17 de junho de 2020

Minha lista de sete livros


Imagens de divulgação do filme no Google

Minha lista de sete livros
Luiz Carlos Vaz (*)

O Amílcar, dentro da brincadeira da atualidade no Facebook, me pediu para listar sete livros que gosto, que tenham me influenciado, e postar só as capas, sem comentários e etc...

Claro, não se trata de uma sessão do Senado para sabatinar meu nome para o STF, ainda não cheguei a esse pondo de safadeza, pelo menos eu penso, mas eu só penso mesmo, e acho que ficarei devendo a lista.

Mas... outro dia quando a amiga Eliana me convocou para uma outra brincadeira dessas, a das fotografias em preto e branco, havia “exigências” que tornavam mais fácil cumprir a meta; as fotos precisavam ser do cotidiano, em preto e branco, sem pessoas, sem comentários e batidas durante a Quarentena. Foi fácil. Nada de mexer em arquivos, procurar pastas, temas, nada! Era só fotografar em casa mesmo, publicar e convidar outro amigo para seguir a brincadeira.

Mas essa dos livros é mais complicada, pois não se refere aos dias de hoje, e sim a toda minha vida! E são somente sete! Caramba!! O Amílcar, que é meu “codesorientado” no seu Mestrado em História, e que a toda hora troca o meu título, quando passo de coorientador para fonte (e dessa fonte nem sempre jorra só água, por vezes jorra água com café, com cevada e lúpulo, e até com malte escocês...) já esteve aqui em casa mais de um vez e conhece o lugar onde amontoo os meus sete livros; e ele volta seguido, não pelos livros, ou pelas gravações, ou depoimentos sobre a Gazeta - o seu tema, volta, isso sim, por causa das panquecas da Dona Terezinha; e isso até poderia se transformar em uma outra brincadeira do Face: “Enumere sete motivos para visitar o Vaz perto do meio-dia!”

Mas sete livros... Olha, eu já passei dos quarenta anos. Aliás, já passei dos quarenta, dos cinquenta, dos sessenta... e ele me pede para listar sete livros! Lembro que sempre dizia aos meus alunos na faculdade que só existem três “textos” originais: a Tragédia Grega, a Bíblia e Shakespeare. Tudo que foi escrito depois é cópia.

Quem sabe coloco isso na resposta? Pô, sacanagem, dirá ele. Então, baseado no acontecimento verídico que intitulei A Trilogia do Cavalo Sem Nome (*), que publiquei no meu blog e no Facebook, pensei em relacionar esses tais sete livro/autores, com as pessoas que me indicaram e que foram fundamentais na minha vida de guri, na minha formação política e social de moço e na reafirmação das minhas ideias e ideais de adulto.
O primeiro livro que li, ainda no tempo da Pandemia da Gripe Asiática (já passei dos sessenta, lembra?), foi o Almanaque Biotônico; portanto, Monteiro Lobato foi o primeiro autor a chegar às minhas mãos através do meu Pai, que fazia todos lá em casa ler a Seleta em Prova e Verso, a edição antiguíssima, de capa dura, de 1884, e recitava de cor os versos de Martín Fierro: “Aqui me pongo a cantar/ al compás de la vigüela,/ que el hombre que lo desvela/ uma pena estrordinaria/ como la ave solitária,/ con el cantar se consuela...” 

Depois, meu irmão mais velho (sim, foi um privilégio ter um irmão mais velho), me apresentou Júlio Verne. Ah! que que horizontes se abriram ao dar a Volta ao Mundo, conhecer a Ilha Misteriosa ou fazer parte da tripulação do Náutilus! Alguns anos se passaram até que os colegas mais safados da escola, que já fumavam Marrocos 10, me apresentaram Carlos Zéfiro; as mãos suavam manuseando os “catecismos” criados pelo pacato funcionário público que morava no Rio, e que nas horas vagas criava as histórias, desenhava e publicava clandestinamente nos seus famosos, e hoje cults, livrinhos de sacanagem.

Já no Ginásio do Colégio Estadual de Bagé, a professora Maria Veleda me apresentou o principezinho de Exupéry e os meninos que fugiam com o circo, também de um autor francês, o Henri de la Vaux. Com os primeiros pelos escuros crescendo no rosto já lia, incentivado por ela, Alencar, Machado e Jorge. Que Professora! E não tive, confesso, uma boa relação com o Érico; sei lá, coisas daquele tempo e daqueles ventos que sopravam fortes nos anos finais da década de 60.

Ao chegar por aqui, o Schlee achou que eu tinha jeito para alguma coisa e me emprestou o livro que mudou meu modo de ver o mundo: Week End na Guatemala, do Astúrias; e foi na casa da família Rosenthal Schlee, onde a Marlene me acolheu como filho, que o Mário Magalhães me falou de um tal de Cortázar, o João Manuel, de uma senhora chamada Clarice, e o Walter, de Lorca; a Vera Guido um dia me comentou sobre um livro com um nome muito comprido: A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada. Acabei caindo em Macondo, e nem sei se já sai de lá.

