31 de março de 2021

Um dia de fúria! (e de Vacina)


Fotos de divulgação do filme Um estranho no ninho, com a famosa enfermeira Ratched

Um dia de fúria! (e de Vacina)


Luiz Carlos Vaz

Que horror! Logo eu, que fiz tantos elogios à essa nova fase da vacinação, através do drive thru, agora muito bem organizada, tive que passar por tudo isso...

Quando cheguei ainda cedo, peguei a senha e passei logo para o passo seguinte, o de preencher a ficha, e estava correndo tudo bem, tudo normal, tudo dentro do previsto. Mas notei que a moça, ao conferir meu nome, passou uma mensagem ao restante do grupo que ali estava na tarefa de vacinação. Pensei que ela havia percebido alguma falha no meu documento de identidade, no comprovante de residência, na carteira de vacinas... mas não me falou nada.

Fui avançando mais alguns metros, bem lentamente, seguindo à risca as orientações do funcionário encarregado dessa parte, mas já com um ar preocupado, havia algo de estranho... O que será que estava acontecendo? Foi quando começou o tumulto!! Uma confusão geral tomou conta do recinto! Um grupo grande de moças começou uma discussão generalizada. E eu, com o vidro do carro fechado, abri uma fresta para tentar escutar a algazarra.

Entre frases entrecortadas, xingamentos e outras coisas, eu ouvia coisas como: “Esse sou eu que vou vacinar! Me dá essa seringa! Não, esse é meu!” E a coisa foi tomando vulto... eu temia que as doses, tão caras e esperadas da Vacina, fossem jogadas no chão, se perdessem naquela briga que já envolvia, além das moças, guardas, seguranças, imprensa e os curiosos de sempre.

De repente alguém colocou ordem na casa, foi estabelecido um acordo, e um grupo de enfermeiras dirigiu-se em minha direção, repartindo as tarefas. Uma dizia, “eu levanto a manga; a outra afirmava eu passo o algodão... a loira se prontificava: se desmaiar eu faço o boca-a-boca; eu mostro a seringa cheia; eu aplico”... até que uma, morena, de uns quarenta anos, começou a cantar, com uma pronúncia irretocável:

Non, rien de rien/ Non, je ne regrette rien/ Ni le bien qu'on m'a fait/ Ni le mal/ Tout ça m'est bien égal...

Era ela!! Édith Piaf... ela estava ali para me encantar, me seduzir... então não vi mais as moças brigando para me vacinar! Meus olhos, meus ouvidos - e até meu braço com a manga da camisa levantada, eram só dela, tudo meu era só para ela! Piaf chegou bem perto de mim, como se fosse sussurrar algo no meu ouvido, mas disse em alto e bom som: Vaz, acorda!! Levanta, estás sonhando e falando em voz alta! Está na hora de ir para a fila da Vacina!

A Maribel levantou, ligou a luz do quarto, acabando de vez com o tumulto das moças, com a confusão gerada pela a minha presença... e não havia mais nem sinal da Édith Piaf...

Saí da cama, tomei um café, tirei o carro da garagem e segui até o local do drive thru. Por algum instinto, peguei um CD no porta luvas que foi tocando até chegar lá. Dou um doce para quem adivinhar que música fui escutando!
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Ah! Já ia esquecendo: Todas as pessoas envolvidas no processo da linha de frente da Vacinação, do portão à aplicação da dose hoje, pareciam cantar, com a emoção que o momento pedia, assim:

Non, je ne regrette rien/ Parce que ma vie, parce que mes joies/ Aujourd'hui, ça commence avec vous, CoronaVac!

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P/S A moça que me aplicou a primeira dose da CoronaVac me alertou para possíveis reações, deu várias recomendações e me disse que eu precisava ficar três dias sem... rumm rumm! - um carro acelerou ao nosso lado, e não ouvi direito o que era, agradeci e sai ainda sob forte emoção. Não fiquei sabendo se eram três dias sem cerveja, sem sexo, ou sem mentir. Sem cerveja e sem sexo, três dias... vá lá. Mas... sem mentir, ah! não vai dar!


Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

20 de março de 2021

Nova Temporada

                                                                     fotos e montagem Eliana Valença


Nova Temporada

Eliana Valença (*)

Hoje, dia 20 de março, às 6h38min, iniciou-se o Outono, estação de transição entre Verão e Inverno.

A Natureza, em constante movimento, se recolhe, os dias são mais curtos, as noites mais frias e a paisagem vai mudando lentamente.

As flores viram frutos e os frutos amadurecem nos quintais apurando o paladar para sabores mais diversos: doces, azedos, ácidos... e o perfume das frutas exala em cada canto, em cada jardim, a cada caminho que escolhemos.

E assistimos à doces cenas com roteiros só possíveis nesta estação: a delicadeza chama no portão; é alguém repartindo sua colheita de frutas e recebendo, no outro dia, um bocado de doce.

As folhas, agora verdinhas, vão se pintar pouco a pouco de tons de amarelo, laranja, vermelho, ocre... até o terra, afinal.

O vento também muda a paisagem, balança as copas das árvores, sacode os frutos, purifica o ar, espalha os aromas e convida ao aconchego de um agasalho gostoso, um chazinho de frutas ou um café perfumado!

Mas alguns frutos não resistem a completar seu ciclo e caem do pé antes do tempo.

E como mãe, a terra os acolhe, agasalha e cobre com seu manto macio. Ali irão se preparar toda a temporada até o próximo outono, quando estarão prontos a ser semente e cumprir sua missão: brotar!

É a Natureza exibindo sua série, sempre em nova temporada, sempre com acesso liberado a qualquer expectador que queira assistir, aprender e perceber-se personagem desse elenco.
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(*) Eliana Valença foi aluna do Estadual, é Professora, Artista Plástica e Edita o blog Eli Ana Valença

12 de março de 2021

O último voo do Albatroz

 

Professor Vooren, com sua gaita de fole, e os formandos do ano 2000


Venía la carne con cuero,/ 
la sabrosa carbonada,/ mazamorra bien pisada,/ 

los pasteles y el güen vino/ pero ha querido el destino/ que todo aquéllo acabara.

José Hernandez

 

Bernardo dos Santos Vaz (*)

Cada pessoa tem uma lembrança de um determinado professor que é só dela. O que eu tenho de lembrança do Professor Vooren é que ele terminou o seu Doutorado no mesmo ano que eu nasci, e que tive aulas com ele no curso de Oceanologia na FURG. Fiz embarques e discuti com ele de tudo um pouco, até projetos de conservação e reprodução de orquídeas, assunto que nos interessava além dos mares. Lembro que ele me sugeriu tomar a homeopatia "Petroleum" para evitar enjoos de navio. Não adiantou nada. Depois, durante os embarques, vi que ele, mesmo tomando a tal homeopatia, por vezes passava tão mal quanto os outros, mas não parava de trabalhar por conta disso.

Todo o conhecimento inicial que tive sobre tubarões, raias, albatrozes e petréis, aprendi com ele. Para mim, é absolutamente impossível não lembrar do Vooren, sempre, quando em alto mar. Quando navego na Antártica ou próximo das ilhas que servem de ninhos para os gigantes albatrozes, ainda lembro das suas aulas, do caderno caprichado que eu mantinha com os desenhos, do cheiro de bórax do laboratório, daqueles imensos animais empalhados que eu consigo agora ver voando na minha frente.

Autor de vários livros, Dr Vooren publicou inúmeros artigos
nas principais revistas científicas do mundo

Vooren foi paraninfo da minha turma e nos levou para a colação de grau tocando sua icônica gaita de fole. No jantar com os afilhados, dias antes da formatura - um assado gaúcho, descobri mais um Vooren! Um “holandês pampeano”, leitor cuidadoso da literatura cisplatina, que recitou versos do Martín Fierro, de José Hernández, e nos deu uma última e inesquecível lição de igualdade naquela noite.

Depois de formado passei a encontrar o Vooren em feiras de livros e debates literários. O último foi junto com Aldyr Garcia Schlee e a professora Cátia Goulart, no Cassino. Lembro de tê-lo fotografado e que ele, assim como eu, sequer piscava acompanhando a maravilhosa charla do Aldyr.

Tenho uma imensa gratidão por ter sido seu aluno e tanto ter compartilhado.

Muito obrigado por tudo, Professor Carolus Maria Vooren!

(Rotterdan, 14-11-1941 – Rio Grande 12-03-2021)

Pelotas, 12 de março de 2021

(*) Dr Bernardo dos Santos Vaz, Oceanólogo e ex-aluno

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Nota publicada pela Universidade Federal de Rio Grande

A FURG comunica com pesar o falecimento do professor Carolus Maria Vooren, ocorrido nesta sexta-feira, 12 de março.

Vooren ingressou na FURG em 1979, no Instituto de Oceanografia (antigo Departamento de Oceanografia), depois de atuar no país natal Holanda, na Nova Zelândia e no Caribe. Foi pesquisador responsável pelo Laboratório de Elasmobrânquios e Aves Marinhas. Coordenou, e foi um dos criadores, do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Biológica. Pesquisador reconhecido internacionalmente, Vooren foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para Estudo dos Elasmobrânquios, que incluem tubarões e raias. Suas inúmeras pesquisas contribuíram significativamente para o avanço do conhecimento e para a conservação dos tubarões e raias no Brasil. Aposentou-se em 2010 e em 2017 recebeu a distinção de Mérito Universitário, entregue durante a Assembleia Universitária alusiva aos 48 anos da Universidade.

A universidade se solidariza com familiares e amigos neste momento de pesar e declara luto oficial.