27 de setembro de 2025

QUANDO TERMINA O INVERNO...

 

Imagens do arquivo do autor


Pedro Bittencourt Jr. (*)

 

O inverno acabou. Que pena.

Não mais a sopa de capeletti, a lenha estalando na lareira, as noites de vinho tinto;

Quando termina o inverno, vão-se os bolinhos de chuva, as tortas fritas roda de carreta, vai-se o chimarrão na janela.

O inverno acabou. Que pena.

Não mais a gabardine nos dias de garoa, o casaco pesado do Uruguay, a jaqueta corta vento, de vinte e nove e noventa, comprada nos camelôs;

Quando termina o inverno, somem as meias furadas, o pijama bege calcinha, desaparecem as pantufas felpudas e as botinas de couro marrom.

O inverno acabou. Que pena.

Não mais a preguiça nas manhãs de domingo, as tardes de descascar bergamota ao sol, as noites com os pés procurando outros pés por debaixo das cobertas;

Quando termina o inverno, vai-se o por do sol do inverno, vão-se os suspiros de inverno, vão-se as promessas de inverno...

O inverno acabou. Que pena.

Viva a primavera!!!

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 (*) Pedro Bittencourt Jr. é de Arroio Grande, advogado de profissão, escritor e poeta.

23 de setembro de 2025

Claudia Cardinale

 

Poster com a cena do filme Os Profissionais


Luiz Carlos Vaz (*)

    Ainda estávamos nos anos sessenta quando uma revista publicou um poster dela;  era uma foto de uma cena do filme Os profissionais. Mesmo que impressa em preto e branco, aquela imagem, além de ganhar cor, mostrava movimentos, sons... e era um mistério. Ajeitei um pedaço de papelão reforçado, colei a folha da publicação e pendurei na parede do meu quarto, de modo que quando eu estivesse deitado, ela ficasse sempre ao alcance dos meus olhos, me olhando, falando comigo, sorrindo.

       Fui crescendo, e meu amor por ela também crescia. Até em maior grandeza do que de meus músculos e ossos, eu creio.

       E vieram outros tantos filmes; Era uma vez no Oeste, Rocco e seus irmãos, Oito e meio, O Leopardo, Fitzcarraldo... e, mesmo não morando mais naquela casa da minha infância e adolescência, a imagem daquela mulher da fotografia, que supostamente teria sido sequestrada por Jesus Raza, sempre habitou meus sonhos e delírios. Eu sei, claro, que aquele sorriso também era por Raza. Só que ela sempre esteve ali, presa na parede do meu quarto. E era só minha. Só minha! E eu a amava...

         E agora me dizem que ela morreu...

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo, Escritor e Editor deste Blog

30 de agosto de 2025

"As pessoas não morrem, ficam encantadas" (*)

 

L.F. Veríssimo e livros. Uma coisa só...

            Quem atura minhas conversas no Mercado sabe que sou um baita puxa-saco do Hobsbawn. Conheci esse cara graças à Professora Letícia, quando era aluno do PPGMP. Foi amor à primeira vista. Ele já havia traduzido em palavras tudo aquilo que eu pensava sobre Tradição, Memória... e outros temas dessa área toda que me encantam.

            Há tempos encontrei na Livraria Desterrados, do Tasso, um livro dele. E, de bônus o prefácio era do LFV, um cara que eu acompanhava desde que ele publicava a tirinha As Cobras, na maravilhosa Folha da Manhã, da “séria” Companhia Caldas Jr. (Agora viajei aos distantes anos 70...) Tão logo o LFV publicou seu primeiro livro, O Popular, tratei de ir até a Livraria do Globo e adquiri meu exemplar. Lia ardorosamente suas crônicas, e cheguei a escrever ao cronista, reclamando que numa charge sobre uma “festa de fim de ano em POA”, estava ausente a personagem “Eumir”, rsrsrs. Que desaforo! De nós dois, claro. Dele pela supressão do Eumir na festa; meu, por reclamar. Falei isso para ele, em julho de 2011, no aniversários de 200 anos de Bagé, ele achou graça, claro, mas não quis comentar...



https://velhaguardacarloskluwe.blogspot.com/2011/07/bage-bicentenaria-una-noite-de_15.html


             Ler o Veríssimo era uma alegria.

              Era? Desculpem. É, e será sempre!

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Tenho a mania de guardar as notas fiscais dentro dos livros. Mania? TOC? Olha... pode ser uma fonte de pesquisa num futuro distante...


(*) frase de Guimarães Rosa

9 de agosto de 2025

Meu Quixote no Pequeno Inventário de Plateias


 

Luiz carlos Vaz (*)

Conheci através do Instagram um grupo chamado “Pequeno Inventário de Plateias - Cinemas de Pelotas”. Como o cinema é um tema que me interessa, comecei a seguir, fui fazendo alguns comentários nas publicações, até que um dia o pessoal entrou em contato comigo e me pediu um depoimento. Puxa, eu não podia negar... O tema era o de uma crônica que publiquei num dos meus últimos livros, sobre um filme que tentei assistir no antigo Cine América, lá em 1976... Sim, tentei, pois logo na primeira parte faltou “luz”!

