31 de agosto de 2012

Produtora Avexi filma vida de Tim Lopes

A equipe da Avexi que gravou cenas no estúdio do programa Pelotas 13h
Ana Luiza, Bruno, Miro Lopes, Vaz, Guilherme Azevedo e equipe técnica

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Os jornalistas Miro Lopes e Bruno Quintela participaram do programa Pelotas 13 Horas desta quinta-feira (30) falando sobre a vida de Tim Lopes. Miro é irmão e Bruno é filho de Tim Lopes. Miro revelou que ele e o irmão nasceram em Pelotas, no bairro Fragata. Ambos residiam em uma casa na rua Ismael Simões Lopes, perto do Cemitério São Francisco de Paula.

Cenas gravadas no programa integrarão o documentário
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O Fragata era um pequeno bairro e o mundo dos dois se restringia  a alguns quarteirões, sendo que jamais visitaram o centro da cidade ou os demais bairros. A geografia de Tim e de Miro se limitava até o Quartel do 9º BI onde o pai deles prestava o serviço militar ainda na época da 2ª Guerra Mundial. A área urbana de Pelotas era simplesmente desconhecida por eles. Garotinhos, lembra que frequentavam o Circo Garcia que acampava num terreno perto da casa. O pai deles costumava fornecer água potável para o circo e em troca a família ganhava ingressos para todos os espetáculos circenses. Mas os guris, muito travessos, gostavam mesmo era de entrar por debaixo da lona, conta ele. Hoje, Miro Lopes, o irmão do jornalista, viveu um intenso momento de saudade e emoção. Ele chegou às lágrimas ao visitar a casa vizinha à sua, no Bairro Fragata, onde foi reconhecido por familiares dos antigos moradores. E depois, para descontrair um pouco e ter uma ideia mais ampla da cidade, esteve na praia do Laranjal que apreciou muito.

Miro, irmão de Tim Lopes, também é jornalista e trabalhou nos principais jornais cariocas
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Além de Pelotas, a família Lopes viveu em Uruguaiana, Santiago do Boqueirão - terra do pai - no Estado do Mato Grosso, e por fim no Rio de Janeiro. Nos depoimentos de Miro Lopes e Bruno Quintela, Tim Lopes é mostrado como um jornalista que gostava de assegurar voz às classes desfavorecidas, mostrando as misérias humanas e as carências de pessoas que não tinham acesso aos poderosos meios de comunicação. Ele soube mostrar o drama dos dependentes químicos em busca de reabilitação, das prostitutas, das classes oprimidas no morro, dos menores desassistidos, dos filhos da violência e dos menores que enveredaram pelo mundo do vício e da prostituição. São essas as pessoas que precisam aparecer, dizia ele, mostrando ao Brasil em horário nobre, os dramas da nacionalidade.

Dotado de uma energia incomum, sempre voltado para as classes mais pobres, Tim Lopes marcou época no jornalismo brasileiro.

Bruno, o filho, quer mostrar ao Brasil  o Tim Lopes que poucos conheceram
Assassinado por traficantes no dia 2 de junho de 2002, na favela de Vila Cruzeiro, na Penha, o repórter da Rede Globo de Televisão deixou um respeitável legado aos seus familiares e seguidores. Agora a equipe de filmagens acompanha os familiares de Tim Lopes pelos endereços de sua juventude para contar a trajetória da vida do repórter.

A equipe da Avexi filmes pretende lançar, no início de 2013, o documentário A história de Arcanjo, que contará a vida deste pelotense que, saindo ainda menino da cidade, consagrou-se nacionalmente. A entrevista concedida ao programa Pelotas 13 Horas, neste 30 de agosto de 2012, quinta-feira, integrará também o trabalho dirigido pelo cineasta Guilherme Azevedo. Ouça a marcante entrevista desta tarde, conduzida pelo jornalista Luiz Carlos Vaz  no link:

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Anderson Largue, da redação do site http://www.pelotas13horas.com.br/
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30 de agosto de 2012

Tim Lopes, o documentário


Produtores cinematográficos, além do irmão e do filho de Tim Lopes, estão em Pelotas, cidade natal do jornalista, para a gravação de cenas com vizinhos e amigos da família. Leia detalhes sobre o documentário na notícia do jornal Zero Hora.
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29 de agosto de 2012

Quarta-feira, dia nacional do sofá - XXXVII, Triângulo amoroso



Triângulo amoroso. Denominação antiga, situação moderna. Antes, o terceiro lado ficava meio à parte, hoje, fica integrado na figura geométrico-amorosa. Tipo Cadinho, sabe, que, nesse caso, é um quadrilátero amoroso... Mas um dia não há Euclides que consiga segurar triângulo algum que, no começo, parece equilátero. Aí vocês já sabem... a porta é a serventia da casa. A situação que começa equilátera, se torna isóscele, vai ficando escalena e, quando a situação se torna definitivamente obtusângula, quebra o pau, digo, a madeira, e ficam os restos espalhados pela rua. Três lugarzinhos, juntinhos, coladinhos... agora despedaçadinhos, como os três coraçõezinhos que sentavam aqui.
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Fotografia enviada pela colega e colaboradora
Claudete Macedo
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27 de agosto de 2012

Exame de Admissão


A colega Rosângela achou, e enviou para o Blog, o seu Histórico Escolar onde aparece o resultado do seu "Exame de Admissão". Foi aprovada no ano de 1970 (mas tirou só "quatro" em Matemática...) Ela me disse: "Vaz, nunca me dei bem com os números". Eu também, Rosângela, acabei indo para o lado das letras... Podemos observar que a polêmica em torno da grafia de Bagé com "J" ou com "G" já vem de muito tempo.
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23 de agosto de 2012

O ano dos Centenários - IX, Nelson Rodrigues


Gooogle imagens

Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura.
Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino.
E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista.
Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico (desde menino).

  
  Nascido em 23 de agosto de 1912, no Recife, Pernambuco, Nelson Falcão Rodrigues mudou-se em 1916 para a cidade do Rio de Janeiro. Trabalhou no jornal A Manhã, de propriedade de seu pai, Mário Rodrigues, também pai do jornalista Mário Filho, que dá nome ao estádio do Maracanã. Foi repórter policial durante longos anos, onde acumulou uma vasta experiência para escrever suas peças a respeito da sociedade. Sua primeira peça foi A Mulher sem Pecado, que lhe deu os primeiros sinais de prestígio dentro do cenário teatral. O sucesso veio com Vestido de Noiva, que trazia, em matéria de teatro, uma renovação nunca vista nos palcos brasileiros.

  A consagração se seguiria com vários outros sucessos, transformando-o no grande representante da literatura teatral do seu tempo, apesar de suas peças serem tachadas muitas vezes como obscenas e imorais. Em 1962, começou a escrever crônicas esportivas, deixando transparecer toda a sua paixão por futebol. Faleceu em 21 de dezembro de 1980, no Rio de Janeiro, no domingo em que acertava os 13 pontos da Loteria Esportiva em um bolão com amigos.

  Grande frasista, deixou muitas pérolas como: "O dinheiro compra até amor sincero” ou “O brasileiro é um feriado”. 
(Baseado em Wikipédia)

  Sua obra teatral foi levada ao cinema e televisão onde ganhou grande público. No jornal escrevia uma crônica diária, que também virou seriado, A vida como ela é. Separei dele um texto antigo, que trata de um problema muito nosso, muito brasileiro, que ele chamou de “complexo de vira-latas.


Complexo de vira-latas
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Nelson Rodrigues

       "Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: - “O Brasil não vai nem se classificar!”. E, aqui, eu pergunto: - não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?

       Eis a verdade, amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse “arrancou” como poderia dizer: - “extraiu” de nós o título como se fosse um dente.

       E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: - se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.

       Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, “não”. Mas eis a verdade: - eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho.

       A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: - “O que vem a ser isso?”. Eu explico.

       Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.

       Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão."
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Nota - Publicada originalmente na revsiata Manchete Esportiva de 31 de maio de 1958. Última crônica de Nelson Rodrigues antes da estreia do Brasil na Copa da Suécia. Extraída do livro "À Sombra das Chuteiras Imortais - Crônicas de Futebol" (Ed. Companhia das Letras), e publicada no Blog Bipolar Flexível
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22 de agosto de 2012

Quarta-feira, dia nacional do sofá - XXXVI, Menor preço


É como está escrito no saco do supermercado aqui do meu lado: é o menor preço. Sim, agora tudo é menor. O preço, o espaço e, principalmente, o bom gosto. Vocês precisam ver o tamanho, a estampa e o "conforto" da novidadezinha pela qual me trocaram. Não vai durar nem três meses e vai se esbudegar. E eu aqui, cheio de amor prá dar, no meio fio... Esse tal de menor preço, hein?
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21 de agosto de 2012

Um baú no Pampa - XVI, Sal & Queijo

O famoso Saleiro e seu criador,  Benvenuto Cellini

Sal & Queijo
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Gerson Luis Barreto de Oliveira
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  Quando criança, lendo um manual, eu o vi pela primeira vez: "O Saleiro de Benvenuto Cellini". Uma das obras primas do Renascimento, em pleno século XV, este brilhante artista e ourives, após inúmeras estripulias, que incluía trocar as joias da coroa do Papa, fugiu para a França.

  Reinava naquele país o célebre Francisco I, mecenas e protetor de Leonardo da Vinci, este rei era admirador do que era belo, e pagava bem por isto. Celine encontrou ali o terreno ideal para trabalhar e ganhar dinheiro.

  O saleiro ficou no tesouro da França até ser dado como presente para um potentado do Império Austríaco, e lá permaneceu. Uma verdadeira joia, representa a união do mar, como o deus Netuno, com a terra, a deusa Ceres. Todo confeccionado em ouro, há um local para o sal, um pequeno templo e um recipiente para pimenta, não medindo mais que 30 centímetros de altura. Todo articulado, ele se move como um carrinho de brinquedo, e servia para o rei divertir os convidados à mesa, era a tecnologia que os poderosos começavam a exibir para se diferenciar, revelava poder e prestígio naquela Europa saindo da opressão religiosa da Idade Média.

  Séculos depois um playboy austríaco achou uma turista, uma boa paquera, e correu atrás dela dentro do Museu Kunsthistorisches, em Viena, e foi lá que viu a preciosidade, era o ano de 2003 e ele perpetrou um roubo digno de "Missão Impossível”, do Tom Cruise, e levou o Saleiro...

  A polícia austríaca ficou atordoada pois percebeu a insegurança que cercava a obra prima. Mesmo com uma total falta de pistas, num verdadeiro jogo de gato e rato, anos depois o ladrão foi localizado e o Saleiro de Benvenuto Cellini recuperado intacto.

A quejeira da família está hoje com a prima Tânia Guasque de Beron
   Peças articuladas não saíram de moda até o final do século XIX. Minha bisavó Guasque tinha uma peça assim na mesa de jantar que sempre chamou a minha atenção. Era uma queijeira muito linda, no formato de um globo, que podia ser aberta e fechada com um movimento suave. Aberta, expunha um pequeno prato para o queijo e, no lado externo, dois ganchos para amparar uma faca, ou colher, já há muito perdida. Não mede mais que 30 centímetros, tal qual o Saleiro famoso, que é de ouro puro, digno de reis. A queijeira da Familia Guasque é de uma modesta alpaca, mas igualmente bela e que levava as crianças da família a brincar de abrir e fechar a peça, enquanto estavam à mesa, como os verdadeiros reis da casa.
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Gerson Luis Barreto de Oliveira
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20 de agosto de 2012

Roupas no varal - XXI, Vista aérea

Fotografia Marcelo Soares

Mais um varal do Marcelo Soares para a nossa série. Uma verdadeira "vista aérea" de um varal com muito verde. Um varal nada urbano. Um varal rural.
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19 de agosto de 2012

Quando estive lá

Rafaela e Arthur no "Labirinto do Fauno", fotografia LC Vaz



Quando estive lá
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Ângelo Alfonsin

pelas tardes infindas
da infância
eu
corria pelo pátio
até flutuar num chão
de nuvens
levado por um vento
que só soprava dentro de mim
voo de liberdade e encantamento
sobre montanhas de sorvete cobertas
de chocolate
depois mergulhava em rios coloridos
nos cadernos de desenho
da escola
pisava em jardins de estrelas
onde se lia a placa "proibido não pisar"
quando
não era necessário nenhum dinheiro
do mundo
para sonhar
as pandorgas e balões partiam lotados
de futuro
a única saudade possível
vestia-se vida
da cabeça aos pés
aquela magia
era vida com sentido
e
a poesia
a ciência que me explicava
talvez porque
o céu
fosse ali
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18 de agosto de 2012

Está Começando o "MUZA"

Aplicação de tom&corte sobre foto do jornal Minuano


Está Começando o "MUZA"
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Claudio Antunes Boucinha

Este artigo é dedicado ao programa produzido e dirigido
 por Edgar Muza e sua equipe,
denominado “Visão Geral”,
veiculado na programação de uma rádio local,
na rádio Cultura de Bagé,
diariamente, às 11h da matina.


  Em nosso cotidiano, existem as marcas, as balizas do dia. É como se fosse uma grande viagem, com seus pontos de parada. Não sei como sei exatamente como se formaram tais redes em que os indivíduos se inserem ou são inseridos. Não há como dizer que isso ou aquilo influenciou de forma determinante a organização do dia a dia. Norbert Elias, um alemão, um historiador, chamava a atenção para a racionalidade dessas redes intermináveis e incalculáveis que a humanidade traçava ao seu redor. A única coisa certa é que havia alguma racionalidade em tudo isso, em todo esse caos aparente, embora continuasse, pela própria natureza das coisas, caos. 

  Serão as minhas marcas as tuas marcas? Um húngaro, um austríaco, um russo, um norte-americano, terão as mesmas marcas? Talvez, para um húngaro, sejam fortes os gestos e os aromas que lembram flores e violinos. Para um norte-americano, sejam importantes as figuras de Elvis Presley e os automóveis, os “carrões”. Para um russo, o gosto da vodca. Em Viena, as casas antigas. 

  Mas o que importa, senão o amor? Comer bergamota, uma laranja, no inverno, num dia ensolarado, depois do meio-dia, a quem paga o preço, o valor de tal gesto tão simples? Tomar um copo d'água, de um filtro de barro, para saciar a sede insaciável? Tomar sol, no inverno, como se fosse um lagarto, exercitando o verbo “lagartear”? Comer “rapadura” de amendoim, de leite, de abóbora? E o doce de figo, de abóbora, de batata-doce, de laranja, de ambrosia, sem falar nos pudins de leite? São inúmeros os sabores, os odores, os cheiros, que povoam o cérebro, os sentidos, as consciências, as lembranças, o dia a dia.

  Não vou lembrar dos perfumes do campo, a não ser quando quero lembrar de onde estou e por que sou assim. Como fazia um amigo meu, era melhor dormir nos “pelegos”, ao relento. Melhor ainda era tomar um leite “fresquinho”, de manhã bem cedo. Dizer um bom-dia, um boa-tarde, boa-noite, era muito mais que simples palavras. As aranhas, nessas redes, teciam mais que teias, nos cantos das paredes, dos tijolos de tantos quilos dessas estâncias que, de tão antigas, tornaram-se sobrenaturais.

  Lembrar dos arroios era lembrar do quanto somos um povo ribeirinho. Das águas das enchentes, provocando sofrimentos, até as águas malemolentes do verão, e os entorpecimentos que lembram Gabriel Garcia Marques e cem anos de solidão.

  Não sei como terminar o texto. Ainda faltam coisas, nesse espaço supostamente vazio. Falar das charqueadas, das facas paternais que riscavam as carnes como se fossem linhas de costura. Dos churrascos e dos mate amargos, do chimarrão, destes nossos costumes tribais. Poderiam ainda falar dos “bruxedos”, como se dizia em Portugal, do quanto somos africanos e não sabemos. Poderia ainda falar de tantas coisas, quem sabe de nossas feiras matinais e seus tantos alimentos tenros e saborosos. Da venda da esquina. Dos trabalhos de renda. Do “saravá”. Do “sapinho” e das “benzedeiras”.

  Vai começar o programa do “Muza”. Não dá para “perder”. Vou terminar. O programa do “Muza” vai começar.
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Claudio Antunes Boucinha 
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Nota: Apaixonado pelo turfe, Edgar Muza viaja para a cidade do Rio de Janeiro,
todos os anos, em agosto, para acompanhar o Grande Prêmio Brasil.

Claudio Antunes Boucinha, Mestre em História do Brasil. Crítico.
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17 de agosto de 2012

Duas Taperas...

Fotografia José Milton Schlee

Duas Taperas
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J.J. Oliveira Gonçalves

  A casa cresceu. De repente, ficou imensa. Virou casarão. E eu que sempre quis ter um casarão... Mas não um casarão assim: sombrio, vazio e triste. Ah, um casarão... Não um mausoléu, onde vagueio – zumbi, vivo e esquálido fantasma. Quase ao abandono, a casa, (de repente!), ficou muito parecida comigo. Relegada ao um grau inferior de estima e apreço, fez-se melancólica, silente, taciturna. Suas paredes, inertes e machucadas, parecem-me fazer indagações que também faço. E buscam respostas que não tenho. Imbuído do “espírito das coisas” contemplo os objetos e sinto que eles são parte de mim: inquietos (embora imóveis!) e perscrutadores... Há como que uma cumplicidade tácita e voluntária entre os objetos e mim. Entre mim e as paredes silenciosas. Entre a casa (enorme!) e mim – que me fez menor a pequenez do corpo e o coração me agigantou no peito. E lhe ouço tanger em meus abismos íntimos uma balada contínua e dolorosa... Essa cumplicidade, ainda, parece que me expandiu a Alma e é ela que me contém o corpo –  tal qual na antiga Crença Celta, onde a Alma é o invólucro do corpo. Em sua amorosidade incondicional, a Alma anseia por cuidá-lo, niná-lo e aliviar-lhe as penas, as tensões que o esmagam – qual um pé que,(feroz e frio!), esmaga, indiferente, uma barata! (Ah... ante as armadilhas da Vida, não serei eu uma temível, minúscula e insignificante barata: tonta, torta, trânsfuga, envenenada?)

  A casa se abre aos meus Sentidos. Aos meus Sentimentos. À minha Solidão. Sua Alma (penada!) também mostra ferimentos à flor da pele. Tatuagens? Não! Necroses. Cicatrizes! Ficamos os dois – a casa e eu – com esse ar assim de quem já era... Com esse jeito assim de quem passou... Com esses sintomas de quem adoeceu, morreu, esvaziou-se, chegou ao Nada... Somos o condenado no corredor da morte a esperar o golpe de misericórdia: o choque elétrico, o gás, a injeção letal que mata a Carne. Sinto compaixão pela casa, que me é familiar na mínima rachadura. E sei que ela é recíproca em sua fala emudecida e em seus gestos estáticos, cansados. Ela é testemunha ocular feita da alegria da ilusão dos Sonhos, e da prosperidade que não mais possuo... Ela viu o riso que não mais carrego. E o brilho nos olhos – apagado, ausente. Que ela mesma sorria e brilhava em tempos de Pão e Vinho... de Trigo e Mel... De lá para cá, a casa ganhou, (comigo!), as velhas Dores que nunca me deixaram. E que se somam, se acumulam às Dores novas que chegam, como uma descarga bélica, brutal, de artilharia.

  A casa e eu vivemos da lembrança do que fomos, da Saudade e do spleen que viceja como hera... Não vejo como salvá-la. Nem salvar a mim mesmo. A Solidão é maior do que nós. Densa e voraz. Nos lambe a Alma. E já nos rói os ossos. Nos engole! Vamos os dois, (fiéis amantes!), a casa e eu a virar tapera -  numa agonia doída, lenta e silenciosa... A Esperança, diz o dito, é a última que morre. Porém, não há Esperança sem perspectivas... Nem há futuro se não há mais Sonhos. Só há, (de nós!), nossos escombros. Nosso Passado morto. Restos do que fomos. Espólios de uma História equivocada... E há este  cansaço  em vão - inútil: fundas olheiras em meu olhar-de-espera! Amanhã, talvez, o aziago pesadelo acabe... Será tarde, então. Demasiado tarde...
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JJ Oliveira Gonçalves
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Porto Alegre, 15 de março/2006. 09h18min
jjotapoeta@yahoo.com.br – www.jjotapoeta.art.br
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Fotografia  JM Schlee com GIMP de JL Salvadoretti
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16 de agosto de 2012

Um baú no Pampa – XV, Um fantasma no Cunhatay


A "Cunhatay", deitada, onde habitam muitas histórias, mistérios e fantasmas

Um fantasma no Cunhatay
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Gerson Luis Barreto de Oliveira

  Bagé 1814. Não consigo imaginar como eram estas paragens e todas as mudanças que a região teve nesses 198 anos. O que era mato virou o traçado da nascente cidade, o que era um povoamento irregular de militares em guerra contra os espanhóis, virou, a principio, a parte velha, o entorno da Catedral de São Sebastião...

  Guerras, sim, mas também cidadãos chegavam para trabalhar a terra e criar o gado, foi assim que o sesmeiro Manoel Pinto Barreto recebeu, nesse ano de 1814, das mãos de D. Diogo de Souza, 1º Conde de Rio Pardo, as terras da família.

  O Brasil, elevado a Reino Unido do Brasil, e Portugal, tinham a Família Real dos Bragança residindo na corte e os portos haviam sido abertos às nações amigas. Mas a Espanha colonial já não existia, estava dominada por guerras intestinais. O Brasil queria tomar partido para obter o quinhão que, por direito, achava seu, e também a antiga Colônia do Sacramento, no nosso vizinho Uruguai.
Manoel Pinto Barreto e Carlota Joaquina Barreto

  Em Bagé Manoel Pinto Barreto casou com Carlota Joaquina. Eles tiveram cinco filhos, pois era necessário procriar e povoar a região. Destes filhos resultaram inúmeros netos, e dois deles foram prometidos em casamento, um para o outro. A promessa era que Álvaro de Mattos Barreto casaria com a prima irmã, Amélia Simões Barreto. Já no final do século XIX o casamento entre primos foi uma fórmula empregada e muito difundida para evitar a partilha dos campos.

  Esse casal de primos não poderia ser mais diferente. Água e azeite, e não poderiam dar certo. O casal teve grande descendência, mas vivia às turras, ele alegre e brincalhão, ela devota, achando que o nascimento dos filhos doentes era um castigo dos céus. Dos 17, somente cinco sobreviveram. Hoje sabemos que o laço de consanguinidade era o vilão de tudo. Mas para Amélia (Melica, para os da família) era o fim. Tanto sofreu que até de religião trocou, virou uma fervorosa anglicana. Os reverendos ingleses começaram a surgir por Bagé, Dom Pedrito, São Gabriel, Santa Maria, carregando levas de fiéis das hostes do catolicismo ao anglicanismo.

  Toda a saga da família se desenvolveu às margens do Arroio Santa Maria Chico, aos pés do Cerro do Cunhatay, Distrito dos Três Cerros, hoje Dom Pedrito. Esse cerro é o local mais alto e bem posicionado da região.

  Lembro de quando eu criança ouvir meu avô, Idelmar Simões Barreto, filho do Álvaro e da Amélia, contar que naquela região os jesuítas, após a queda dos Sete Povos das Missões, precisavam achar uma rota de fuga, e no alto do cerro colocaram vigias para alertá-los da chegada das tropas inimigas que andavam no seu encalço.

  Meu avô contava que, quando criança, via tamanduás comendo ninhos de formigueiros nos campos, que ainda existiam jaguatiricas nos matos. As avestruzes, ele e o pai, foram os responsáveis pela dizimação nos campos do Cunhatay. Adoravam comer omeletes feitas com aqueles ovos enormes. Meu avô ria e mostrava o binóculo usado pelos dois para localizar os ninhos.

