brizola, Justino Costa Quintana, foi cassado pelo Golpe de 64. Ele integrou a primeira lista de políticos gaúchos cassados e, quando saiu da prisão, só havia duas saídas: Deixar o país ou tentar recomeçar a vida em nossa terra natal. Optou pela segunda alternativa. 

Meu pai falava pouco, lia muito e raramente saia de casa. No entanto, nunca perdeu o bom humor. Por isso, vivíamos em meio a muitos cuidados e recomendações. Entre a mais repetida: "Ninguém comenta fora de casa nada do que se fala aqui dentro." Dentro desse contexto, destaco três momentos emblemáticos na minha memória de criança. O primeiro foi quando cheguei do colégio e pedi que o pai me ajudasse a fazer o tema, mostrando-me no Diário de Notícias a foto do Governador do Estado, Euclides Triches, porque deveria colocar no meu caderno. O pai mostrou-me a foto de Triches e disse-me que eu não colocaria aquela foto no meu caderno, porque ele representava a ditadura militar. E, no local destinado ao tema, colocou um bilhete explicando as razões por eu não ter feito o tema. No outro dia, a professora leu, fez cara de braba e mandou que eu sentasse. Não ganhei, nem perdi nota. Ficou um pacto de silêncio no ar. 

Na mesma década de 70, a minha memória registra outro fato marcante. A cidade de Bagé mobilizava-se para receber o presidente Emílio Garrastazu Médici e no meu colégio não foi diferente. Ao retornar do Grupo Escolar Mestre Porto, entreguei ao meu pai a notificação de que era obrigatório esperar a passagem do "ilustre conterrâneo" desfilar pelas ruas da cidade. Eu deveria estar uniformizada (de tapa-pó e lenço de seda marinho), com uma bandeirinha do Brasil em mãos e a desobediência representaria três dias de suspensão. Foi o momento em que o pai endereçou um novo bilhete à escola. Desta vez, destinado à diretora. Fui a única da minha escola que não fui saudar o presidente e não perdi nenhuma aula. E ninguém me perguntou o porquê? 

Assim, fui aprendendo a lidar com o que se ensinava na escola e as verdades da minha casa. A terceira imagem e, talvez, a mais forte também foi na saída da escola. O meu colégio ficava às margens do Arroio Gontan -hoje canalizado e com várias construções irregulares erguidas sobre o seu leito- e, quando eu estava chegando na ponte, vi o meu pai saindo de casa escoltado por soldados armados e entrando num Jeep do Exército. Naquele momento, senti uma mistura de medo do que aconteceria com o meu pai e a vergonha das minhas colegas e amigas que assistiram a cena comigo. Não recordo quanto ele ficou preso, mas que somente a mãe ia visitá-lo e trazia notícias dele e garantia que logo estaria de volta a nossa casa. Ainda bem que, naquela época, eu não sabia que torturavam presos políticos. 

Creio que, ali, começava a aprender a lidar com as mentiras de casa e as mentiras da rua. Depois, avançamos. E muito. Acompanhei com o meu pai o retorno dos exilados políticos, as eleições diretas para governadores e prefeitos das Áreas de Segurança Nacional (Bagé era uma delas), a luta pelas Diretas Já, a Constituinte de 1988 e lamento que ele não chegou a votar para Presidente. 

Diante desse quadro, hoje comemoro que o Golpe de 64, do dia 1º de abril, ficou na História do Brasil como página virada. 

Ditadura nunca mais.
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(*) Angelina Quintana é jornalista e amiga deste blog