1 de junho de 2013

Ora agora, vira - Mergulho e morte

Cabo da Roca,  Sintra, Foto LC Vaz

Ora agora, vira
Mergulho e morte
Antunes Ferreira
direto de Lisboa

O desastre vinha e era transmitido em toda a imprensa, televisões e rádios e até no Facebook e no Twister. Um mergulhador que buscava achar vestígios de um barco afundado no qual dizia-se que havia um tesouro escondido. O malogrado com um gesto inesperado e fatal arrancara o tubo da máscara e fora puxado pelo barco de pesquiza já morto. Imagens da triste ocorrência mostrando o mergulhador, e declarações dos familiares, sobretudo da mulher e dos filhos todos em lágrimas. Os repórteres fotográficos enviavam essas imagens de máquina digital via satélite enquanto os outros de suporte papel faziam quase exatamente a mesma coisa.

Estava em Braga, numa viagem turística, com a família satisfeitíssima, e fomos visitar a Sé e a Senhora do Monte, depois de termos passado por Guimarães para mostrar ao Miguelzinho o castelo onde nasceu Portugal e o Palácio dos Duques de Bragança. Alias a minha Tânia também não conhecia nem uma nem a outra cidade e por isso ficámos lá dois dias e contávamos seguir para Trás-os-Montes e Gerês quando recebi uma chamada da Ilha do Pico. Tratava-se do Senhor Fernando Flores, pai do inditoso mergulhador, pedindo-me para me deslocar ali a fim de averiguar o desastre que roubara Hernâni Flores, pois ele pensava que se tratara de assassínio.

Tal como fizéramos à ida tomámos um Aerobus que fazia a ligação entre Lisboa e Porto, no caso entre Porto e Lisboa, depois de interromper o périplo de férias e eu prometi que tornaríamos a dar a volta, Aterrámos na Portela e fui tratar da viagem para os Açores, onde há pouco tempo, coisa de dois meses, tinha estado para averiguar o caso da mulher enforcada. Cheguei a Ponta Delgada e segui para a Terceira no ferry-boat que liga as duas ilhas. Era o que Vitorino Nemésio chamar num dos livros mais importantes da Literatura Portuguesa «Mau Tempo no Canal». Atracámos no porto da Madalena e dirigi-me de táxi para a casa do Senhor Fernando Flores onde se respirava um ar sorumbático com os donos da casa de luto carregado.

Bebemos quase em silêncio um copo de vinho do Pico, a Senhora Dona Ana ofereceu-me uma chávena de chá Gorreana e uns bolinhos locais e entrámos, o Senhor Flores e eu no assunto melindroso da morte do se filho Hernâni, o que lhe fez chegarem as lágrimas, o que motivou o Senhor Flores a dizer que um homem não é de pau. Adiante. Tinha ele quase a certeza de o seu filho fora assassinado, apesar do que diziam um desastre apenas, como se fosse o inditoso Hernâni o próprio culpado da sua própria morte, o que seria um suicídio Alias um homem aprumado e bonito, quer ver umas fotografias dele? Com certeza que queria. Numa delas estava ele com a mulher e um casal de filhos, tornadas, ela viúva e as crianças órfãs.

E porquê assassínio? Porque alguém lhe tirara a máscara debaixo das ondas. E esse alguém seria outro mergulhador? Tinha a certeza que se tratara de outro mergulhador que mergulhara atrás do Hernâni e que imediatamente voltara à tona desembarcando sabe Deus onde. O que era preciso era saber que fora essa figura misteriosa! Prometi fazê-lo sem margem para dúvidas pois eu próprio sentia na pele o desgosto deles. Deu-me um bacalhau forte e um abraço e disse-me que ganharia o que eu entendesse porque eram um tipo abastado. As viagens para todas as diligências também correriam por conta dele. Homem aprumado e de arcaboiço forte perfilado como se fosse militar!

Depois de despedir-me dele, ainda me aconselho a dar uma volta pela ilha para ver as cavernas dos piratas num táxi dum amigo dele, o João Faustino que era natural do Pico. Assim fiz e tudo me pareceu interessante. Voltei à Terceira, mais precisamente à capital Angra do Heroísmo e fui conversar com o compadre dos Flores que o pai me tinha indicado: o comerciante Manuel Martins que morava quase junto da base das Lages porque ele conhecia o patrão da firma que tinha os mergulhadores. Ele informou-me que igualmente tinha quase a certeza que o Hernâni fora assassinado pois que além do mergulhador misterioso, ele nunca fora homem para suicidar-se, pois muito pelo contrário amava a vida sobretudo com a família.

Um caso bicudo este que se me deparava. Palavra puxa palavra ele inclinava-se para o mergulhador desconhecido que seria um tal Onofre do Espírito Santo. E como cúmplice que o devia ter ajudado a arranjar a vestir o material de mergulho, desde a máscara até às botijas de oxigénio incluindo as barbatanas, o Vasco China que toda a gente o conhecia de ginjeira. Restava agora encontra-los, tarefa que era um pouco difícil pois que ambos tinham desaparecido, como se tivessem vogado no ar.

