30 de agosto de 2013

Come September

Cartaz do filme lançado em 1961

Quando setembro vier anunciará o final do agosto, do Inverno e o início da Primavera. Quando setembro vier, trará consigo as cores e o perfume próprios da estação. E, como sempre, lembrará para nós o famoso filme de Robert Mulligan, Come September, com Rock Hudson, Gina Lollobrigida, Sandra Dee e Bobby Darin. A música de Hans J Satter sempre quando bate nos nossos ouvidos traz a magia e a ingenuidade dos anos sessenta. Os inesquecíveis anos sessenta. Enquanto não "baixamos" o filme da web para ver confortavelmente em casa, quem sabe assistimos estas cenas iniciais do filme e fazemos algum plano para quando setembro vier?
.

26 de agosto de 2013

Barra Pesada: Um repórter policial fala de tiras e bandidos...


Barra Pesada:
Um repórter policial fala de tiras e bandidos... 

Valacir Marques Gonçalves

Aos amigos policiais que não apreciam lembrar antigas histórias aconselho a pararem por aqui. Usando a linguagem do autor, vou falar de um livro que reencontrei num “sebo”, que li há muito. Seu título: “Barra Pesada”. Escrito por Octávio Ribeiro, vulgo “Pena Branca”, jornalista de profissão, dizia ter como psicose o perigo... Ele revelou sua “vida pregressa” num livro cativante, recheado de “mumunhas” divididas em “rounds” - nome que deu aos capítulos da sua obra. Com um estilo marcante, inclui gírias e expressões da malandragem da época. Através do “retângulo de capa dura”, deu sua versão, onde explicou que “não curtiu os condimentos mágicos da literatura”, apenas “colou as consoantes nas vogais, tentando separar o bem do mal, como as grades separam o bandido dum policial...”.


O livro tem quase trezentas páginas. São imperdíveis, principalmente, as entrevistas onde a polícia da época é dissecada. Sua descrição das visitas que fez à Mangueira impressiona. Diz que esteve lá acompanhado, mas que também “enfrentou sozinho a gravidade do morro”. Que “só conseguiu dialetar com os ‘astuciosos aventureiros’ da montanha ao prometer-lhes que omitiria suas verdadeiras identidades”. Tirou deles que em cada virada de beco a morte tá com fome”. E fez a pergunta que muitos gostariam de fazer: – “Como é que os bandidos e os trabalhadores arranjam dinheiro para o carnaval?” – “Quem vive de trabalho honesto apanha empréstimo. As lavadeiras se viram nas tinas. Já, a pesada, segura o ‘querenque’ pra fazer um ganho...”.

É isso aí, quem quiser saber mais procure o “retângulo de capa dura” nos “sebos”. Quem não achar, mande o nome e “direção” que entra na fila do empréstimo...
.

25 de agosto de 2013

Huracán/Huracan: os Furacões gêmeos (Ou seria: Mais um balão caiu em Bagé?)

O Huracan bageense

Huracán/Huracan: os Furacões gêmeos

(Ou seria: Mais um balão caiu em Bagé?)

por George Mendonça Lemos

O Huracan (neste caso sem acento mesmo) foi uma equipe amadora que marcou época em Bagé, RS. Sua fundação ocorreu em 1955, e apesar de não saber ao certo, é muito possível que o nome seja devido ao homônimo argentino, Huracán, que havia sido fundado em 1909. Nesta época, em tempos que não havia TV, os times argentinos e uruguaios eram bem populares na fronteira, se comparados aos dias de hoje.

Pois o Huracan bageense tinha orgulho de ser precursor em Bagé (no futebol amador) no uso de abrigos esportivos: usavam uma combinação nada discreta de amarelo e vermelho. Também participavam de outras modalidades esportivas, chegando a enviar dois ciclistas para competir internacionalmente na cidade uruguaia de Melo.

Tinha uma fervorosa torcida, e segundo o relato do Jornal Minuano, não muito comportada, que recebeu o apelido de "cachorrada". Como também possuía um departamento de futebol de salão, num dos jogos em que disputava, a "cachorrada" e o Huracan participaram de uma pancadaria generalizada na Praça de Desportos (praça central de Bagé), inclusive indo o caso parar na Justiça Comum.

Infelizmente o Huracan encerrou suas atividades, mas seu nome ficou marcado na história do esporte bageense. 

Até hoje o Huracán utiliza o balão estilizado como símbolo
Como tive acesso a este pequeno relato do Huracan ontem (*), fui pesquisar mais sobre o clube na internet e acabei achando uma curiosidade, que acaba por fechar o elo entre Huracan e o Huracán.

O motivo é porque em 1909 o engenheiro eletricista argentino, Jorge Newbery, trouxe da França um balão denominado "Huracán", e no mesmo ano viajou neste balão por 514 quilômetros, anotando novo recorde sul-americano. O balão partiu do bairro de Belgrano (Buenos Aires), atravessou o Rio da Prata e o Uruguai, vindo a pousar em solo brasileiro. A cidade onde terminou a viagem? Bagé, como explica o próprio site do clube:

O balonista argentino Jorge Alejandro Newbery
"A medidos de 1909 el ingeniero electricista Jorge Newbery pilotea por primera el globo aerostatico “Huracán” traído desde Francia, pero su mayor travesía la realiza ese mismo año, cuando en diciembre sale piloteando el globo Huracán, desde el barrio de Belgrano hasta ciudad brasileña de Bagé. Dicho hecho inspiró el distintivo del club".

Não sei se os fundadores do Huracan bageense sabiam desta história, e nem se os do Huracán argentino sabem - ou souberam - do homônimo gaúcho (creio que nenhum dos dois lados sabia disso), mas o balonista argentino acabou traçando esta curiosa ligação entre os clubes.
_______________________________________________________
NOTA DO BLOG: Essa história de cair balão em Bagé parace que é moda. Não esqueçam do Balão do Steve Fossett, que caiu lá em  agosto de 2001, e que rendeu duas belas postagens aqui no Blog da VG:
Tinha que ser em Bagé! – IV, Um balão caiu do céu
 e
Tinha que ser em Bagé! – V, Um balão caiu do céu - As fotos do Nauro Jr
_______________________________________________________
Fonte sobre o Huracan brasileiro: Jornal Minuano (Bagé-RS)
Fontes sobre o Huracán: Site Oficial do Huracán e Site Buenos Aires Antiguo
Foto: Arquivo Jornal Minuano (Bagé-RS)


(*) O ontem, a que se refere o George, é fevereiro de 2007, quando ele publicou esse material no blog Puro Futebol.
.

24 de agosto de 2013

Parem as máquinas!


Jornais: edição final

Faltam 14 anos para que os jornais impressos desapareçam do mapa no Brasil; os dados fazem parte de um estudo da consultoria americana Future Exploration Network; nos Estados Unidos, a morte virá mais cedo, já em 2017, e a família Graham, que vendeu o Washington Post para Jeff Bezos, da Amazon.com, talvez tenha pressentido o fim; o último país do mundo a abolir os jornais, segundo o estudo, será a vizinha Argentina.

Durante mais de 100 anos, a família Graham comandou um jornal que se transformou num símbolo de influência e poder nos Estados Unidos. O Washington Post, o jornal que derruba presidentes, era o ícone maior da imprensa americana. No entanto, há duas semanas, os Graham capitularam e venderam o Post por US$ 250 milhões para o bilionário Jeff Bezos, da Amazon.

Depois disso, o maior jornal americano, o New York Times passou a ser apontado como a "bola da vez". E seu publisher, Arthur Sulzberger Jr., embora tenha negado a intenção de repassar o controle, vendeu na semana passada um grande lote de ações pessoais. O motivo: a cada dia, as empresas de mídia impressa valem menos. Sulzberger sabe disso melhor do que ninguém porque vendeu o Boston Globe, que havia comprado por US$ 1,1 bilhão, por apenas US$ 70 milhões.

Os jornais impressos estão morrendo nos Estados Unidos – mais de 200 fecharam desde 2008 – e no mundo todo. Diante dessa transformação estrutural, um estudo da consultoria Future Exploration Network decidiu cravar a data para a morte das edições em papel em vários países do mundo.
Nos Estados Unidos, o funeral está próximo e ocorrerá já em 2017. Ou seja: dentro de quatro anos, não haverá mais edições em papel no país. O negócio se tornará antieconômico. No Brasil, dentro de 14 anos, não haverá mais Folha, Globo e Estadão. Ao menos, nas versões em papel, se o estudo estiver correto. O país que mais tarde se livrará dos jornais em papel será a Argentina, onde a morte está prevista para 2039 – a pesquisa foi feita levando em conta os hábitos de leitura de cada país e também a adesão às novas tecnologias, como os tablets e smartphones, que se convertem, cada vez mais, nas novas plataformas de leitura.

A morte dos jornais impressos não significa que marcas tradicionais irão desaparecer. O britânico The Guardian avalia encerrar suas edições em papel e circular apenas nos meios eletrônicos. O Financial Times, que tem 350 mil assinantes online, diz que irá priorizar sua plataforma com mais assinantes – e o meio online deve superar o papel já em 2013.


Depois da morte inevitável do papel, o debate será travado entre publicações pagas, como a Folha, que institui seu paywall, o muro de cobrança, e as gratuitas, como o 247. O argumento de quem contesta os mecanismos de pagamento é simples. Se não há mais o custo industrial, com a impressão, nem o de distribuição, por que o conteúdo deve ser cobrado?

.

20 de agosto de 2013

Contos da vida difícil, o novo livro de Aldyr Schlee

Foto da capa por Gilberto Perin
Contos da vida difícil, o novo livro de Aldyr Garcia Schlee
Luiz Carlos Vaz

Aldyr Garcia Schlee está lançando um livro novo. Após o sucesso do premiado romance Don Frutos, o escritor jaguarense nos brinda com 14 contos reunidos no ainda inédito Contos da vida difícil. As rotas de fuga das mulheres europeias que eram prostituídas em Buenos Aires e Montevideo, pesquisadas pela uruguaia Yvette Trochon, que passavam também por Jaguarão, deram ao escritor o mote para escrever seu novo trabalho. Schlee, em seus livros, sempre quer provar alguma coisa, escreve “com uma intenção”, como ele mesmo diz, e, desta vez, traz ao leitor um tema que envolve uma memória oculta em segredos, nomes e origens misteriosas de várias mulheres, conhecidas de muitos, mas jamais citadas publicamente por ninguém. Mulheres quase sem nome, mas de endereço conhecido, que habitam o universo literário do escritor: a cidade de Jaguarão e seus arredores. Em contos como Uma mulher de passada, Viva eu viva ela - viva o rabo da cadela, e La virgencita, Schlee descreve, em sua exímia linguagem fronteiriça, as histórias e os dramas de mulheres que, fugindo da exploração sexual dos países do Prata, encontram duas cidades – uma lá e outra cá – em um raro momento de efervescência econômica com a construção da Ponte Internacional Mauá, unindo Rio Branco e Jaguarão. Umas passaram, outras ficaram. Outras... já eram de lá mesmo.


Serviço: livro Contos da Vida Difícil, editora ardotempo; lançamento em Pelotas, dia 23 de agosto, sexta-feira próxima, na Bibliotheca Pública Pelotense, às 19 horas. Vendas exclusivas no lançamento pela Livraria Mundial (53 - 3225-2699) deste e de outros títulos do autor reeditados pelo editor Alfredo Aquino, como: O dia em que o Papa foi a Melo, Os limites do impossível – os contos gardelianos, Contos de futebol, Uma terra só, Contos de verdades e outros.
.

18 de agosto de 2013

Quarenta anos esta noite


Conheci o Schlee no início de 1973. (Ele tinha a idade que tem hoje meu filho mais velho... ) Ainda conserva os mesmos cabelos longos, o mesmo jeito alegre e sincero, o mesmo senso de humor e as mesmas convicções. Não mudou nada. Alguns meses depois eu já frequentava sua casa como um membro da família. Ele era pai de dois meninos. Fui adotado pela Marlene como filho mais velho e passei a pertencer àquela casa. Tempos depois, já considerado seu fotógrafo oficial, fui levado a conhecer Jaguarão e o resto do MundoFiz as primeiras imagens de sua filha recém-nascida; fiz também fotos do Vô Augusto, da Vó Maria, da Vó Darcyla, do Tato, da Thereza e do Tio Tontom. Até o Fox Terrier, Toco, também conhecido como Sepé Tiaraju de Montes Claros, passou pelas minhas lentes. Num dia 18 de agosto, há exatos 40 anos, ganhei meu primeiro livro autografado. Era sua Tese de Livre Docência que, presa pela ditadura, ele só pode defender anos mais tarde na Faculdade de Direito da UFPel. Aprendi muito com ele nesses 40 anos. Inclusive sobre Ética e Jornalismo. E continuo aprendendo. Mais que um Professor ou um Mestre, é um Amigo que tenho orgulho de ter. 
Quarenta anos... 
Aldyr Garcia Schlee era um guri. Ele tinha a idade que tem hoje meu filho mais velho.
.

17 de agosto de 2013

Esta noite...

Foto do autor em Meu cardápio

Esta noite...

Marcelo Soares

Madrugada, sossego e silêncio, porém, no contragosto das horas, perco-me em divagações desnecessárias.

Viro e reviro tentando achar melhor  conforto. Quero distanciar-me dos estímulos, sentir-me só e relaxado. Nada de telas ou sons externos, pois qualquer fonte é motivadora de vontades.

No entanto abro uma revista, surrada como antigos devaneios.

O texto data época, mas as fotos não envelhecem, e é por elas, mesmo que não deve-se, que passeio no que julgo ter, ou não, vivenciado. Sempre quis - e quero-  além,  por isso, enxergo-me em qualquer imagem: na paz do menino que brinca,  no preto sobre o claro de um guarda-chuva jogado ou na esperança do calor que sugere a  mais tênue luz destes contrastes. Se não imponho limites ao que pode ser alcançado-  nem neste silêncio desacompanhado - sinto, pela  insistência destes desejos, a distância em serem assim... tão simples e ao mesmo tempo caros.

Quem sabe um leite quente, fechar as páginas e os olhos para este tempo?

Mas onde está o sono que me acalente?


Enfim, as noites estão curtas, os travesseiros cada vez mais altos, e os pensamentos velhos e confusos, que até esquecem que deveriam vir como sonhos, e não anseios.
.

16 de agosto de 2013

Ladri di biciclette



O Ciclo "A Filosofia e o Cinema Existencial" exibirá, na próxima sexta-feira (dia 16 de Agosto), o filme "Ladrões de bicicleta", de Vittorio de Sicca. Cineasta italiano (1901-1974), De Sicca é autor de obras cinematográficas como "Os girassóis da Rússia" e "O jardim dos Finzi-Contini". O IV Ciclo de Cinema, promovido pelo Departamento de Filosofia da UFPel, sob a coordenação do professor dr. Luís Rubira, ocorre todas as sextas às 20h, no Centro de Integração do Mercosul, em Pelotas. A entrada é FRANCA (retire sua senha no local, no dia da sessão, em horário comercial).


Ladrões de bicicleta. Ladri di biciclette, 1948, Itália. Direção: Vittorio De Sicca.
Com: Lamberto Maggiorani, Enzo Staiola, Lianella Careli.

 .

14 de agosto de 2013

Aniceta, La Piorrita Petiça

Foto de José Greco, acervo do autor

Aniceta, La Piorrita Petiça

Gerson Luis Barreto de Oliveira

Aniceta Correa nasceu em 6 de fevereiro de 1870, em Cerro Chato, no Uruguai. Quando jovem não era de grande beleza, mas sabia dançar muito bem e, segundo sei, o futuro esposo se encantou com ela em um baile. Minha avó contava que ele sempre dizia que a esposa "dançava como uma piorrinha". 

Vinte anos depois, um dia antes de seu aniversário, ela casaria com um jovem bageense, José Luiz Guasque, filho do médico homeopata Ignácio Guasque e Anna Barcellos Guasque.
Ao se casar com José Luiz ele ainda não era médico homeopata, como o pai, tinha como profissão Guardador de Livros, no Departamento de Cerro Chato. Provavelmente por causas políticas ele havia cruzado a fronteira e por lá morava, e seria lá que o casal teria os cinco primeiros filhos.

Uma das filhas era minha avó Orphelina, esta tinha tal admiração pelo pai, e vi isso também em outras filhas, que certa vez me confessou que não sabia ao certo como ele havia se interessado pela futura esposa, e vinha sempre a história de como ela dançava bem. José Luiz, apesar do imponente bigode, não era um homem alto. Muito culto, tinha uma personalidade reservada e exercia grande autoridade sobre todos.

Já a bisavó era baixinha, não media mais do que um metro e 45 centímetros, mas mesmo assim teve fôlego para ter 17 gestações (11 mulheres e seis homens), sendo que só na última teve um parto mais complicado. Tinha um temperamento forte que se perpetuou nas filhas, todas decididas e determinadas.
Os irmãos da bisavó tinham campos em Cerro Chato, e na matança de porcos a chamavam, pois era reconhecida como hábil em fazer a manufatura de linguiças, patês, murcilhas, queijo de porco, butifarras, que aliás só se vê hoje no Uruguai. O bageense que quiser comer tal iguaria terá que atravessar a fronteira em Aceguá, e ir até Melo.

Depois do casal Guasque vir morar em Bagé, na General Netto, nas primeiras décadas do século XX, periodicamente ela chamava uma das filhas e tomava a diligência. Sim, Bagé tinha como meio de transporte até o Uruguai não ônibus ou trem, e sim as diligências, tal qual o Velho Oeste americano. Na volta o produto da matança era trazido imerso em banha, em barricas, tudo acondicionado na parte de cima das tais diligências.

Uma tragédia foi a perda de José Luiz, em 1937, fator que fragmentou a família. A casa foi vendida e Aniceta começou um périplo pela casa dos filhos. Depois acabou indo para o Rio de Janeiro com as filhas que tinham permanecido solteiras. 

Mas até a partida para a Capital Federal ela não perdia uma partida do Guarany F.C, e se era um clássico Baguá, aí que ninguém a impedia de ir. E isso numa época que não era comum mulheres frequentarem estádios para ver futebol. Pois a bisavó Guasque levava uma “arma”, a sua sombrinha. E ai do engraçadinho que a fizesse alvo de brincadeiras, pois a bisabuela desferia um golpe certeiro com a sua “arma” para o mal educado se desculpar da afronta a La Piorrita Petiça.
.

11 de agosto de 2013

Dia dos Pais

Foto Marcelo Soares

Dia dos Pais

Paula Schild Mascarenhas


Do meu pai herdei o gosto pelo futebol,
o gosto pelos livros,
o caminhar.
Do meu pai herdei um jeito estranho de sonhar,
uma mania de criar histórias e vivê-las
enquanto ando e não vejo ninguém.
Do meu pai herdei a cara de braba
e a vergonha de chorar.
E um mundo cheio de estrelas,
que cada uma tem o seu lugar.
Do meu pai herdei as pernas,
os pés e o indicador.
Sinto falta do meu pai,
mesmo encontrando com ele
todos os dias em mim.
.


8 de agosto de 2013

Novo livro de Aldyr Schlee

Foto do autor por Gilberto Perin

Novo livro de Aldyr Schlee
Evento na BPP marca lançamento nacional do livro “Contos da vida difícil”


Bibliotheca Pública Pelotense (BPP) e Editora Ardotempo assinam a realização do encontro que, no próximo dia 23 de agosto, marca a apresentação do novo livro de Aldyr Garcia Schlee. CONTOS DA VIDA DIFICIL é o oitavo titulo de contos da obra de ficção do escritor jaguarense/pelotense, autor do romance Don Frutos, lançado em 2010.


Com inicio às 19 horas, no salão nobre da BPP, o evento assinala o lançamento nacional do livro e também a reedição de vários títulos esgotados do autor. Na abertura do evento, o editor Alfredo Aquino formaliza a doação à Bibliotheca Pública Pelotense de cinco exemplares de cada uma das obras de Aldyr Schlee editadas pela Ardotempo.

A apresentação da inédita obra de contos ocorre no ano em que Schlee completa três décadas de caminhada literária - desde a publicação de Contos de Sempre, em 1983. Ganhador de prêmios nacionais e estaduais de literatura, o jaguarense radicado em Pelotas tem larga trajetória também como tradutor, em especial de autores argentinos e uruguaios. Schlee também já versou para o espanhol obras de João Simões Lopes Neto e Cyro Martins.
.

4 de agosto de 2013

Estou aqui...

Foto: Marcelo Soares

Estou aqui...
Valacir Marques Gonçalves

Com o advento da informática e principalmente da Internet, ler um livro ficou difícil. Eles são comprados e acabam guardados intactos. Amigos nos presenteiam com obras que acabam na fila de espera para serem lidos. Olhei minha estante, muitos continuam ali com cara de súplica… Procurei me aproximar deles, escolhi um com um carinho especial, reservado a autores especiais, que me ensinam coisas que precisam ser preservadas.

O uruguaio Eduardo Galeano é um desses caras, jornalista, poeta e escritor, fala de vários assuntos, do futebol ao cotidiano. Com clareza e sentimento, revela o sentido da vida de maneira tocante, com um jeito que emociona. Mostra com histórias reais, que existem assuntos importantes além do dinheiro e do poder. Ele mostrou isso com maestria na obra “As veias abertas da América Latina”, onde relatou a exploração sofrida pelas nações latino-americanas por parte de impérios que dominam o mundo.