O binóculo usado pelo meu avô e que guardo até hoje
   O trabalho duro era feito pelos escravos, não eram muitos, mas a trabalheira não era fácil. Eles ergueram as divisas de pedras entre os campos, construíram o grande mangueirão de pedra e a casa, com grossas paredes de 60 cm, todas feitas de pedra. Havia um dos pobres escravos que se destacava. Foi o escultor dos cochos para os animais tomarem água, da grande queijeira, toda entalhada em hexágono, que minha mãe até bem pouco tempo utilizou para fazer os queijos que a deixaram famosa pela gostosura que eram. Eu, que a vi fazer, ficava imaginando quanto leite escorreu pela abertura daquela peça de pedra.

  Um desses escravos, de uma época remota, e que traz uma nódoa que até hoje se repercute no nosso Brasil, se desesperou, e um dia amanheceu enforcado num galho de umbu, próximo da porta da cozinha. Ele ficou sendo o fantasma, a personagem principal das histórias de assombração que nos contavam antes de dormir, e que faziam com que tratássemos de fechar os olhos rapidamente, naquelas imensas noites, naquelas longas noites povoadas de sonhos, nquelas distantes noites da nossa infância no Cerro Cunhatay...

Gerson Luis Barreto de Oliveira
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15 de agosto de 2012

Quarta-feira, dia nacional do sofá - XXXV, Tipo Bataclã


Fotografia Rafles Ramos

Por detrás desta parede colorida eu estava até ontem. Aqui funcionava um barzinho, um rendez vous, tipo um Bataclã, sabe? Embora tenha feito parte da mobília por vários anos, não cheguei a criar vínculo, sabe, uma amizade, assim, mais íntima com alguém, sabe? Não sei se alguém vai me levar, ainda dou um bom caldo, sabe como é, né, tem gente que tem preconceito... pode ser que uma alma boa me leve, sabe, passe uma q’boa, ponha um forrinho. Acho até que posso começar uma relação estável...
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Fotografia enviado por
Rafles Ramos
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14 de agosto de 2012

Lembranças Paternas...

Fotografia Alexandre S Gomes


Lembranças Paternas...
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J.J. Oliveira Gonçalves

  Das mais tenras e belas lembranças de minha infância, guardo aquelas de meu pai comigo em seu colo. Às vezes, em pé. Às vezes, sentado. No aconchego íntimo da Família. Ou, na venda, onde, juntamente com minha mãe, batalhava a batalha dura e desigual da Vida. Ali, os fregueses - vizinhas e vizinhos - me paparicavam e tantas vezes, ouço uma voz que vem lá dos recônditos da Alma, (de pessoas da Rua dos Sargentos), a me chamar pelo diminutivo afetivo de "Joãozinho".

  E assim fui me criando... Naquela Vila que por tê-la amado - sempre - dela sinto sinceras e ternas Saudades... Ah, vontade de lá voltar... Voltar aos meus muitos brinquedos. Aos meus livrinhos e almanaques. Voltar aos meus inesquecíveis bichinhos-de-estimação - com suas sapequices, suas brincadeiras, seus olhos marotos de mansidão e de incondicional Amizade... Todavia, não posso! Ninguém pode voltar para o Passado. Então, preciso revisitá-lo, de vez em quando, me embrenhando pelas ramagens das Lembranças... As Dores da "impossibilidade" são muitas e fundas - não nego. E, têm vezes que somente a lágrima deste coração-menino pode acalmar e trazer o consolo da Calmaria do Passado...

  Voltar àquela Rua onde jogava bola, bolinha de gude, largava pandorga - sempre na frente da venda, pois parece que meus pais tinham que estar sempre "me reparando", vendo, protegendo. Ah, mais tarde, comecei, (depois de alguns tombos), a andar em minha belíssima bicicleta azul - que Papai-Noel me trouxera num maravilhoso Natal... Com ela, "alarguei os horizontes", pois já era "mais grandinho" e podia passear até o campo do "Guarani" ou, mais distante, até alguma tia ou, mesmo, até o centro da cidade, buscar a velha e indispensável revista" O Cruzeiro" - que meu pai assinava, para a gente olhar e ler... Mas, sei - com certeza - como uma ferramenta para que eu vivenciasse, então, os "Horizontes das Letras", atualizasse o mundo em que já vivia e, assim, me arregimentasse mais e melhor para os bancos escolares. Nunca meus pais me disseram isso. Assim como nunca perguntaram se eu tinha "tarefa de casa", prova, sabatina, ou exame... Meu pai e minha mãe sabiam que não precisavam. Viam meu gosto e meu trato com os estudos. Creio que foi dos melhores presentes que pude dar para meu pai e minha mãe. (Quem sabe, o melhor?)

