21 de setembro de 2020

Que bobagem, isso só acontece no cinema...

 

...a casa era um pedaço de Saigon. Foto L.C.Vaz

Que bobagem, isso só acontece no cinema...


Luiz Carlos Vaz (*)

Sempre quando estou assistindo um filme, e aparece a cena corriqueira em que um cara, seja policial ou detetive... sei lá, o mocinho - ou a mocinha, resolve sair da delegacia, do escritório, enfim, do seu local de trabalho, e vai sozinho, sem comentar com ninguém onde pretende ir, e acaba entrando num casa abandonada, num antigo depósito... e, muitas vezes, acha uma escada que vai até um porão escuro, e ele desce, imaginando que lá poderá encontrar, por ter seguido seu instinto ou uma pista quente, uma pessoa que está desaparecida, um local usado como cativeiro, uma parede com centenas de recortes, fotografias que justifiquem as ações de um serial killer, eu repito sempre: “Isso só acontece em filme mesmo; que bobagem! como uma pessoa vai se embretar num lugar assim, sozinho e sem dizer para ninguém?

Hoje, cheguei em casa e disse: Comprovei que estou errado. Vivi uma cena de filme de terror. Entrei, sozinho, numa casa abandonada!!!

Eu tinha colocado o carro na garagem, já ia para casa, quando olhei mais ao longe, e percebi que uma casa, aqui perto onde moro, estava sem a porta da frente e sem as janelas; elas haviam sido arrancadas. A casa tem um pequeno pátio na frente, e duas grandes árvores dão uma certa cobertura à visão da sua fachada. Mas essa luz, já de Primavera, faz milagres aos olhos de quem sabe ver.

Com a minha inseparável Nikon em prontidão, caminhei uma meia quadra, e percebi que era possível enxergar o pátio dos fundos pelo corredor principal. Como um detetive ingênuo – ou um protagonista de série pra lá de esperto, eu já estava me achando um Perry Mason. fui entrando casa adentro. Os clics iam se sucedendo e eu lembrava, não da minha máxima sobre os caras que se aventuram sozinhos por uma casa desconhecida adentro, eu lembrava do Emílio Santiago. Parecia que uma bomba havia explodido ali... era mais do que uma briga de casal, aquilo era mesmo um pedaço de Saigon; era uma terra arrasada. Nada que tivesse algum valor estava inteiro. Não havia sequer uma porta interna, nenhuma janela havia; nem uma pia de cozinha, uma torneira; um vaso sanitário, ou uma saboneteira sequer, nos dois banheiros... E eu, de forma imprudente e automática, como o jovem Wallander, procurava a escadinha que me levaria a um possível porão.

O cheiro era horrível, e eu só ouvia os meus passos, lentos e compassados, que desviavam de coisas maiores, jogadas para tudo que é lado, evitando pisar em “alguma evidência do crime”.

Com os olhos fixos no visor da máquina fotográfica, sem pensar em mais nada, aproveitando a generosa luz da tardinha que entrava pelo lugar onde antes havia janelas ou portas, uma sensação me invadiu! Tem alguém atrás de mim!

Senti então várias coisas ao mesmo tempo: meus batimentos aumentarem, um suor frio correr pela coluna vertebral e, sem olhar para trás, “vi” um vulto, com alguma coisa na mão, pronto para me atingir pelas costas! Eu tinha no bolso 45 reais que eu recém havia recebido numa casa lotérica, resultado de um bolão da Quina; meu celular e a minha bolsa com meu equipamento fotográfico que, vamos combinar, vale bem mais do que 45 reais...

Me preparei para a pancada que, conforme a força e o local, seria fatal ou não... Nessas situações de perigo a adrenalina é injetada pelos rins, em milésimos de segundo, na corrente sanguínea. É um aditivo natural que te prepara para lutar ou para correr, como me ensinou o Dr. Claudio, meu médico, há muito tempo atrás.

Eu estava ali, imóvel, com cara de detetive esperto de série, já esperando que um diretor gritasse “coooorta”, e eu pudesse me recompor do cagaço, quando um gato passou pelo meu lado, correndo em direção à rua, pisando em todas as evidências, mas, certamente impressionado, com a minha coragem de estar ali naquele lugar, “sem ter avisado aos colegas, sem dizer exatamente onde ia”...

Mas, toda história de aventura e suspense tem que ter um final feliz, uma série boa tem que ter uma segunda temporada. Achei que as fotos batidas já estavam de bom tamanho, e me dirigi para a saída sem ter achado “a escadinha que levava ao porão”. Foi quando percebi no chão algo parecido com uma antiga agenda de anotar telefones, um álbum com capa aveludada, cor de vinho...

Bingo! Era “a minha escadinha para o porão!” Um antigo álbum de fotografias de família estava ali no chão, diante dos meus olhos... era a prova que naquela casa, antes, morava uma família, que comemorava aniversários, natal, visitas de parentes... mas também é a prova de que não damos valor para a nossa memória, para os nossos antepassados, para as nossas raízes. Destruímos casas, memórias, e a nossa cultura. Esse álbum de retratos, não será destruído, ele agora está comigo, e como sempre digo e repito, “eu minto muito, mas sempre mostro as provas”.

Fiz meus estudos de pós graduação sobre Memória Social e Patrimônio Cultural; está escrito lá na assinatura do meu e-mail: “Luiz Carlos Vaz, pesquisa fotografia, arquivos fotográficos e memória social”.

Ou seja, cada detetive que entra sozinho numa casa abandonada acha

“a escadinha para o porão que merece”.

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog