Foto: Marcelo Soares, em diário de canto |
O Pai da noiva (*)
Sérgio Vaz
* Baseado em
fatos reais
O casamento
estava marcado para as 18 horas, mas como toda noiva que se preze, Tereza
também chegou atrasada, coisa de meia hora. Não foi fácil conseguir esta
igreja, então não era bom abusar da paciência do padre. Do lado de dentro um
calor lascado. Os convidados e os padrinhos suavam em bicas.
A pequena
catedral estava lotada -a noiva era muito querida no escritório onde
trabalhava, até o gerente estava lá.Quando a noiva surgiu na porta foi um
alívio para todos. Muitos só pensavam na festa e no chope gelado. “Que calor!”,
disse um coroinha.
De braços dados
com o tio, já nos primeiros três passos que avançava para o seu casamento
começou a chorar. Chorava de emoção, mas também porque seu pai não podia estar
ali, de braços dados conduzindo-a ao altar como sempre sonhou.
Chorava porque
naquele exato momento seu herói estava internado numa cama de hospital e não
podia ver sua princesa casando-se com um príncipe, como ele sempre lutara para
que isso acontecesse.
Cada passo uma
lembrança. Cada passo uma lágrima. A noiva chorava copiosamente. Muitos dos
convidados também choravam enquanto ela caminhava para o altar.Feliz pela
metade, ela só conseguia pensar: “queria que meu pai estivesse aqui”, e
chorava.
Do outro lado da
cidade, na cama do hospital, seu Durval, entre uma dor e outra, caminhava com
ela em pensamento. E também pensava: “como eu queria estar lá”, e chorava
também. Na vizinhança não se conhece tamanho amor entre pai e filha como o dos
dois.
O casamento só
aconteceu porque já estava marcado há muito tempo e por insistência do pai,
pois por ela, que se danasse tudo.O sonho do pai sempre foi vê-la de noiva e o
dela era ser conduzida pelo pai. A Mãe era testemunha desse sonho, por isso
chorava com eles.
Quando chegou em
São Paulo, aos 23 anos, fugindo da seca e do desemprego na sua cidade, seu
Durval era apenas mais um, perdido na cidade grande. Uma mala na mão e na
outra, nada. Foi assim que pisou na selva de pedra.
Já na rodoviária
conseguiu um emprego numa obra na Avenida faria Lima. Sem dinheiro para pensão,
morou por seis meses no trabalho, junto com outros conterrâneos. Enquanto
construía o prédio sonhava que construía sua própria casa. Por conta disso, do
amor com que trabalhava pensando que construía sua própria casa, logo conseguiu
uma promoção, de ajudante passou a ser pedreiro.
Um pouquinho
mais no bolso alugou uma casa na periferia da Zona Sul. Coisa pequena. Quarto e
sala e um banheiro com chuveiro de água quente.
Seguiu assim,
construindo casas como se construísse um lar.
Conheceu
Esperança num baile perto de casa e com pouco tempo já estavam morando juntos,
amasiados pela força do amor.
O sonho de
Esperança sempre casar de papel passado, na Igreja, porém, como não tinham
dinheiro adiaram para sempre este desejo. Quem sabe um dia...
Esperança sempre
foi mulher de fibra, quando construíram a própria casa depois de muitos anos,
foi ela quem carregou os blocos de cimento para dentro do quintal. Ela quem
trazia água para a massa do cimento. Ela é quem era a ajudante geral. Ela
ajudou a construir a casa em que moram com o mesmo amor em que deu a luz a suas
três filhas. Por isso, chorava no casamento. Chorava por amor e pela ausência
do marido.
Em meio à
saudade teve tempo de lembrar que filha realizava o sonho dela: “casar vestida
de noiva”. E chorava como mulher, Chorava feito mãe.
Já no altar,
fitou a mãe, e ambas trocaram lágrimas que inundavam o sorriso.
Faltava o pai,
mas o dia era de felicidade. Elas sabiam disso. Então riam e choravam ao mesmo
tempo.
O marido,
enquanto lhe aliançava ganhou de presente um dos sorrisos mais lindos que o
mundo já produziu, e de quebra, um sim que valia por três. Tudo lindo, mas ainda assim lhe faltava o pai.
Depois do banho
de arroz todos entraram em seus carros e foram direto para a festa. Quase
todos. Tereza e o marido pediram para que o motorista desviasse um pouco do
caminho e foram, ele de terno e ela vestida de noiva, direto para o hospital
pedir a benção do pai.
Ao vê-la no
quarto do hospital Durval custou acreditar que estava vivo.
Choravam o pai,
a filha, as enfermeiras, o marido, os médicos, os curiosos, os outros doentes,
o hospital virou um vale de lágrimas. De alegria.
A vida doía, mas
ainda assim valia a pena. Pensou o pai com um tubo enfiado no nariz e um buraco
aberto no peito.
*De sonho
realizado seu Durval morreu uma semana depois.
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Sergio Vaz é poeta e fundador da Cooperifa
(*) Do livro
"Literatura, pão e poesia", Global Editora
.
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