Olhei a estante, escolhi um do Galeano. Optei pelo “O livro dos abraços” - foi um teste para as minhas emoções. Perdoem-me, mas preciso dividir com vocês dois momentos: num deles ele relata:

“O diretor de um hospital de crianças em Manágua, na véspera de Natal, ficou trabalhando até mais tarde. Os foguetes espocavam e começavam a iluminar o céu quando ele decidiu ir embora, pois em casa o esperavam para festejar. Deu uma última passada nas salas, quando sentiu que passos o seguiam. O mesmo virou e descobriu que um dos doentinhos estava atrás dele. Era um menino, estava sozinho. Ele reconheceu sua cara marcada pela morte com olhos que pediam desculpas. Aproximou-se e o menino roçou-o com a mão:
– Diga – sussurrou ele.
– Diga para alguém que eu estou aqui...” .

Interrompi a leitura, pois algumas lágrimas duelavam comigo... O nosso egoísmo finge que histórias como esta não existem, pois elas mostram que apesar das máquinas e dos computadores nada mudou. Apesar da Internet com suas novidades e extravagâncias, o mundo continua igual. Os seres humanos continuam com dramas, perguntas e respostas. Decidi continuar a leitura, mas o Galeano foi implacável: contou outra história, de outro menino, de um que não conhecia o mar - o Diego. Disse que seu pai decidiu mostrá-lo viajando em busca dele. Quando o encontraram era tanta a imensidão que o menino ficou mudo de tanta beleza. E, quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu:
– Me ajuda a olhar!

Dei um tempo, resolvi refletir sobre as mensagens. A primeira: aquela que o personagem pede para dizerem que ele está lá… Que ele ainda não morreu, que precisa de ajuda. A segunda: que existem coisas tão belas e emocionantes, que precisamos pedir para nos ajudarem a olhá-las. Fiquei algum tempo pensando na importância de certas mensagens, no que elas podem nos ajudar. Acho que a função de um intelectual é instigar, é fazer pensar, mostrar coisas que outros não vêm - ele conseguiu. Mas uma dúvida me atormenta: por que não percebemos essas coisas sozinhos? Será que é preciso alguém dizer que existem crianças pobres em hospitais, sussurrando para avisar que elas estão lá? Será que os nossos olhos não estão precisando de uma ajuda quando selecionam apenas o que queremos olhar?


Digo a vocês que me reconciliei com minha estante. Coloquei os livros na ordem que pretendo lê-los. Os meninos do Galeano me fizeram entender que não podemos viver afastados da emoção. Não esquecerei que outros meninos precisam de ajuda e que meus olhos podem pedir auxílio de outros quando a beleza é demais…
___________________________________________________________________
Valacir, que estudou no Estadul, hoje mora em Porto Alegre e publica hoje um Blog
.

3 de agosto de 2013

Meu sábado é o silêncio de um retrato

Retrato de Katia - Pintura de Arcangelo Ianelli - Óleo sobre tela

Meu sábado é o silêncio de um retrato
Mariana ianelli

Sempre achei que toda crônica tem alguma coisa de sábado, algum prazer de sombra no meio de uma semana ensolarada. Quando penso no meu sábado, todos os dias, vejo na minha frente aquele quadro. Há tanto tempo o vejo que a primeira vez eu devia ter a mesma idade da menina do retrato.

Já vi muitos retratos, nenhum igual a esse. É uma menina de perfil, o cabelo cheio preso num laço, o rosto curvado para baixo. Tem uma sensualidade triste esse rosto, uma espécie de ar de esfinge ou de anjo em estado de repouso. A pálpebra se fecha esfumaçada sobre o olho, e isso me impressiona, essa fina membrana cobrindo um olho que mira a eternidade. A boca, feita de um pequeno rasgo, em tom de terra de Siena queimada, tem a mesma cor do laço. Não sorri. É uma criança que medita. Há uma pálida claridade no fundo do quadro, uma luz de três horas da tarde, talvez filtrada por uma cortina. Também isso me impressiona, que nada distraia essa criança, que seu rosto se esboce fora do tempo numa expressão instintivamente elevada. Ela tem seis anos de idade. É minha mãe.

Hoje não moro mais naquela casa, não posso ver o quadro na sala, mas o vejo em mim. Em algum momento do dia me vem essa infância intacta, não importa o quanto a vida tenha mudado, continua comigo esse olho de esfinge no silêncio de uma hora que não passa. Talvez minha mãe nem saiba que, nesse rosto que eu amo, vejo seu primeiro e último rosto, o de uma menina de avental azul sentada em uma cadeira, dentro de um ateliê, posando para um retrato.
______________________________________

Do livro: Breves anotações sobre um tigre, Editora ARdoTEmpo, 2013
.