Uma linda visão
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Rodrigo Monteiro
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A inteligência de um encenador está quando o que é dito e a
forma como o que é dito é dito se casam. “A primeira vista” (A Beautiful
View”), escrito em 2006 pelo canadense Daniel MacIvor, ganha a direção de
Enrique Diaz num belíssimo exemplo dessa inteligência. Os personagens de
MacIvor são fluídos, são livres, habitam um mundo onde as barreiras são
inconvenientes, estranhas, deslocadas. Sendo algo, esse é o conteúdo. E a
forma? MacIvor não começa, nem termina as cenas de um jeito claro. As palavras
se perdem no meio das frases, os encontros e os desencontros se misturam, os
assuntos nascem e morrem sem que o leitor (estamos falando do texto) perceba,
as emoções se confundem. Por sua vez, Diaz opta por manter o palco limpo
(estamos falando da peça) com poucos recursos em cena e dirige as
interpretações das atrizes no sentido de estarem tão próximas do real além da
narrativa que o limite entre teatro e não-teatro parece não existir. O
resultado é a construção de uma dramaturgia cênica intimista, acolhedora, humana.
Estar na plateia de “A primeira vista” é como simplesmente ouvir duas amigas
contarem a sua história. Você as conhece, logo não precisa ouvir seus nomes.
Elas conhecem você, logo não precisam trocar de roupas para te receber. Estamos
todos em um local amigável, logo sentir-se à vontade é conseqüência.
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Duas mulheres, delicadamente interpretadas por Drica Moraes e
Mariana Lima, se conhecem em uma loja de artigos para camping. Reencontram-se
casualmente depois em um show. Um dia, uma noite, elas ficam juntas. Uma pensa
que a outra é lésbica, sem que nenhuma das duas saiba que, para outra assim
como para si, aquela foi a única experiência sexual com uma pessoa do mesmo
sexo que teve. A vida segue e novos encontros entre as duas acontecem. O ponto
de partida de MacIvor é um lugar no futuro em que ambas lembram o passado,
tentando unir as peças, buscando, talvez, algum sentido para a vida que, de
alguma forma, compartilharam. O ponto de partida de Diaz é apagar qualquer
obstáculo que impeça que elas se encontrem e, sobretudo, que o público as
encontrem.
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Metateatro, ator rapsodo, stand-up comedy com história,
indietheater… Teoricamente, há vários conceitos confortáveis a partir dos quais
é possível analisar “A primeira vista”. De uma forma geral, a consciência de
que estamos num teatro em que duas atrizes interpretam duas personagens é
mantida pelo visível esforço no apagamento das marcas que redundem essas
noções. Enrique Diaz que, nos mesmos moldes, dirigiu o sucesso “In On It” (do
mesmo Daniel MacIvor), mantém o que é imprescindível para o efeito de
espetacularidade acontecer: um perfeito desenho de luz, esse assinado não menos
por alguém como Maneco Quinderé, cujo ponto alto é o black-out reflexivo no
meio da peça, e uma sonoplastia/trilha sonora criada, escolhida (Fabiano
Krieger e Lucas Marcier), operada (Lucas Marcier) e interpretada (Moraes e
Lima) de forma excelente nos mínimos detalhes. Pontuais, seguros, ricos: os
usos da iluminação e da trilha sonora não são ilustrativos, mas informacionais.
As escolhas, assim como a opção por figurinos simples (Antônio Medeiros), mas
não menos interessantes, expressam a concepção como um todo, definem o
espetáculo como uma estrutura circular e, talvez, por isso, confortável,
palatável, agradabilíssima.
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Ainda que os focos caiam sobre Drica Moares que, com a saúde
recuperada, volta aos palcos, não é possível dizer que ela apresenta um
trabalho melhor que Mariana Lima. Ambas estão igualmente ótimas em cenas:
exibem um discurso dito aos solavancos, com movimentos dispersos e palavras
cortadas pela metade. Tudo que o que poderia parecer ruim, aqui é excelente
porque perfeitamente coerente com o texto e com a concepção. Em momentos
determinados, gestos disciplinados em giros certeiros, pausas bem marcadas,
entonações bem dirigidas. A personagem citada Sasha, o camping, o medo do urso,
a visão da cachoeira ganham importância, fazem sentido, são marcas de coesão. E
só são porque o devido valor lhes foram dados.
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“A primeira vista” corta de uma forma muito sutil, enquanto
nos oferece “uma bonita visão”. O passado, no seu lugar idealizado, é
humanamente mais bonito. Quanto à tona, ele nos pergunta: “Por que estou aqui?
O que farão comigo agora vocês que me despertaram?” Então, vem a catarse, o
choro, a reflexão e o aplauso. Aquele do tipo grato, sincero, orgulhoso,
honrado de compartilhar com elas (?) as suas histórias recém contadas.
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Rodrigo Monteiro
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Rodrigo Monteiro edita o Blog Crítica Teatral
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Terça (26/06/2012) às 21h o Theatro Guarany será
palco da peça A primeira vista, com
Drica Moraes e Mariana Lima, direção de Enrique Diaz. Ingressos antecipados na
Otros Aires (Anchieta, 2.399 – em Pelotas), mediante um quilo de alimento não
perecível, por R$ 60,00 (plateia), R$ 45,00 (camarote 1ª ordem) e R$ 30,00
(camarote 2ª ordem).
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2 comentários:
Excelente espetáculo que merece ser visto!
Obrigado por comentar aqui, Rodrigo.
Um abraço gaúcho
Vaz
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