29 de abril de 2016

UNPLUGGED

Foto LC Vaz

UNPLUGGED
Angelo Alfonsim

às vezes não percebo
meu vazio todo de fora
que nem noto meu dentro
assim tão do avesso
parado na esquina sem saber
de onde a vida vem
de onde vem essa obrigação
de estar sempre vivo
para garantir a existência
do que me mata
de dia dou um jeito de manter
a ilusão
à noite a ilusão me pega de jeito
não há prova que eu exista
não há realidade que me aceite
como prova

23 de abril de 2016

Dia de São Jorge - Amei um bicheiro

Cartaz do filme

Hoje é 23 de abril, é o dia de São Jorge, dia em que tradicionalmente o número correspondente ao Cavalo é condenado no marginal Jogo do Bicho. Numa produção de  1952 a Atlântida abordou esse tema no filme Amei um bicheiro, usando essa máxima para desenvolver sua trama. A mocinha Laura, vivida pela atriz Eliana, necessita de uma cirurgia de urgência e seu marido, o apontador de jogo, Carlos, interpretado por Cyl Farney, resolve dar um golpe no bicheiro Almeida, o tradicional vilão do cinema brasileiro vivido por José Lewgoy, fazendo um chaveco no dinheiro das apostas justamente no dia 23 de abril, o dia de São Jorge, quando as apostas no cavalo naquele dia seriam responsáveis pela arrecadação de uma grande soma em dinheiro. É possível assistir pelo youtube clicando AQUI.

Cena do filme da Atlântida marcando o dia do Santo
Para entender a história e as gírias referentes ao tema, só assistindo ao filme.
Boas apostas, digo, bom espetáculo a todos!


Texto já publicado aqui num outro dia 23 de Abril.

18 de abril de 2016

Segunda-feira de cinzas

Foto LC Vaz

Segunda-feira de cinzas (*)

A música sempre nos salva quando faltam as palavras.


Marcha de Quarta-feira de cinzas

Poema de Vinicius de Moraes
Musicado por Vinicius de Moraes e Carlos Lyra

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar

Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz
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(*) baseado em texto publicado aqui mesmo dia 17 de fevereiro de 2010

1 de abril de 2016

1º de abril. Apenas três lições nos "Anos de Chumbo"

O deputado Justino e a pequena Angelina. Arquivo da família.

1º de abril. Apenas três lições nos "Anos de Chumbo"

Angelina Quintana (*)

Minha casa, da infância em Bagé, era diferente. Morávamos com os meus avós, pais da minha mãe, as duas irmãs dela, três sobrinhas, meus dois irmãos e meu padrinho. No total, éramos 13. Mas, nem sempre foi assim. Esse formato de lar começou quando o meu pai, o deputado estadual pelo antigo PTB e ex-secretário de educação do Brizola, Justino Costa Quintana, foi cassado pelo Golpe de 64. Ele integrou a primeira lista de políticos gaúchos cassados e, quando saiu da prisão, só havia duas saídas: Deixar o país ou tentar recomeçar a vida em nossa terra natal. Optou pela segunda alternativa.

Meu pai falava pouco, lia muito e raramente saia de casa. No entanto, nunca perdeu o bom humor. Por isso, vivíamos em meio a muitos cuidados e recomendações. Entre a mais repetida: "Ninguém comenta fora de casa nada do que se fala aqui dentro." Dentro desse contexto, destaco três momentos emblemáticos na minha memória de criança. O primeiro foi quando cheguei do colégio e pedi que o pai me ajudasse a fazer o tema, mostrando-me no Diário de Notícias a foto do Governador do Estado, Euclides Triches, porque deveria colocar no meu caderno. O pai mostrou-me a foto de Triches e disse-me que eu não colocaria aquela foto no meu caderno, porque ele representava a ditadura militar. E, no local destinado ao tema, colocou um bilhete explicando as razões por eu não ter feito o tema. No outro dia, a professora leu, fez cara de braba e mandou que eu sentasse. Não ganhei, nem perdi nota. Ficou um pacto de silêncio no ar.

Na mesma década de 70, a minha memória registra outro fato marcante. A cidade de Bagé mobilizava-se para receber o presidente Emílio Garrastazu Médici e no meu colégio não foi diferente. Ao retornar do Grupo Escolar Mestre Porto, entreguei ao meu pai a notificação de que era obrigatório esperar a passagem do "ilustre conterrâneo" desfilar pelas ruas da cidade. Eu deveria estar uniformizada (de tapa-pó e lenço de seda marinho), com uma bandeirinha do Brasil em mãos e a desobediência representaria três dias de suspensão. Foi o momento em que o pai endereçou um novo bilhete à escola. Desta vez, destinado à diretora. Fui a única da minha escola que não fui saudar o presidente e não perdi nenhuma aula. E ninguém me perguntou o porquê?
Assim, fui aprendendo a lidar com o que se ensinava na escola e as verdades da minha casa. A terceira imagem e, talvez, a mais forte também foi na saída da escola. O meu colégio ficava às margens do Arroio Gontan -hoje canalizado e com várias construções irregulares erguidas sobre o seu leito- e, quando eu estava chegando na ponte, vi o meu pai saindo de casa escoltado por soldados armados e entrando num Jeep do Exército. Naquele momento, senti uma mistura de medo do que aconteceria com o meu pai e a vergonha das minhas colegas e amigas que assistiram a cena comigo. Não recordo quanto ele ficou preso, mas que somente a mãe ia visitá-lo e trazia notícias dele e garantia que logo estaria de volta a nossa casa. Ainda bem que, naquela época, eu não sabia que torturavam presos políticos.
Creio que, ali, começava a aprender a lidar com as mentiras de casa e as mentiras da rua. Depois, avançamos. E muito. Acompanhei com o meu pai o retorno dos exilados políticos, as eleições diretas para governadores e prefeitos das Áreas de Segurança Nacional (Bagé era uma delas), a luta pelas Diretas Já, a Constituinte de 1988 e lamento que ele não chegou a votar para Presidente.
Diante desse quadro, hoje comemoro que o Golpe de 64, do dia 1º de abril, ficou na História do Brasil como página virada.
Ditadura nunca mais.
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(*) Angelina Quintana é jornalista e amiga deste blog
Artigo publicado aqui mesmo em 2015.