  Com certeza, na humildade eu fui criado, havia muita riqueza! Eu era um príncipe proletário que nasceu em uma Vila, criou-se em outra e, adolescendo, foi morar no centro da cidade - minha bucólica e inesquecível Bagé. Hoje - entre Lembranças e Relembranças - eu "curto" as Riquezas do Passado... Se não as posso mais ter, eu as mimo - com as mãos da Porfia e da Gratidão... Guardadas que estão no Cofre Sagrado do coração!! Hoje - Dia dos Pais - entre suspirosas Reminiscências, sinto larga Saudade de meu "Querido Velho"... Que Deus o tenha e os Anjos cantem para ele. Quem sabe, possam lhe recitar algum verso ou alguma rima que, para ele, já escrevi... Lembranças paternas doem na Alma... Mas, bem diria minha mãe, em ocasiões semelhantes: "É a Vida, João"...
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Porto Alegre, 12 de Agosto - Dia dos Pais/2012. 11h55min
jjotapoesia@gmail.com - www.cappaz.com
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Exposição de tapeçarias Wilhelm Horvath


A abertura da exposição Wilhelm Horvath Tapeçarias é hoje, dia 14 de agosto. A visitação poderá ser feita até dia 14 de novembro de 2012. Imperdível. É no da Maya, espaço cultural, em Bagé.
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Saiba mais sobre a história da família Horvath em Bagé clicando AQUI.
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13 de agosto de 2012

Poeta é preso em flagrante sorriso

Foto Marcelo Soares


Jornal da amargura
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Poeta é preso em flagrante sorriso
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Sergio Vaz *

  Neste sábado pela manhã, a tropa de elite do mau-humor, fortemente armada, conseguiu prender o poeta Augusto, 44, que estava sorrindo, sem autorização, deliberadamente em mais uma manhã terrivelmente ensolarada.

  Acusado de Idiota, o poeta foi enquadrado na lei nº777, denominada "Tristeza não tem fim" e imediatamente levado ao Departamento das caras amarradas, no Centro das Mágoas, em São Paulo.

  O Poeta Augusto tinha acabado de acordar e saiu para uma pequena caminhada, cheio de alegria, conforme testemunhas, e começou a sorrir para todos que estavam em sentido contrário, literalmente, foi aí que foi abordado por uma viatura que fazia ronda no local.

  Antes de fugir trocou olhares sem maldades com a tropa do mau-humor e saiu em disparada pela Rua Esperança. Depois da perseguição com disparos de insultos de grosso calibre (não por parte do poeta, que fique bem claro), ele foi preso em flagrante, ainda com duas ou três risadas que iria usar mais tarde.

  Ao ser interrogado Augusto não entregou quem lhe havia fornecido a alegria, e ainda revelou, de forma risonha e irônica, que ele era o dono da boca.

  O mau-humor confirmou sua prisão temporária por 30 dias, e que no final da tarde o poeta será transferido para o presídio de solidão máxima, enquanto aguarda o julgamento.

  O Secretário Geral das mesquinharias, Coronel José Bicudo Guerra, 98, informou em entrevista coletiva que o governo vai investir pesado na luta contra o bom-humor, e que dentro de dois ou três anos vai erradicar a alegria do país.

Da redação: Pessoinha da Cruz Pesada
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* Sergio Vaz é poeta e fundador da Cooperifa
poetavaz@ig.com.br
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Foto Marcelo Soares diariodecanto
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12 de agosto de 2012

Um poema para o Dia dos Pais

Poeta gaúcho Mário Quintana, natural de Alegrete/RS (1906/1994)

O velho no espelho

Mário Quintana
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Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai - que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar - duro - interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?! Eu sou, ainda
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra! -
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
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publicado em maudepoesia
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