25 de novembro de 2020

Quarto de Despejo

 

 Fotos, montagem, Luiz Carlos Vaz


QUARTO DE DESPEJO


Favela, o quarto de despejo de uma cidade.

Luiz Carlos Vaz

Estou lendo, aos trancos, Quarto de Despejo. Num misto de raiva e tristeza, ódio e esperança, lágrimas e risos... vou vencendo cada folha como se fosse, eu também, um catador de papéis. Minha filha Juliana quando me deu o livro disse: pai, vê se não chora muito!

Escrito em folhas sujas de papel catado, a partir de meados dos anos 50, década em que eu nasci, o diário de Carolina Maria de Jesus, uma favelada, uma catadora de papel que gostava de livros e de ler, só se tornou público uma década depois... Prefaciado pelo colega jornalista Audálio Dantas, o repórter descobridor de Carolina, Quarto de Despejo é também o jornal de uma época. Um jornal que traz notícias velhas, mas que continuam novas; notícias que, lamentavelmente, podem ser escritas hoje, tamanha a atualidade que contêm. Mas não são “notícias” escritas por jornalistas, foram escritas por quem viveu do outro lado das velhas máquinas de escrever Royal; são verdadeiras reportagens sobre a miséria, sobre o abandono, e o descaso social... e escritas por quem “vive sem amanhã”.

Outro dia eu conversava com uma jornalista, minha colega de turma, sobre a vontade que temos, nós dois, de escrever nossas memórias e mandar uma porção de gente à puta que pariu. Ou, pelo menos, à merda, já que as mães não tiveram culpa de gerar gente tão hipócrita, tão insensível e tão usurpadora dos sonhos e das alegrias alheias.

As pessoas que têm, graças ao trabalho alheio, depósitos de milhões, bilhões em bancos do Brasil, do mundo, não percebem que com dez por cento das “suas” fortunas poderiam devolver a dignidade e a esperança aos desvalidos da sorte, além de acabar com a fome e a sede de todos os miseráveis do Planeta. Só dez por cento! Os mesmos dez por cento que os falsos profetas-pastores roubam dos pobres-crentes que ganham apenas UM salário mínimo. Ou menos!

Carolina Maria de Jesus, que estudou somente até “o segundo ano”, lia e escrevia muito. E catava papéis; e catava livros; e catava cadernos escolares de todas as matérias; e lia muito; e escrevia muito. E assim ela escreveu o seu diário. Nele – onde por força da veracidade editorial, está mantida a grafia original, encontramos anotações como essa:

13 de junho  ... vesti as crianças e eles foram para a escola. Eu fui catar lixo. No Frigorifico vi uma mocinha comendo salsichas do lixo.

16 de junho ... O José Carlos está melhor. Dei-lhe uma lavagem de alho e um chá de ortelã. Eu zombei do remédio da mulher mas fui obrigada a dar-lhe porque atualmente a gente se arranja como pode. Devido ao custo de vida, temos que voltar ao primitivismo. Lavar em tinas, cozinhar com lenha.

... Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: - É pena você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rustico.

15 de julho Hoje é o aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu não posso fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço.  Só jantar.

16 de agosto Passei na sapataria. O senhor Jacó estava nervoso. Dizia que se viesse o comunismo ele havia de viver melhor, porque o que a fábrica produz não dá para as despesas.

31 de dezembro ... levantei as 3 e meia e fui carregar agua. Despertei os filhos, eles tomaram café. Saimos. O João foi catando papel porque quer dinheiro para ir ao cinema. Que suplicio carregar 3 sacos de papeis. Ganhamos 80 cruzeiros. Dei 30 ao João.

...  Eu fui fazer compra, porque amanhã é dia de ano. Comprei arroz, sabão, querosene e açúcar.

... Espero que 1960 seja melhor do que 1959. Sofremos tanto no 1959, que dá para a gente dize:

Vai, vai mesmo

Eu não quero você mais.

Nunca mais

 

1 de janeiro de 1960 Levantei as 5 horas e fui carregar agua.

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Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

5 de novembro de 2020

DE CU PRA LUA

 

                                                                                                        Fotografias Luz Carlos Vaz

DE CU PRA LUA

Luiz Carlos Vaz (*)

Minha Mãe sempre usava esse termo, de cu pra lua, quando se referia a alguma pessoa, conhecida ou não, que tinha tido por um momento - ou sempre, uma vida boa, cheia de regalias, ou cercada de coisas ótimas; essa pessoa, segundo minha Mãe, havia “nascido de cu pra lua”. 

Pois eu recebi hoje pelo correio o novo livro do Nelson Motta, DE CU PARA A LUA, e ainda ganhei de brinde o 101 CANÇÕES QUE TOCARAM O BRASIL, este lançado em 2016. Depois de passar alquigel em tudo, abri a caixa e fui conferir o conteúdo da compra, feita ainda no período da pré-venda, lá por setembro ou outubro... valeu a pena o preço, a espera, o brinde, tudo... 

O escritor Nelson Motta escreve como os jornalistas escrevem. Dessa característica, muito forte em determinados colegas-escritores, eu e a colega Vera Lopes gostamos muito. Nelson Motta teve muitas oportunidades na vida, como várias pessoas, aliás; a diferença é que ele soube aproveitá-las. E aproveitou-as muito bem. Conviveu com os maiores gênios da música, da arte e da literatura brasileira. É autor de mais de 300 músicas, com as parcerias mais variadas, desde os tempos da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Tropicalismo, e  inclusive com nomes bem atuais que a gente nem se lembra, ou nem sabe. São dele as canções Como uma onda, Bem que se quis, Dancing Days, Um novo tempo... e por aí vai. Nessa linha musical-profissional produziu também shows pelo mundo afora com os mais variados artistas brasileiros. 

Amado por uns, odiado por outros, Nelson Motta, redator e repórter, trabalhou em vários jornais, emissoras de tevê e participou durante muito tempo do programa Manhattan Connection. Escreveu mais de dez livros biográficos e de ficção. Este livro, lançado agora, é também um documento historiográfico e fotográfico do Brasil, na área da arte, da música e da política. 

Aviso desde já, como sempre faço, que o livro está à disposição, mas... é só para consulta local. Vou dar um tempo nas redes, deitar numa rede, e quem vai ficar lendo, DE CU PRA LUA, agora sou eu.
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(*) Luiz Carlos Vaz e Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog