25 de maio de 2015

Inferno



O Inferno de Dante, óleo de Sandro Botticelli
“Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas “com autorização da Justiça”? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.”
(Marcola - líder do PCC - entrevista concedida ao jornal O Globo, em março de 2.014)

Inferno

Helena Ortiz

Pois aí está. O pessoal da Lagoa, que há alguns anos pendurava faixas com "Basta", não se organizou suficientemente. Não acreditou suficientemente que estava alimentando o monstro. E agora está preocupado com a fome insaciável e cruel dos ladrões de bicicletas que os esfaqueiam e matam.

É horrível? É. 

Mas é horrível que aconteça em qualquer lugar.

O Rio de Janeiro não é mais a cidade partida. É uma cidade estilhaçada. Agora não importa se são ricos ou pobres, a violência apoderou-se de todos os espaços.  

Isso, já sabemos, é fruto da desigualdade social. Essa desigualdade social passa por falta de moradia, educação, oportunidade e respeito. Também por conta da indiferença com que os ricos olham os pobres em tragédias que parecem ficcionais e que aparecem, de relance, em suas grandes telas de tv. Agora (que susto!) esses bandidos mirins invadiram o território dos ricos. Daí a perplexidade. Os bandidos mirins já não são só figurantes na tv. Eles são protagonistas da vida alheia. Da morte alheia.

O que eu digo é tão antigo, tão repetido que às vezes também me parece banal.

Há poucas chances de diminuir essa discriminação que nos acompanha desde a escravidão e que não terminou com a abolição. Somos um país misturado governado por brancos cujo braço armado, a polícia, tem especial preferência por negros (para bater, prender e matar) sem que sequer reconheçam  a própria cor e a sua condição de discriminados: por serem pobres, por serem negros e por serem polícia.

Sim, a culpa não é toda da polícia. Não há uma política de Estado que se dedique a esse grande problema social. Não há ninguém que queira resolver nada. Todos estão confortáveis em seus lugares reservados.

E repetindo Marcola: Como escreveu o divino Dante: 

"Lasciate ogne speranza voi che entrate."  

Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
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Helena Ortiz é escritora, poeta e edita os blogs:

18 de maio de 2015

Sabes tu o que são essas coisas todas, moço?


Fotografia: Luiz Carlos Vaz


Pedro Moacyr Pérez da Silveira

Sabes o que é olhar paredes nuas muitas horas do dia? Elas ficam ali, moço, como se desde sempre formassem a estrutura da casa. Há também esses móveis, objetos parados, que nunca se movem, pousados em seus lugares como OVNIs ali deixados por mãos já esquecidas. Há a cama que sempre se arruma para depois recolocar o corpo e amarfanhar seus lençóis, e arrumá-los de novo e de novo, numa repetição assustadora e interminável. 

Moço, tu sabes o café na frente, a xícara na mesa, o pão sem gosto, a vida sem gosto também? E vê tu esses entrares e esses saíres através de uma porta sem falar a ninguém, porque ninguém há para um cumprimento ou um relato breve sobre donde se vem. E essa liberdade que não fixa pressas, demoras, atrasos e nem a sensação de que se está ainda no mundo, sabes bem o que é essa liberdade, moço? E esse televisor ligado que vira gente, pra gente achar que tem visita porque uma voz fica dizendo coisas e coisas, quaisquer coisas, mas que são melhores do que as coisas desaparecidas dos olhos, dos ouvidos e da boca? E os assobios dos momentos de asseio, sob a água do chuveiro, entoando músicas imaginárias quase, deixando-as encarceradas num desses boxes sem alma, o inox e o acrílico, substâncias tão modernas e frias? 

Procura pensar tu, moço, num esquentar o almoço e num requentá-lo para a janta, acompanhado por cadeiras sem proprietários, dispostas ao redor da tua távola desabitada. Pensa, e pensa bem, como se a isso puderes ver. Estás assim, moço, nessa desolação e nessa indigência de companhia, confiando num súbito fantasma a aparecer, que te assusta também, mas que ao menos ao teu lado se posta?

Estás? Ora, não te compunjas tanto de teu destino e do momento em que tua vida flutua, como se do nada viesses ao nada fosses. Vem sentar-te nessas cadeiras, almoça comigo e vamos dar cabo desse teu isolamento. Por que te convido? Ora, moço, não me apetece falar um pouco sobre o que não sinto, ainda que possa muito falar sobre o que não conheço. E agora vou parar de chorar, confio que venhas. Traz algum amigo se puderes, que amigos dão luz à vida. Um abraço, vou preparar as coisas todas para recebê-lo em minha casa. Vem um tanto alegre, por favor. Procurarei assim estar também. E traz alguma bebida para espantar o que não me lembro, mas há mais coisas que não fazem bem a espíritos como o meu, quando estão em plena vigília...
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O bageense Pedro Moacyr Pérez da Silveira é escritor, poeta e ensaísta; professor da Faculdade de Direito da UFPel e Doutor em Educação.

10 de maio de 2015

Dia das Mães 2015


Uma Madona moderna, de Carlo Andrey, artista bageense


O poeta Mário Quintana escreveu estes versos há bastante tempo.
Com eles desejamos a todas as Mães do Mundo um Feliz Dia.

Mãe

Mãe... São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.

Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...

Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!

Mário Quintana

Publicado aqui mesmo, em 2010.