A GNR do Pico começara as investigações, pois o Pico não tinha Judiciária, mas passara-as para Ponta Delgada onde o meu conhecido subinspector Medeiros as continuava, sobretudo para demonstrar que fora um acidente e não um suicídio. Desta feita o Xavier Pintado, que voltara a Lisboa a toque de caixa, não participava. O Senhor Flores informara o Medeiros que fora um assassínio e que já se sabia quem era o criminoso e o cúmplice só que os dois tinham-se eclipsado. Medeiros ficou convencido e disse ao pai desmoralizado que envidaria os maiores esforços, e que a Policia Judiciaria iria visitar todas as ilhas da Região Autónoma para ver se conseguia encontrar - e cito o que disse  os filhos da puta!

E mais: quando os caçasse veriam como elas os haviam de morder, pois estava cheio de ódio aos sacanas, dado que compreendia a dor da família e ainda por cima sabia de contacto pessoal que o Hernâni era um gajo bué da fixe, que até se tinham tornado amigos. Assim sendo afirmara ao Pai Flores que podia ter a certeza de tal procedimento. E ajuntara que era uma pena não haver pena de morte em Portugal e ele seria o próprio a dar-lhes dois tiros nos cornos!

No fim da semana descobri que eles estavam escondidos na ilha de Santa Maria. Não posso dizer como o fiz, mas apenas porque era um rapaz porreiro segundo me disse uma determinada pessoa. Meti-me num avião da SATA e cheguei ao aeroporto de Santa Maria e apenas chegado avancei para o esconderijo dos dois energúmenos onde cheguei num táxi que tinha apanhado no aeroporto. Ficaram os dois de olhos esbugalhado e o Onofre até teve a desfaçatez de me perguntar como é que eu os descobrira. Dei-lhe um murro nas vendas, um directo à ponta do queixo com tal força que o malandro caiu no chão desamparado e ficou nocaute. O cabrão do China borrou-se pelas pernas abaixo  é a pura verdade  e apesar da merda ajoelhou-se pedindo-me que não lhe batesse, o que eu ignorei e dei-lhe um pontapé nas partes baixas que o arrumou a chorar.

Terminando o caso, com o Medeiros lixado, voltei ao Pico. O Senhor Fernando Flores e a Senhora Dona Ana agarram-se a mim e entre soluços disseram um simples obrigado. Recebi o cheque mais do que o combinado, o que agradeci ao Senhor Flores. Um final feliz por entre as brumas que eram os seus horizontes

Voltei a Lisboa e ao chegar a casa foi o habitual que nem preciso contar. Peguei na família e fomos dar a volta que eu interrompera. De Bragança fomos ao Gerês, daí seguimos para o Gerês Espanhol. Na Casa da Deveza comemos um churrasco de cinco estrelas e dormimos lá por causa das bóbidas. Descemos a Miranda do Douro e por Freixo de Espada à Cinta voltámos a Lisboa com o etc. e tal como sempre acontecia.    

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Antunes Ferreira por ele mesmo: Jornalista, antigo chefe da Redacção do Diário de Notícias (1975/1991). Rádio: TSF e outras; TV: RTP1 e TV2. Cronista: A Bola, maior jornal desportivo; Elan, a primeira revista para homens; Correspondente das espanholas Tiempo, Interview, Gaceta de los Negocios e da RNE e da TVE. Política: candidato a deputado e Chefe da Redacçao do Portugal Socialista. 
Sou militante do PS, Partido Socialista, de Mário Soares. Antes, da ASP (1969). Lutei contra a ditadura desde a campanha eleitoral do Gen. Humberto Delgado (1958). Três vezes interrogado pela então PIDE. Etc... Dos livros escritos, o primeiro de ficção (Abril 2008): «Morte na Picada», contos da guerra colonial em Angola 1966/1968. Assessor para a Informação do ministro das Finanças, Prof. Sousa Franco, meu colega desde o Liceu até à Faculdade de Direito. Director de Comunicação da Comissão Euro (divulgação da nova moeda única). Dei aulas em duas universidades (privadas) em Lisboa. Gosto muito de leccionar e... os alunos diziam que gostavam de mim... Pelo menos, até lhes dar as notas... Imeile ou Imilio: hantferreira@gmail.com
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2 comentários:

Anônimo disse...

Vazamigo

Vim cá enquanto o Diabo esfrega um olho e gostei. Muito. Muitíssimo. Muitérrimo!!!!

Qjs prá Maribel abçs aos filhotes e um abç com festas nas costas para tu

Henrique

Luiz Carlos Vaz disse...

Gracias, Ferreiramigo,
em breve andarei novamente por aí... beijos a Raquel.