24 de outubro de 2018

Tua vida em mim


Foto da página de Natália Sousa no Facebook

Natália Sousa (*)

Tristeza bateu duas vezes na minha porta hoje. E tristeza é um troço doido, porque quando ela chega, ela vem puxando um monte de outras tristezas pelo braço.

Na primeira vez que ela chegou, dormi. Na segunda, liguei o som. Na terceira, entendi. Tristeza só passa quando a gente sente. Só vai embora, quando fica. É corredora nata, sempre alcança.

Sentei, então, com a tristeza. Chorei, então com a tristeza. Escrevi, então, com a tristeza alojada na minha garganta. E respondi com soluço quando ela revirou todos os meus cortes profundos.

Deixei que ficasse, que me inundasse, que se alojasse, que percorresse todo o meu corpo, misturada no meu sangue. E então sentei com os olhos sentidos na frente do espelho e disse pra ela.

- Hey, eu sempre tentei fazer o meu melhor. E o meu melhor às vezes era pouco, mesmo. Era ruim. Era inadequado. Era espinhoso, pontiagudo, áspero quando se esperava macio. Mas o que é o ser humano, senão insuficiente, cru, faltante, às vezes? O que é ele, senão uma estrada que se faz todos os dias aos passos, aos poucos e aos tortos?

Ela me ouvia apertada, muda.

- O que seria da minha trilha se morressem pra me proteger todos os meus tombos? O que seria, tristeza? Hoje tu me visita e me revira, e eu entendo: tu é parte. É incômoda, chata, desesperadora...mas tu me lembra que tu é parte. E quando te aceito, me aceito independentemente dos resultados e dos machucados que me são expostos, e das loucuras que são tão donas dos humanos lúcidos, e das histórias que são feias... porque pra além de todas as coisas, os aprendizados são meus, tristeza. E isso você não rouba.

Nem os aprendizados e nem o amanhã que é outro dia. O amanhã é dia pra ganhar altura, corpo, pra ser maior. Com sorte, bonito também. Mas te peço licença pra ser paz que transborda nas minhas insuficiências. Para ser faltante de vez em quando. Pra ser nada no dia que eu não puder ser coisa alguma. Pra apenas ser tudo que me é humano.
E aí ela foi embora. Ela foi.
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(*) Publicado por Natália Sousa em:

https://www.facebook.com/tuavidaemmim/


20 de outubro de 2018

Um velhinho chamado Ingmar, Morangos Silvestres ou Strawberry Fields Forever


Foto Luiz Carlos Vaz

Um velhinho chamado Ingmar,
Morangos Silvestres
ou
Strawberry Fields Forever 

Luiz Carlos Vaz
Amigos, creio que a partir da semana que vem já estarei oferecendo a vocês morangos orgânicos, cultivados em casa, a modestos quatro ou cinco reais o quilo. Explico: na semana que passou dei de cara com um simpático velhinho no calçadão, muito parecido com o Ingmar Bergman. Sorridente, disse que se chamava justamente Ingmar, puxou conversa, que até achei que iria para o lado da política mas, para sorte dele - ou minha, o assunto foi se desenvolvendo para outros caminhos da metafísica. Passados uns dez minutos, me propôs diversos negócios, estava com a mãe doente, precisava de dinheiro, e não queria pedir. Queria conseguir através de algum negócio sério e honesto. E, cá prá nós, a mãe do “Ingmar” deveria ter uns 90 e picos, e doente, aparentaria um século...

Como já o escutara por bons dez ou 15 minutos, ouvir a proposta do Ingmar ocuparia pouco tempo a mais, ele já vendera sua mãe doente, digo, o seu peixe. Primeiro ofereceu-me um bilhete de loteria premiado, ele não possuía conta em banco, cepe-efe e etc... disse a ele que se eu me aproximasse do banco, o gerente poderia mandar prender-me, ou seja, nada feito. Passou então a me falar de uma galinha, que botava ovos de ouro, um por dia, menos domingos e dias santos de guarda, e que seria inclusive a salvação do país... Nesse momento ele lembrava o cigano Melquíades, tentando vender o laboratório de alquimia para Aureliano Buendia... Falei que era alérgico a uma dessas coisas que o ovo tem, mas ele ainda ponderou que eram de ouro, e portanto não continham essas “tais coisas” que sobem o colesterol e etc e tal.


Como fiquei impassível, ofereceu-me então duas mudas de morango. Claro, as mudas do Ingmar não poderiam ser morangos comuns, eram mudas especiais, cultivadas no açúcar e regadas com mel... Como já estava atrasado e a turma do Escritório já me esperava para o expediente no Café, comprei então as duas mudas que, segundo me afiançou o Ingmar, produzem dois quilos diários, cada uma, da noite para o dia. Não sei como vou dar conta de quatro quilos de morango a cada manhã... por isso conto com o auxílio de vocês para saborear esses morangos silvestres, esses strawberry fields que, pelo que me garantiu o Ingmar, produzirão forever.

Luiz Carlos Vaz