Séculos depois, num domingo de manhã, a minha amiga Mirian Iost me mandou uma mensagem com uma foto do Cine América; conversamos sobre o que ela queria saber, e lembrei que nunca mais havia me encontrado com o filme de Arthur Hiller, O Homem de La Mancha.

Era domingo, acessei uma dessas coisas que chamam de “streamings” e achei o filme! Fiz meu mate, e num obsequioso silêncio de 8 horas da manhã, me reencontrei com o valente Cavaleiro Quixote, a belíssima Aldonza e o Sancho. Ah! E com os temíveis Moinhos Gigantes...

Fernanda Machado, L.C. Vaz e a ilustração da Artista

Esta semana recebi o convite para a abertura da Exposição, pois minha narrativa foi uma das escolhidas, e mais, foi ilustrada com uma criatividade digna da grandeza dessas figuras todas, pela artista Fernanda Machado. Ontem, na exposição, tive o prazer de conhecê-la e conversar bastante sobre essas coisas todas. E hoje, literalmente, “trocamos figurinhas”: autografei a ela meu livro MEMÓRIAS DE UM MAU TEMPO (edições Ardotempo, Porto Alegre 2023) - onde está publicada a crônica, e ela me presenteou com uma Gravura feita na técnica de monotipia em vidro. De inhapa fiz amizade com a María Isabel Anita Carmen de Jesús Vargas Lizano, ou... para os íntimos, Chavela Vargas, que aparece numa das fotos junto à Roberta.

"Trocando figurinhas", e a Chavela posando para a foto!

Mas... a canção entoada pelo Cavaleiro da Triste Figura e seu fiel escudeiro, Sancho, até hoje não sai da minha memória... “Ouçam bem a história que vou lhes contar/ De um mundo injusto e cruel/ Um senhor cavaleiro de nobre ideal/ Empunha sua lança no ar/ Eu sou eu, Dom Quixote/ Senhor de La Mancha/ E o meu destino é lutar/ Pois quem não se aventura/ Com fé e ternura/ O mundo não pode mudar/ Não pode o mundo mudar/ Quem não se aventurar/ Sou Sancho! Sim, sou Sancho!/ E hei de servi-lo sempre assim/ Eu juro que me orgulho/ Escudeiro até o fim/ Infiéis, imorais e serpentes do mal/ É chegada a hora da lei/ Pois o dia raiou com esperança afinal/ No mundo que eu sempre sonhei/ Não pode o mundo mudar/ Quem não se aventurar...”

Em tempo, a exposição que inaugurou ontem, 8 de agosto, pode ser visitada até o dia 8 de setembro, no Espaço de Arte Daniel Bellora, na rua Três de Maio, 1005 – Pelotas, (53) 4001-2225. 

Dica: Tem pipoca no local !

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo, Escritor e Editor deste Blog


2 de agosto de 2025

Honrando a Pátria

 

Ilustração de Samuel Walters, pintor inglês (1811-1882)


Henrique Pires (*)

 

Era agosto. Mais precisamente, dia 24 do ano de 1848. O Brasil havia encomendado da Inglaterra um barco de guerra – uma fragata – e como a encomenda estava pronta, foi enviado o então Capitão de Mar e Guerra Joaquim Marques Lisboa para fazer os testes de praxe e depois conduzir a nave ao Brasil.

Lisboa tinha 41 anos e havia sentado praça na Marinha aos 14, como voluntário, e já era, naqueles tempos, um dos mais destacados oficiais navais brasileiros. Dom Afonso foi o nome dado ao moderníssimo barco que seria entregue aos brasileiros, movido a vapor. Num autêntico “test-drive” zarpou do Porto de Liverpool para o passeio e entrou oceano adentro naquela brumosa manhã britânica.

Mas era agosto, sempre é bom lembrar.

O Capitão Lisboa, gaúcho da cidade de Rio Grande, ia conduzindo a nova fragata, que zingrava repleta de convidados ilustres do governo brasileiro, como Dona Francisca, irmã do Imperador; seu esposo, o Príncipe de Joinville; a Princesa das duas Sicílias e seu esposo Duque de Aumalle; dentre outros tantos que desfrutavam da excursão experimental. Eis que um marinheiro avisou que – ao longe – dava para ver um enorme barco incendiando. Lisboa ordenou que corrigissem o rumo e foi até o local da fatalidade, onde ardia em chamas o Ocean Monarch, um moderníssimo navio de carga construído em Boston e navegando há apenas um ano com a bandeira norte-americana, levando 396 pessoas – àquela altura, em pânico – a maioria imigrantes que deixavam o Velho Continente com destino aos Estados Unidos da América.

Com o navio incendiando, 60 pessoas já haviam se jogado ao mar, outras tantas permaneciam em meio ao fogo e às espessas colunas de fumaça negra que em pouco tempo tomaram conta de toda a enorme embarcação que zarpara naquela mesma manhã. A ação do futuro Almirante Tamandaré, o capitão Lisboa, resultou no salvamento de 160 pessoas embarcadas, mais os que estavam no mar.