O saudoso poeta e amigo Joaquim Duval me apresentou Gullar dentro de sua noite veloz; o professor Cristovam Buarque, visitando Pelotas, numa conversa com o reitor Amílcar Gigante, no pátio do antigo Malg, ali na Deodoro, nos falou de um tal Pedro Páramo... eu já era grande e nunca tinha ouvido falar em Juan Rulfo, que coisa, hein? No mês seguinte, visitando a Feira Internacional do Livro de Guadalajara, eu quis comprar “todos os livros dele”! Incrédulo com a minha ignorância, o moço que atendia a banca me disse: mas ele publicou só um, o Pedro Páramo... e, para autenticá-la em cartório, há pouco tempo precisou o Alexandre me dizer: Vaz, Rulfo também foi fotógrafo! Vivendo e aprendendo é um ditado que se aplica muito bem num momento desses.

A Maribel diz que Camus não pode ser um estrangeiro nessa lista, o Dámian exige Benedetti, José Maria del Rey, Onetti e Benavides, claro, Juana de Ibarbourou. Pessoa será uma dica do alfacinha Ferreira, e valter hugo mãe, assim com minúscula, sem remorsos, como serapião, nos causará um efeito borboleta, como em José Mario Silva; seremos condenados a uma cegueira temporária com Saramago e Borges, abrindo as nossas veias com Galeano e Neruda. Mas aí já estarei perdido nas cinco esquinas de Llossa.

Ao traduzir Facundo e Güiraldes, e versar para o espanhol Simões Lopes Neto, Aldyr nos abre uma janela incomensurável para o Prata, seu Dicionário nos revela um Pampa a ser ainda descoberto por nós, e descobri, há poucos anos, ouvindo justamente ele, durante uma palestra na Sociedade Sigmund Freud, que Cervantes colocou a voz humana nos cachorros no fabuloso El colóquio de los perros, e que precisa, Amílcar, estar nessa lista de sete. Até porque quando alguns amigos estão reunidos falando sobre literatura, eu arremedo uma cara de culto perguntando se já leram esse livro, afinal estamos vivos e prontos para seguir aprendendo. Já comprei todos os exemplares dele, editados pela Edelsa e disponíveis no Brasil, para dar de presente a esses parceiros; dessa forma já receberam essa raridade o Pedro Moacyr, o Paulo Sousa, a Juliana e o Fabio Amaro.

Quem primeiro me falou no africano Mia Couto foi o Marcus Cunha; na pós graduação, a professora Letícia através de Hobsbawm, nos mostrou que as tradições eram todas inventadas, todas elas, e o professor Fábio Cerqueira indicou Buenos Aires Negra, do Daniel Schávelzon, que nos dias atuais é leitura fundamental para entender as lutas que envolvem os preconceitos sociais e étnicos na américa e no mundo; o Wladmir Ungarety - que é amizade nova da rede social, me apresentou A história do Olho, do Bataille; o Aquino me aconselhou a comprar somente as edições da Editora Ulisseia d’O quarteto de Alexandria, do Durrel, que são Justine, Balthazar, Mountolive e Clea. Meu filho Marcelo, que sabe que amo os cachorros, me presentou o ano passado com o Padura...

Com esse terraplanismo todo assolando nosso planeta redondo, nem sei se devo colocar nessa lista A Origem das espécies, ou o raro Codex Romanoff, do Da Vinci. A tragédia da Piedade, do Dilermando Cândido, faz parte dos meus assuntos de pesquisa, pronto, falei!
O que mais posso dizer? Que levei a sério demais a brincadeira na impossibilidade de listar somente sete? Ou que penso, sim, no efeito futuro que pode causar o livro que dei aos “filhos da Elis Regina”, os vendedores de legumes, Pedro e João Marcelo, e que conta a história do dono do Rocinante?

É, mas penso também no Fahrenheit 451, e no destino que pode ter o meu Grundrisse, ou o outro livro do velho Karl, da Boitempo, que foi maravilhosamente traduzido e em três grossos volumes por um guri aqui de Pelotas, que hoje mora na Alemanha, o Rubens Enderle. Penso em tudo isso durante essa Quarentena, quando olho pela janela vejo os efeitos do outono no chão e lembro do Valder, e aí me sinto sofrendo em Paris, com o Athos.

Eu escrevo essas linhas imaginando o nome dos sete livros para tua lista, que são quase Memórias de o que já não será, num frio que lembra um pouco o inverno que Don Frutos enfrentou em 1853 em Jaguarão; pelo menos eu penso, mas eu só penso mesmo, e acho que ficarei te devendo a lista.

Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor do Blog

Ilustra esta postagem uma composição de imagens do filme O Nome da Rosa, que trata do amor pelos livros, fanatismos, perseguições, fogueiras e outras coisas.
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(*) Para ler a Trilogia do Cavalo Sem Nome, clique AQUI
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