30 de março de 2013

Aleluia para três vaqueanos

Foto Alexandre S Gomes


Aleluia para três vaqueanos

Paulo Mendes

A tarde daquela sexta-feira se espichou preguiçosa até às 4h. Recolhíamos os pelegos da sesteada debaixo dos cinamomos quando enxergamos, no poente, uma grossa nuvem negra que se formou de repente. Logo depois vieram raios e trovões. A chuva desabou graúda, encharcando tudo, campos, várzeas, a estrada real parecia um rio. O pátio salpicava e logo depois se formaram poças e torrentes.

Seu Agripino, encostado na porta do bolicho, deu-se conta de que o Passo dos Buracos ia encher e que talvez o melhor fosse pousar. A mula Pedrita pastava ao lado do Tostado no potreiro, perto das taquareiras. As tambeiras trotearam junto com os terneiros para a mangueira. Juca, o cusquinho hosco, comera tanto resto de comida que dormia a sono solto num oitão do galpão das lenhas.

Seu Agripino naquela noite nos contou sobre umas cidades que visitara, tempos atrás, acompanhando o patrão, onde no Sábado de Aleluia era comum o povo fazer uma tal de Malhação de Judas, atando um boneco numa árvore ou num caibro, passando o laço, carcando a sova, atirando pedra, esgualepando o pano, para vingar a traição ao Cristo.

Eu e meu primo da cidade ficamos só escutando, imaginando aqueles lugares distantes, lá para onde iam todos os anos os bois gordos da antiga Fazenda Coqueiro, uma pioneira na criação do gado Charolês, e que agora, conforme nos contara seu Agripino, iria se transformar numa granja, com grandes lavouras de soja.

Depois, quando os causos descambaram para as assombrações, minha mãe nos mandou dormir. No outro dia, ainda cedo, soube que seu Agripino se acomodara no galpão, sobre os pelegos e se tapou com seu velho poncho de baeta colorada. Era um gauchão dos antigos, tinha tropeado, fora alambrador, era afamado por saber curar uma rês bichada, exímio castrador e, diziam, sabia preparar um cavalo para uma carreira de cancha reta.

Viúvo, agora vivia solito com alguns peões num fundão de campo, numa estância que estava se findando. Depois do mate e do café, seu Agripino encilhou a Pedrita e saiu ao tranco, de volta pra casa. Eu e o primo ficamos surrando um improvisado Judas de estopa.

Lá na estrada víamos a mula, que sabia o caminho, o velho que carregava o cachorro.

Qual deles o mais vaqueano, quem seria o mais gaúcho, qual dos três o mais campeiro?
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Paulo Mendes escreve todos os domingos a coluna Campereada no jornal Correio do Povo. Contato com o autor pelo mail pmendes@correiodopovo.com.br
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