Outras embarcações deslocaram-se para ajudar, sendo os brasileiros responsáveis por conseguir salvar em torno de 200 pessoas. A fatalidade vitimou mais de 100, que sucumbiram em meio ao desastre.

Dom Pedro II, quando soube de tudo, ficou tão impressionado com a bravura dos marinheiros brasileiros que imediatamente determinou que um prêmio de 100 libras (uma pequena fortuna na época) fosse rateado entre os tripulantes do Dom Afonso.

Aí o mundo teve a oportunidade de conhecer mais um ato que honrou o Brasil: os tripulantes, por conta deles, decidiram que o dinheiro seria repassado para aquelas pobres famílias sobreviventes, que perderam seus bens materiais todos no naufrágio do Ocean Monarch. Assim foi feito.

Eram outros tempos. Naquela época, honrarias não eram vendidas por militares em lojas de penhores e os nossos líderes em viagem orgulhavam nosso país. Outros tempos, mesmo.

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(*) Henrique Pires é jornalista e historiador.


19 de julho de 2025

A Água Milagrosa De Cacimbinhas

 

Fotos do autor


Juarez Machado De Farias (*)

 

Fui a Pinheiro Machado

- que chamavam Cacimbinhas -

e no centro urbanizado

pessoas são formiguinhas

que levam bolsas, pacotes,

sobre os ombros apressados,

e nem me olham seus olhos,

olhos de mim desviados

porque sou alguém estranho,

porque ali não fui guri,

eu sou de outro rebanho,

venho de Piratini.

 

Mas a Igreja está aberta.

E a senhora da faxina

me diz boa tarde e sorri,

e sua boca se ilumina,

conversa naturalmente

e responde ao que pergunto,

é só com ela - afinal -

que eu encordoo um assunto.

Nossa Senhora da Luz

é a santa milagrosa

que curou o estancieiro

da cegueira perniciosa

somente com aquela água

que jorrava de uma fonte,

lavou os olhos e já

vislumbrou o horizonte.

 

Então, Seu Dutra de Andrade,

não  por acaso José,

o estancieiro curado

passou a ter grande fé.

E fez nascer a igreja

que não é só mais um prédio

pois nela ainda jorra a água

que pro homem foi remédio.

 

A cacimba é bem tampada

e é construção mui bela.

Não carece de fineza,

sua beleza é singela.

A senhora da faxina

diz que muitos bebem dela,

basta apenas pressionar

em uma  tecla amarela.

 

Me despeço sem beber

por falta de recipiente

mas contemplo a transparência

daquela água corrente

que ensopa o piso da área

onde viceja um jardim,

queria que aquela água

corresse dentro de mim.

 

Em outra vez que eu voltar,

faça calor, faça frio,

chegarei na velha igreja

com um vasilhame vazio.

Vou beber solenemente

pra depois sair dali

rezando - dentro da mente -

pelo saudoso Delci.

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(*) Advogado, Locutor e Operador de Som na Rádio Nativa FM de Piratini

24 de junho de 2025

aos olhos de Ernesto

 




Luiz Carlos Vaz (*)

Aos amigos 70 +


[ou 40, 50, 60 +... nunca se sabe exatamente a idade de ninguém!]


Assisti, comovido, o filme “Aos olhos de Ernesto”...

Por vezes imaginamos que já vimos de tudo, ouvimos de tudo e nada mais pode nos surpreender. Engano!

 

Feito como “cinema”- mesmo - o filme nos coloca diante de vários dramas comuns e as diversas formas de viver e enfrentar as características do passar dos anos. Não se poderia esperar menos de uma produção que tem o logo da Casa de Cinema de Porto Alegre logo no início dos créditos onde ficamos sabendo que “é dirigido por Ana Luiza Azevedo e co-escrito por ela e Jorge Furtado, com produção executiva de Nora Goulart. O longa-metragem, com duração de 123 minutos, foi filmado em Porto Alegre e Montevidéu.”

 

Passeando por várias citações literárias, numa das tomadas pude rever a amiga Atena Beauvoir Roveda numa cena de rua, declamando um poema. Mais uma surpresa, que está num filme feito em 2019, mas que só assisti ontem... acho que foi coisa daqueles anos tristes, das “duas pestes” nos ameaçando...

 

Na sinopse ainda podemos ler: “Aos olhos de Ernesto” acompanha um fotógrafo uruguaio que está perdendo a visão por conta da velhice, mas tenta disfarçar achando que consegue enganar a todos. Porém, surpreendentemente, o senhorzinho descobre que ser velho não é de todo negativo e que ele ainda pode se divertir e rejuvenescer, fazer amizades e se apaixonar aos 70 anos.”

 

Assistam, mesmo que vocês sejam só do 20 ou 30 +... pois um dia (espero) vocês chegarão lá. Tomara!




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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo, Escritor e Editor deste Blog